O turco Güven Yalçin, fita a prender-lhe o cabelo, estava na relva, de cócoras, a recuperar o fôlego roubado pelo esforço para ir atrás da bola. Derrubado um adversário, o seu olhar subiu. Viu o árbitro. Ao vê-lo ir ao bolso, com os dedos segurar um cartão e esticar o braço para mostrar o amarelo, Yalçin caiu deitado. Nesse momento soube que o jogo terminou, não acabando, mas que o jogo feito pelo Arouca iria ficar por ali. Com as feições a murcharem-lhe, levantou-se e nem uma palavra disse com quem fosse, preferiu simplesmente ir embora.

Quando viu o turco pelas costas, aos 43’, com o Estádio do Dragão a despertar do sonambulismo provocado pelo que se vira até então, o FC Porto fez mais nos quatro minutos que ainda houve por usar do que no tempo que antes houvera: o crânio de Zé Pedro, na área, obrigou Nico Mantl a ir ao tapete bloquear a bola com uma palmada e Samu, centrado no seu corpanzil, recebeu um passe, virou-se e rematou para o central Popovic meter o corpo no caminho. Com um jogador a mais, natural era que o FC Porto produzisse mais.

Durante muito tempo, o que os dragões faziam era encapsulado por outro momento: quando Galeno, chuteiras a pisar a linha lateral, chutou no ar com o pé direito e a bola ricocheteou na sua perda de apoio para fora, o brasileiro pendeu a cabeça para baixo e abanou-a em desalento. Mais do que lamentar o seu desajeito, o gesto do brasileiro era, aos 13 minutos, a encarnação coletiva do quão murcho o jogo estava a ser e ainda seria para o FC Porto até à expulsão do avançado do Arouca.

Não sendo um poço sem fundo de truques e baldrocas, Galeno é o maior garante de fintas (mais em velocidade, menos em enganos) que desequilibram jogos a favor dos dragões, ele de técnica mais saliente em corridas galopantes, menos fina em espaços curtos. O FC Porto procurou a sua gazela com insistência e forçado por um Arouca com os TPCs feitos atempadamente em casa: tendo visto, em vários encontros deste campeonato, a preferência dos portistas por ligar coisas no centro do campo, um piscar de olho ao jogo interior fomentado por Vítor Bruno, os visitantes foram precisos a proteger essa zona do campo.

Com a bola, os calcantes de Alan Varela juntavam-se aos centrais no início da construção, João Mário e Francisco Moura projetavam-se no campo e a equipa acumulou hesitações por ver tantos corpos de amarelo a cerrarem fileiras por dentro, porventura a cor a lembrar-lhe da desfeita recente no círculo por ártico. De ideias enferrujadas, passes falhados e pouca paciência para atrair os adversários com engodos, até ao intervalo nunca os dragões desenharam algo pelo centro do campo que acabasse em remate.

MIGUEL RIOPA

Fora a cabeçada de Zé Pedro numa bola parada, só Pepê, embalado área dentro, ia finalmente acertar uma tentativa na baliza quando João Mário reciclou um cruzamento demasiado largo para repor um passe rasteiro na área. A servir de lomba, lá esteve o defesa Popovic. Mais remates só se viu de Alan Varela, Nico González e Samu, todos iguais e batidos em bolas a caírem do céu e na ressaca de um corte da defesa do Arouca. Nenhum acertou no alvo.

O alento mais risonho do FC Porto, na verdade o único, era a expulsão sofrida por um Arouca que se impôs na medida das suas possibilidades no Dragão, malandro a querer sair curto de trás com o guarda-redes e a chamar a pressão dos dragões para, com os seus médios baixos para arrastarem marcações, Mantl bater logo, mas com propósito, no apoio de Yalçin. Se não ligava com a bola no chão - muitas vezes, conseguiram -, então havia a escapatória mais direta no avançado turco. A libertar-se assim ou a na simplicidade a arrancar transições com as bolas recuperadas, o Arouca teve Yalçin, Tiago Esgaio e Sylla a rematarem dentro área.

Foi nessa, após as equipas trocarem de margem, que o matulão Samu cedo provou que outro jogo viera do balneário. Com o FC Porto decidido a explorar mais os espaços por fora, João Mário correu pelas costas de Pepê, cruzou e à segunda, quase furibundo pelo bloqueio no primeiro remate, Samu fez o 1-0 na recarga. O quarto jogo seguido a marcar do espanhol e a realidade amaldiçoavam o Arouca, que tratou de se auto-encurralar pouco depois com a fidelidade ao estilo. Nico Mantl, querendo sair a jogar curto, deu um passe a queimar David Simão, vigiado que nem sombra por Nico González que lhe roubou a bola e logo a rematou para o 2-0. Nos sete minutos iniciais, os dragões ia buscar um resultado.

O fim da tarde foi castigando o Arouca, que só ao 3-0 sofrido se coadunou ao facto de ter 10 homens em campo. A atrapalhação que antes tramara Galeno, deixando cabisbaixo, luziu-lhe a dentadura sorridente quando, num canto, desviou com as costas mais um golo do FC Porto que passou a chamar um figo ao amarelo.

MIGUEL RIOPA

Vítor Bruno, regressado do frio da Noruega, dera conta da “agonia grande” sentida pela equipa com a derrota na terra onde o céu guarda auroras boreais, sentimento que teria durado até à análise em vídeo do que acontecera em Bodo, contra quem jogava de amarelo, mas agonia noutras doses reapareceu no Dragão contra outros de amarelo e até dois cartões dessa cor ajudarem a dissipá-la. O amarelo que tira foi o amarelo que deu e o FC Porto, no resto do tempo, melhorou no jogo e nas sensações.

A mais faladora ao coração apareceu, com 20 minutos em falta, com a entrada de Fábio Vieira, o menino bonito do Dragão que veio fazer as vezes de outro que se foi, vestindo o mesmo número, ostentando outras valias na canhota, mais calma e cerebral, a impor-se pela fineza em vez da voragem em ir para cima. Com mais um em campo, também se devolveu Stephen Eustáquio às origens da carrinha, como 6 na base do meio-campo. O FC Porto circulou passes com esperteza, o seu 10, sem ação desde julho, foi dando colheradas na bola para tentar servir gente na área, Samu e Deniz Gül atacando espaços na frente.

O esquerdino tornado a casa ainda namorou a alegria, curvando um remate que Mantl salvou, todo esticado. O alemão das luvas incapaz seria de parar a bola rematada por Gül e desviada para golo, o segundo seguido do sueco numa jogada pintalgada com boniteza por um passe de Rodrigo Mora, o outro motivo de sorrisos a falarem ao coração do FC Porto - foi a estreia caseira do adolescente-joia do clube, que vai subindo na escadaria do futebol. A sintonia de artistas, com ele e Fábio Vieira ocasionalmente a combinarem, deixou alimento para noites futuras.

Ficará o destino sem saber como o FC Porto desataria os nós provocados por um Arouca na posse dos 11 jogadores, certeiro a bloquear as suas intenções pelo coração do campo e rápido a usar as bolas recuperadas para transitar logo rumo à baliza. Foi mais ou menos assim que o Bodo/Glimt, a meio da semana, ferira os dragões. Essa agonia, a de amarelo, ficou curada.