A Volta a França é a prova mais dura do ciclismo. Cada elemento do pelotão está obrigado a descobrir dores em músculos que nem sabia que tinha em algum momento das três semanas de prova. A multiplicidade de desafios colocados pela estrada dá oportunidades para os ciclistas se evidenciarem naquilo que são mais fortes e para ficarem expostos às debilidades que os perseguem. Há chegadas em plano para os sprinters, há montanhas para os alpinistas das duas rodas e há contrarrelógios para os roladores. 2024 trouxe a versão mais completa do Tour. Quem o vencer terá que ser um pouco de tudo isto.

A organização deste inferno em pedais decidiu colocar 14 setores de gravilha na etapa 9, em Troyes, para entusiasmo de muitos e para desespero de outros. Afinal, cada grão de terra batida é um risco de acidente ou furo. Remco Evenepoel foi um dos ciclistas que se prontificou a mostrar o entusiasmo com a passagem pelos chemins blancs (caminhos brancos).

O patrocinador da camisola do líder dos trepadores deve desejar que Jonas Abrahamsen nunca a perca. O norueguês, como se tem visto nas etapas anteriores, foi o primeiro a agitar o pelotão ainda antes da etapa chegar à zonas areosas. Rui Costa tentou entrar nessa fuga que acabou por não se concretizar. Ainda assim, o português da EF Education continuou bem colocado em busca de uma oportunidade.

A verdadeira fuga do dia foi constituída por um grupo de oito ciclistas com capacidade para resistirem ao andamento em tum-tum-tum-tum-tum. Destacavam-se Jasper Stuyven, Thomas Pidcock e Ben Healy. O pelotão que, convenhamos, estava reduzido ao quórum dos aspirantes a um bom lugar na classificação geral (João Almeida incluído) e respetivos escudeiros. O empenho de Wout van Aert endureceu a corrida a favor da Visma-Lease a Bike. Com isso, Primož Roglič chegou a ficar descolado, mas não ao ponto de ser descartado definitivamente.

A sensação de se estar à beira da desgraça que a gravilha provoca tem um fundamento que Jonas Vingegaard sentiu na pele pálida escurecida pelos restos de poeira. O dinamarquês furou e teve que trocar de bicicleta com Jan Tratnik. O líder da Visma-Lease a Bike estava rodeado de especialistas em clássicas, um tipo de corrida que se tem decidido a largos quilómetros da meta. Tadej Pogačar ganhou a Strade Bianche com um ataque a 81 quilómetros do final. Mathieu van der Poel, a quem a etapa 9 do Tour assentava na perfeição, conquistou Paris-Roubaix graças a uma movimentação a 60 quilómetros do fim.

Ao destacar gente deste calibre, nunca esquecer Remco Evenepoel. Aliás, o belga acabaria por apresentar razões para ser referido. A 77 quilómetros atacou, levando consigo Tadej Pogačar, camisola amarela, e Jonas Vingegaard. Os três primeiros classificados da geral não foram muito longe, acabando por se juntarem de novo ao grupo de onde eram procenientes.

Mathieu van der Poel, escondido até então, juntou-se à meia dúzia de gente que procurou anular o intervalo de um minuto para a fuga. Rui Costa, campeão português, seguiu com o campeão do mundo, confirmando as intenções que trazia de arriscar a vitória na etapa. Acontece que aqueles 40 segundos que os separavam da frente revelaram-se uma eternidade.

Mais atrás, Tadej Pogačar esgotou as ofensivas a 20 quilómetros do final. Do rádio da UAE Emirates ouviu-se “vai com tudo”, mas houve resposta à altura de Matteo Jorgenson e Jonas Vingegaard. O esloveno rapidamente se conformou com a ideia de que não ia ganhar tempo aos rivais diretos, fazendo apenas o necessário para manter a camisola amarela.

A fuga acabou mesmo por triunfar. Jasper Stuyven, o mais ativo dos dissidentes, aproveitou a entrada no último setor de gravilha para se destacar. O quilómetro final terminou com as intenções do belga e deu a Anthony Turgis o triunfo ao sprint. O corredor da TotalEnergies garantiu a primeira vitória numa grande volta e tornou-se no terceiro francês a ganhar no Tour deste ano. Derek Gee é a novidade no top-10 da geral.