2020 é para esquecer a todos os níveis. Foi o ano que nos deu uma nova perspetiva do mundo e da vida. Um ano que nos obrigou a mudar as nossas rotinas e hábitos, que nos trouxe novas experiências. Um ano que testou nossa paciência e capacidade enquanto seres humanos.
No desporto não foi diferente. 2020 foi o ano das competições sem adeptos, do treino em casa, da anulação de várias provas. Foi o ano da ansiedade, do medo, de um normal diferente. Também foi o ano da tristeza, das lágrimas, da dor, da perda de génios no desporto. Foi Maradona, foi Kobe Bryant, foi Paulo Gonçalves. Resta-nos as lembranças, as imagens da genialidade. E a saudade.
O ano começou de forma trágica e assim acabou. Com mortes. A 12 de janeiro, o motard português Gonçalves acelerou numa reta na sétima de 12 etapas da 42.ª edição do Rali Dakar, que se realizou na Arábia Saudita, e perdeu a vida. Aos 40 anos, 'Speedy Gonçalves não aguentou as muitas "lesões graves na cabeça, pescoço e coluna" e passou a ser mais uma vítima do mítico rali, nesta que era a sua 13.ª participação.
No mesmo mês, partiu Kobe Bryant, a lenda do basquetebol mundial. 'Black Mamba' levava Gianna, a filha 13 anos para mais um treino, mas nenhum deles chegou ao destino. O helicóptero onde seguiam perdeu-se num intenso nevoeiro na manhã de 26 de janeiro, em Calabasas, Califórnia. Além de Kobe e da sua filha, mais sete pessoas morreram na sequência da queda do aparelho.
Kobe e Paulo Gonçalves partiram no início do ano, Maradona foi no final. Após ser operado a hematoma subdural, e pouco tempo depois de completar 60 anos, 'El Pibe' deixou de fazer parte do mundo dos vivos no dia 25 de novembro. O coração do mais lendário de todos os futebolistas argentinos (e talvez do mundo) parou e, com ele, o mundo do futebol. Viveu intensamente, sempre no limite: se nos relvados espalhou classe e toda a sua genialidade, fora deles a sua vida ficou marcada por polémicas e pelo vício das drogas. "Errei e paguei, mas o que fiz em campo não se apagou", disse, numa despedida memorável em 2001, dentro do estádio La Bombonera lotado.
Um dia depois de Maradona, 2020 levou-nos também o 'elevador' do futebol nacional, o 'Rei das Subidas'. Vítor Oliveira, um dos treinadores mais amados do futebol português sentiu-se mal durante uma caminhada e morreu. Em mais de 30 anos como treinador, Vítor Oliveira ganhou fama ao conseguir 11 promoções em 18 presenças na II Liga.
Outros grandes nomes do desporto perderam a vida em 2020 como Paolo Rossi, herói da vitória italiana no Mundial de 1982 ou Reinaldo Teles, o 'chefinho', eterno dirigente do FC Porto. Jack Charlton, irmão mais novo de Bobby Charlton e campeão do mundo por Inglaterra em 1966, partiu aos 85 anos. Vassili Kulkov, ex-jogador do Benfica e FC Porto, e Mauricio Hanuch, antigo jogador do Sporting, também nos deixaram, tal como Dito, antigo internacional português de FC Porto e Benfica. Teresa Machado, melhor lançadora portuguesa de todos os tempos e recordista portuguesa no lançamento do peso, Stirling Moss, vice-campeão mundial da Fórmula 1 e Nicha Cabral, primeiro piloto português a participar numa corrida de Fórmula 1, estão entre as muitas personalidades ligadas ao desporto que perderam a vida em 2020.
Da morte das estrelas a um novo normal
Março trouxe-nos o isolamento, a quarentena e o mundo em suspensão. Enquanto as enfermarias dos hospitais do Mundo delineavam planos para tratar o número crescente de doentes com COVID-19, o mundo do desporto traçava cenários de um possível regresso, no meio de muitas incertezas.
