Na 29.ª Cimeira do Clima, quase a terminar no Azerbaijão com um sabor amargo, o financiamento da ação climática voltou a ser “o tema” em debate. Existem sectores da economia que são largamente sub-tributados, mas que poluem enormemente o planeta, daí que a task force “Global Solidarity Levies: For People and the Planet” tenha esta semana divulgado o seu segundo relatório, no qual propõe taxas solidárias a cobrar aos maiores vilões ambientais, entre os quais se encontram os produtores de combustíveis fósseis, a aviação, o transporte marítimo internacional, as criptomoedas ou a indústria dos plásticos. Sem esquecer, com o pontapé dado há dias pelo Brasil no G20, e já antes no âmbito do Quadro Inclusivo da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), os super-ricos ou, para usar o eufemismo da Declaração do Rio de Janeiro, os “indivíduos com um património líquido ultra-elevado”.

E porque a justiça climática anda de mãos dadas com a justiça fiscal, aquele grupo de trabalho, presidido pela ex-diplomata francesa Laurence Tubiana, uma das arquitectas do Acordo de Paris, já anunciou, em parceria com o Banco Mundial, a OCDE, académicos reputados e peritos das Nações Unidas, as contas feitas se os maiores poluidores forem tributados: 216,2 mil milhões USD/ ano (taxa sobre a extração de combustíveis fósseis, com base na tributação de 5 dólares por tonelada de CO2); 200-250 mil milhões USD/ ano (taxa de 2% sobre o património líquido dos bilionários); 173,4 mil milhões USD/ ano (imposto de 50% sobre os lucros excepcionais das 14 maiores empresas de combustíveis fósseis por capitalização bolsista, entre julho de 2021 e julho de 2023); 133 a 274 mil milhões USD/ ano (imposto sobre as transacções financeiras, com base numa taxa nominal de 0,3 ou 0,5%); 127 mil milhões USD/ ano (taxa de transporte marítimo, calculando entre 150-300 USD por tonelada de CO2); 121 mil milhões USD/ ano (taxa de passageiro frequente: 9 dólares/ passageiro em cada segundo voo do ano e 177 dólares no vigésimo voo no mesmo ano); 104 mil milhões USD/ ano (valor da taxa de carbono aplicada em 2023); 25 a 25 mil milhões USD/ ano (taxa sobre a produção de polímeros primários, cobrando entre 60 a 90 dólares por tonelada); 18 mil milhões de USD/ ano (taxa sobre o consumo de querosene nos voos internacionais, a 0,33 dólares/ litro); e, por último, 5 mil milhões de dólares/ ano (taxa sobre a mineração das bitcoin, com base na cobrança de 0,045 dólares por kWh de energia consumida).

Esta solução permitiria obter o bilião de dólares anuais necessários para reverter a crise climática bem como o encolher de ombros dos países mais ricos e com maiores responsabilidades históricas nas emissões de gases com efeito de estufa (GEE). Até ao momento, a generosidade Norte-Sul resume-se a 700 milhões de dólares, isto é “aproximadamente ao salário anual dos dez jogadores de futebol mais bem pagos do mundo", como disse António Guterres, frisando a necessidade de “passar de biliões a triliões”.

Conforme afirmou recentemente Nadia Calviño, presidente do Banco Europeu de Investimento (BEI), “um dólar investido em adaptação e resiliência poupa cinco a sete dólares em reparações e indemnizações por danos.” Numa Conferência marcada pela ausência de muitos chefes de Estado e de Governo e pelo abandono da delegação argentina, o porta-voz da Aliança dos Pequenos Estados Insulares (AOSIS), particularmente ameaçados pelo aquecimento global, pôs o dedo na ferida ao dizer que se sentem “abandonados”.

No estertor da era dos combustíveis fósseis, o monstro continua a estrebuchar e a perspetiva de ter nos EUA uma Administração liderada por Donald Trump torna mais real atingirmos um aumento médio da temperatura de 3,1°C até 2100, na senda do alerta dado há um mês pela agência das Nações Unidas para o ambiente (UNEP) ao lançar o relatório Emissions Gap Report 2024. A dura realidade é que, nove anos após a assinatura do Acordo de Paris, em 2015, as emissões GEE aumentaram 8%. Também o desempenho climático de Portugal piorou, tendo o país descido duas posições no Índice de Desempenho das Alterações Climáticas (CCPI) apresentado na COP29.

