A ideia, já aqui aplaudida, é oferecer a todos os interessados uma experiência próxima à realidade da que árbitras e árbitros lidam semanalmente.

No terreno, os interessados são convidados a analisar lances, tomar decisões e participar em momentos interativos (com óculos de realidade virtual), que lhes permite perceberem a dificuldade que as gentes do apito sentem jogo a jogo.

Foram já muitos os meninos e meninas mas também graúdos, que assumiram provisoriamente o papel de árbitro, algo que cumpriram com entusiasmo surpreendente.

Desta vez a "carrinha" viajou até à Madeira e Porto Santo, estreitando distâncias e permitindo a muitos insulares uma experiência impossível de concretizar num passado recente.

Este tipo de ações são de importância extrema, não só porque apelam a uma maior compreensão e tolerância em relação ao setor, mas também porque permitem que o projeto cumpra o seu objetivo maior: o de seduzir jovens para a arbitragem, pela via do exemplo e proximidade.

Há muito que a classe sente na pele a escassez de recursos, logo de opções que permitam filtrar qualidade, garantindo quadros mais competentes e qualificados no futuro.

O desinteresse aparente de todos os que, ao longo das últimas décadas, pouco fizeram para fazer crescer sustentadamente o número de árbitros em Portugal prova-se numa factualidade incontornável: temos hoje menos árbitros no ativo do que tínhamos em meados dos anos 90. Não é mentira, é mesmo verdade.

Isso significa que o empenho colocado no crescimento do número de atletas federados não teve correspondência mínima com o empenho colocado no crescimento daqueles que teriam a responsabilidade de dirigir os seus jogos. É um racional que não faz sentido.

Por muito que se queira vender o contrário, a verdade é que não são duas ou três iniciativas pontuais que resolvem o problema de base, até porque números entretanto publicitados não têm correspondência real com a quantidade de árbitros que começou a atuar e mantém-se no ativo.

De que serve termos mil inscritos, se nem metade (ou menos) chegam a equipar?

No que diz respeito a recrutamento e retenção, um dos eternos problemas do setor, a melhor estratégia não é a que mascara a realidade. É a que for idealizada com cabeça, tronco e membros. A que for executada de forma estratégica, de norte a sul do país, com recursos que permitam alcançar metas plausíveis.

Portugal não tem que ter o triplo dos árbitros que tem hoje. Portugal tem que ter o número de árbitros adequado à sua realidade distrital, nacional e profissional. Não precisamos de quinze mil árbitros se dez mil resolvem. O que precisamos é que esses dez mil fiquem por muito tempo.

Neste contexto, não é de estranhar que a classe continue a ser esquecida em eventos onde se celebra o mérito desportivo e, justamente, premeiam-se os melhores.

Artur Soares Dias, que esta época arbitrou uma Final Europeia, terminando a carreira após passagem muito meritória no Euro 2024, não foi publicamente agraciado no espaço onde se esperava que fosse. Rui Licínio e Paulo Soares, seu colegas de sempre e árbitros assistentes de topo mundial, que tanto deram à arbitragem nacional, também não. E nem Eduardo Coelho, árbitro internacional de futsal, presente em inúmeras fases finais de europeus e mundiais, teve o justo reconhecimento na festa do futebol. Aconteceu o mesmo com Sérgio Soares.

Não é criticável, é apenas elucidativo.

A verdade é que os árbitros, eterno parentes pobre do jogo, não contam.

O paradigma terá que mudar e quem liderar o próximo ciclo tem que estar ciente disso. Os jogos fazem-se com jogadores, dirigentes e árbitros. Tudo o resto é importante, mas não transcendente. Investimento e valor a quem tem, por favor.

Espero sinceramente que a classe tenha maior valorização e crescimento nos próximos anos. Nada cai do céu e isso pressupõe trabalho e determinação. Mas será aí e só aí que se poderá perceber as diferenças, fazer as contas e apurar responsabilidades em caso de fracasso.

O mais importante nesse caminho é que ninguém se esqueça que não é a sua carreira ou sobrevivência pessoal que importam. É a arbitragem. Apenas e só.