O desporto no geral e o futebol em particular tinha parado, algo que não se via desde a Segunda Guerra Mundial.Numa altura em que a COVID-19 se alastrava a toda a velocidade em Itália e Espanha e as ligas internas já jogavam sem público nas bancadas, a UEFA ainda autorizou dois encontros com estádios cheios na Liga dos Campeões. Duas 'bombas biológicas' como lhes chamaram os especialistas.
Pouco tempo depois, parava tudo. Portugal deu por terminada a Segunda Liga e, com um rigoroso plano sanitário delineado junto da Direção-geral da Saúde, pode regressar e terminar a Primeira Liga. As competições das modalidades ditas amadoras foram canceladas. O futebol juvenil parado. Milhares de crianças e jovens com a vida em suspenso.
Sem jogos, sem público, sem atividade, muitos clubes entraram em lay-off e em crise financeira. Bélgica, França e Países Baixos deram por terminados os seus campeonatos de futebol. Os mesmos seriam retomados nas outras ligas, em junho. Assim, o Europeu de Futebol foi adiado para o ano seguinte, tal como os Jogos Olímpicos.
Com o número de infetados diários a cair, assim como o número de mortos, vários países começaram a delinear planos para o regresso dos seus principais campeonatos. A Alemanha foi o primeiro a regressar, seguido de Portugal. Espanha, Inglaterra e Itália foram atrás.
No novo normal o futebol fechou as portas aos adeptos e deixou apenas 22 homens a correr atrás de uma bola. De casa, no conforto do sofá, dá para ouvir tudo: as instruções dos treinadores, os gritos dos jogadores, as conversas. É como se estivéssemos em campo.
No entanto, impedidos de dar sequência ao ritual de dezenas de anos, os adeptos viram-se forçados a apoiar de forma virtual os seus ídolos. Levantaram-se murais nos estádios, colocaram-se ecrãs gigantes onde os jogadores iam matando as saudades dos adeptos: eles em casa a aplaudir, os outros em campo a marcar golos. Faltava algo. Todos o sentiram. Faltavam os gritos, os abraços, os cânticos, as bancadas a tremer. O ritual dos comes e bebes, antes e depois dos jogos. Faltava vida ao futebol.
No regresso possível, o FC Porto recuperou sete pontos ao Benfica, sagrou-se campeão nacional e venceu a Taça. O Real Madrid, com muita polémica à mistura, partiu para uma série de vitórias seguidas e venceu La Liga Espanhola. A Juventus fez o inevitável que era vencer a Séria A italiana. O Liverpool aproveitou a boa 'almofada' de pontos conseguidos antes da pandemia para sagrar-se campeão inglês, pondo fim a uma seca de 30 anos sem vencer o campeonato inglês.
A UEFA confiou o que restava da Liga dos Campeões a Lisboa e fez bem. A 'final a oito', sem público, realizou-se entre os estádios da Luz e Alvalade e foi um sucesso. Ganhou o Bayern Munique frente ao PSG, já depois de ter atropelado o Barcelona com um impensável 8-2 nos quartos de final. Os bávaros já tinham levantado o 'caneco' na Bundesliga. No futebol feminino foi o Lyon a vencer a Liga dos Campeões.
O que restava da Liga Europa foi jogada na Alemanha, nas mesmas condições da Champions e todos sabem que Liga Europa significa Sevilha. Se os andaluzes estão lá, são eles os vencedores. Primeiro grande título na carreira de Julen Lopetegui. Sexta final, sexta vitória para o Sevilha.
Com pouco descanso, os jogadores voltaram rápido para uma nova época. O mercado de transferências foi agitado, mas sem grandes mexidas. Bruno Fernandes, que já tinha partido em janeiro de 2020, tornou-se 'rei' no Manchester United, onde soma golos e assistências para todos os gostos. No mercado de verão partiram Alex Telles e Danilo no FC Porto, Rúben Dias no Benfica. A Primeira Liga ganhou Felipe Anderson, Otamendi, Verthongen, Everton, Darwin Nuñes, Waldschmidt, viu regressar Quaresma e muitos outros jovens promissores.