Greenwashing files

Ao mesmo tempo que as ONG e o ativismo indígena têm mostrado crescente dificuldade em fazer ouvir a sua voz nas COP, os lobistas voltam a integrar as delegações nacionais em grande número. Após analisar as listas de participantes, a plataforma Kick Big Polluters Out revelou que “mais de 200 lobistas da agricultura industrial, representando as maiores empresas agro-alimentares do mundo”, além de 1770 lobistas das companhias fósseis, tiveram acesso às negociações oficiais da COP29.

A verdade é que as empresas de combustíveis fósseis não querem deixar no solo o petróleo, o gás e o carvão que nos matam. Pelo contrário, querem extrair mais e mais, enquanto der lucro, e os Governos continuam a dar uma mãozinha ao negócio, financiando com dinheiro dos contribuintes uma atividade que devia caminhar a passos largos para a extinção. Mas não, caminha apenas para nos extinguir a todos!

As companhias sabem há décadas dos perigos de queimar combustíveis fósseis. Por isso, tal como aconteceu com as tabaqueiras no passado, que esconderam os malefícios para a saúde e enfatizaram o glamour de fumar, fizeram tudo o que puderam para que o assunto se mantivesse fora do radar, financiando campanhas massivas de desinformação, comprando cientistas e governos. Agora que já não conseguem mentir mais, avançaram com técnicas mais sofisticadas, o chamado marketing verde ou greenwashing. A ONG ClientEarth, sediada em Londres, desmontou magistralmente esta nova forma de enganar os incautos nos seus greenwashing files.

As campanhas da Aramco, Chevron, Drax, Equinor, ExxonMobil, INEOS, RWE, Shell e Total mostram que cumprir as metas do Acordo de Paris, ou seja, manter o aumento da temperatura da Terra em 1,5°C, face aos níveis pré-industriais, não é uma preocupação para estas empresas. A sua principal preocupação é parecerem preocupadas. E continuarem a faturar.

“Os estudos mostram que existem planos para produzir 120% mais combustíveis fósseis até 2030 do que o necessário para nos mantermos abaixo deste limiar. Não podemos simplesmente queimar todo o stock mundial de carvão, petróleo e gás e esperar evitar uma catástrofe climática”, refere a ClientEarth.

A Aramco é detida pelo Governo da Arábia Saudita e considerada a empresa de petróleo e gás que mais emite no mundo inteiro. É responsável, desde 1965, por mais de 4% de todas as emissões globais. Detém reservas fósseis, até pelo menos 2077, que ultrapassam as reservas combinadas da Exxon, Chevron, Shell, BP e Total. Em 2020, anunciou que iria aumentar a sua produção de 12 para 13 milhões de barris de petróleo por dia. Em 2023, na sequência do aumento dos preços da gasolina após a pandemia, a companhia anunciou lucros recordes de 161 biliões de dólares (154,5 biliões de euros), valores superiores aos resultados publicados pela ExxonMobil e pela Shell (55,7 e 39,9 biliões de dólares de lucro - €53,5 biliões e €38,3 biliões - respetivamente). A Aramco recusa revelar as suas emissões GEE. Também não divulga os montantes que investe em inovação e em tecnologias de baixo carbono.

A Coligação para os impostos solidários, que nasceu da iniciativa conjunta dos Barbados, França e Quénia, reúne hoje infelizmente apenas 17 Estados! Seria bom que Portugal, além da conversão da dívida em apoio às iniciativas de mitigação e adaptação dos países de expressão portuguesa, seguisse o exemplo francês e integrasse esta frente, contribuindo com a sua quota-parte para o esforço global de ajuda aos países mais vulneráveis. O Governo de Montenegro prometeu dar para esse fim 11 milhões de euros anuais até ao final da década. Uma quantia manifestamente insuficiente. Tal como o ambíguo X inscrito como valor na proposta inicial de texto final apresentado pela presidência azeri.