O Benfica, em crise, despediu Bruno Lage e foi buscar Jesus, o Salvador. A SAD fez um avultado investimento no plantel para poder entrar na Liga dos Campeões e sagrar-se campeão nacional.Já com Jesus no comando, o clube foi a votos nas eleições mais renhidas dos últimos anos. Luís Filipe Vieira foi reeleito, mas sentiu na pele o descontentamento dos adeptos. No rival FC Porto, Pinto da Costa também teve forte oposição, mas acabou por também ser reeleito para mais um mandato.
Jesus chegou e prometeu colocar a equipa a jogar o triplo, mas, até agora, nada. Os adeptos 'encarnados' já se contentavam com o dobro. A equipa foi afastada nas pré-eliminatórias da Liga dos Campeões pelo vice-campeão grego, perdeu pontos na I Liga e tem o Sporting à sua frente.
Este também foi o ano do fim de um dos mais mediáticos processos ligados ao futebol. O caso da invasão a Academia do Sporting terminou com nove condenações a prisão efetiva, 28 a pena suspensa, quatro multas e três absolvições, entre as quais a de Bruno de Carvalho, antigo presidente leonino.
Em 2020 o tema racismo ganhou novos contornos no futebol. Moussa Marega foi o primeiro a 'dar uma pedrada no charco' ao abandonar um jogo depois de ter sido alvo de insultos racistas por parte de alguns adeptos do Vitória Sport Clube, em fevereiro. Um caso que fez correr muita tinta e colocou o futebol português nas bocas do mundo, pelos piores motivos.
O tema voltou à baila em dezembro, na Liga dos Campeões, no jogo entre o PSG-Istambul Basaksehir, onde o quarto árbitro terá proferido insultos racistas contra um técnico dos turcos. As duas equipas abandonaram o terreno de jogo e o encontro só seria concluído no dia seguinte, já com outra equipa de arbitragem.
Mas nem só de COVID-19 se viveu este 2020
Foi o ano do regresso da Fórmula 1 e do MotoGP ao nosso país e de forma histórica e estrondosa. Portimão testemunhou o voo do Falcão Miguel Oliveira, dono e senhor da pista do Autódromo Internacional do Algarve. Num fim de semana memorável, o piloto de Almada tornou-se no primeiro português a conseguir uma ‘pole position’ de uma prova de MotoGP. Miguel Oliveira alcançou a vitória numa prova dominada do primeiro ao último metro, com um domínio absolutamente avassalador em pista para ser o primeiro português a vencer uma corrida de MotoGP em solo nacional, a sua segunda em MotoGP.
Pouco tempo antes, na mesma pista, Lewis Hamilton tinha escrito mais uma página na história da Fórmula 1 ao vencer o Grande Prémio de Portugal e passar a ser o piloto com mais triunfos na história da modalidade, deixando para trás o recorde de 91 triunfos de Michael Schumacher.
Em 2020 os portugueses redescobriram a paixão pelo ciclismo, graças a um miúdo de 22 anos. João Almeida fez-nos ficar colados aos ecrãs dos televisores durante vários dias, no Giro de Itália. Durante 15 dias, o jovem da Deceuninck-Quick-Step foi dono e senhor da Volta a Itália em bicicleta, carregando a camisola rosa da prova por mais de duas semanas. Viria a ser derrubado pelo Stelvio, na duríssima 18.ª etapa. Terminaria o Giro em quarto lugar, a melhor classificação de sempre de um português na prova e deixaria os portugueses cheios de orgulho. Com ele também brilhou Ruben Guerreiro, o 'comboio' de Pegões, vencedor da classificação da montanha, ele que se tornou no primeiro português a vencer uma das quatro classificações principais de uma grande Volta.
No ténis, Rafael Nadal cimentou a sua liderança em terra batida ao vencer Novak Djokovic e conquistar o 13.º título de Roland Garros, igualando assim o recorde de 20 triunfos do suíço Roger Federer no 'Grand Slam'.
2020 terminou a coroar Robert Lewandowski como Melhor Jogador de 2020, num ano em que o polaco do Bayern Munique venceu a Liga dos Campeões (foi melhor marcador da prova), a Bundesliga entre outros títulos. Cristiano Ronaldo foi o segundo mais votado para Melhor do Mundo nos prémios 'The Best' da FIFA, à frente de Lionel Messi, e voltou a entrar no Onze Ideal do Ano do organismo.