O rebentamento de vários petardos marcou o início da manifestação dos bombeiros sapadores em frente ao Parlamento nesta quarta-feira, que às 12h25 reunia centenas de manifestantes e pelas 15h30 começou a ser desmobilizada.

Alguns dos bombeiros, fardados, subiram a escadaria da Assembleia da República, em Lisboa, sempre acompanhados por agentes da PSP, que fizeram um cordão para os impedir.

O Sindicato Nacional dos Bombeiros Sapadores (SNBS) esperava mais de mil manifestantes, vindos de todo o país, na concentração em São Bento que teve início ao meio-dia, ao som de heavy metal e rock n'roll. “Sapadores em luta” era a frase que se lia nas t-shirts pretas que muitos vestiam.

Pelas 12h25 continuavam a chegar manifestantes que enchiam a Rua de São Bento com latas de fumo cor de laranja e verde e foguetes. Às 12h30 cantaram o hino nacional, depois de terem gritado uma única palavra de ordem: “Sapadores”.

Apesar da ordem policial para descerem a escadaria do Parlamento, os bombeiros continuaram a formar e a libertar fumos de foguetes. Pouco depois, as escadarias da AR ficaram cobertas de fumo negro, enquanto na rua, cortada ao trânsito, uma grua num camião erguia um caixão com um 'bombeiro' morto.

Ao fundo das escadarias, os manifestantes incendiaram vários pneus e queimaram um fato de trabalho dos bombeiros, além de cumprirem um minuto de silêncio em homenagem aos operacionais que morreram nos incêndios de setembro. Pelas 13h chegaram ao local reforços da Unidade Especial de Polícia da PSP.

Num balanço do sucedido, o intendente da PSP Manuel Gonçalves assegurou que estiveram presentes os “meios adequados” para garantir a resposta necessária. “Não creio que tenha havido falhas naquilo que estava previsto em termos de planeamento”, disse aos jornalistas. “A partir do momento em que verificamos que há o risco de a situação poder ficar mais complicada do ponto de vista do controlo da ordem pública, face àquilo que temos previsto para todas as manifestações, colocamos de imediato o Corpo de Intervenção de prevenção”, explicou.

Sapadores protestam na escadaria
Sapadores protestam na escadaria TIAGO MIRANDA

Reivindicações incluem “acertos salariais”

Os sapadores lutam por uma regulamentação do horário de trabalho, pela reforma aos 50 anos e por um regime de avaliação específico, entre outras condições de trabalho.

“Os bombeiros sapadores reivindicam acertos salariais para compensar o aumento da inflação, conforme foi atribuído às demais carreiras da função pública”, disse o presidente do sindicato, Ricardo Cunha, citado num comunicado.

O dirigente lembrou que “existiu um compromisso do anterior Governo” para atribuir a compensação aos bombeiros “com retroatividade a janeiro de 2023, mas, “até à data, tal não aconteceu”.

Ricardo Cunha considerou que os bombeiros sapadores terão “ficado fora desses acertos salariais, por serem uma carreira especial da função pública não revista”.

O SNBS pede ainda “a regulamentação da carreira, onde sejam contemplados os suplementos de risco, penosidade e insalubridade, bem como a disponibilidade permanente, em percentagem e à parte do vencimento”. Também é exigido um horário de trabalho “a nível nacional que garanta a operacionalidade e a segurança dos bombeiros e daqueles que por eles são socorridos”.

“Em Portugal, os bombeiros sapadores não chegam a três mil profissionais [em 25 municípios] e (…) estas medidas não serão um peso para o Orçamento do Estado, porque estamos a falar numa possível despesa anual inferior a 10%, comparativamente com aquilo que o Governo atribuiu às forças de segurança”, sustentou.

Sindicato responsabiliza Governo

“Sei que eles têm razão nos protestos, o que motivou isto foi o senhor secretário de Estado ter marcado uma reunião e, no fim, voltou a dizer que não tinha nada para apresentar. Qualquer pessoa normal devia perceber que não podemos faltar à verdade aos bombeiros… Se já andam revoltados, a probabilidade de isto acontecer era muito elevada. O culpado disto tudo acaba por ser o Governo”, afirmou o presidente do Sindicato Nacional dos Bombeiros Sapadores.

Ricardo Cunha assumiu, em declarações aos jornalistas, que o protesto “foi além do que estava legalizado” e confessou não saber quais possam ser as repercussões para os bombeiros, anunciando que a direção do sindicato vai reunir-se “para perceber o que correu mal”. Durante uma visita a um lar em Lisboa, onde foi questionado sobre estes incidentes, o primeiro-ministro respondeu apenas: “Não é agora a ocasião de falarmos, mas falaremos.”

No Parlamento, o líder parlamentar do PSD defendeu que o Governo tem vindo a dialogar “com várias carreiras da administração pública” e a “corrigir desigualdades sucessivas que se foram acumulando nos últimos oito anos”, mas “não é possível resolver todos os problemas ao mesmo tempo”. “Os bombeiros sabem que estão em negociações com o Governo, que devem ocorrer com recato. Esperamos que possam chegar a bom porto”, declarou Hugo Soares. O social-democrata também criticou André Ventura por, na “ânsia” de captar votos, “cavalgar descontentamentos legítimos” e demonstrar “total ignorância e impreparação”.

O líder do Chega acusou o Governo de se “desresponsabilizar” e de ter falhado “em toda a linha”. Os bombeiros “recebem miseravelmente” e “querem dignidade”, notou André Ventura, considerando que “são tratados como criminosos”. “Estamos ao lado deles. Não vamos desistir até que estes homens e mulheres tenham a carreira que merecem”, garantiu. “Não estão a ser violentos, estão a defender a sua causa, que é nossa também.”

Para o Partido Socialista, o protesto “tem de ser feito em obediência à lei e ao direito” e “algumas fronteiras foram ultrapassadas”, segundo André Rijo. O deputado realçou que o partido recebeu recentemente “duas entidades representativas dos bombeiros sapadores” e está agendada para quinta-feira uma terceira reunião, além de o grupo parlamentar ter já preparado duas iniciativas que irá apresentar no Parlamento, sobre sapadores e voluntários.

A líder parlamentar da Iniciativa Liberal apelou ao diálogo e sublinhou que o Estado “tem de salvaguardar as suas funções primordiais”, como a segurança. “Não pode continuar a gastar milhões em situações como a TAP e a Efacec e depois deixar as funções primordiais completamente ao abandono. Esta é a prova de que estão ao abandono há décadas”, declarou Mariana Leitão. A liberal reconheceu ainda que “foram cometidos alguns excessos” no protesto.

O líder parlamentar do Bloco de Esquerda defendeu que os sapadores “estão carregados de razão”. “Percebemos a sua raiva a indignação. As suas reivindicações são mais do que justas. O mínimo que o Governo pode fazer é tratá-los com dignidade e não o tem feito”, apontou Fabian Figueiredo. “Estamos a preparar um pacote que apresentaremos nos próximos dias na Assembleia da República. Esperamos que de uma vez por todas se resolva este problema”, acrescentou.

Já o deputado Alfredo Maia destacou que “o PCP não chegou hoje a este debate, já tem iniciativas há muito tempo”. O partido “apresentou já dois diplomas que vão ser discutidos de hoje a oito dias em plenário: um relativo ao reconhecimento da profissão como de risco e penosidade especiais e outro relativamente à revisão do estatuto social do bombeiro”, salientou o comunista.

A deputada única do PAN diz-se solidária com as reivindicações “mais do que justas”. “Temos de garantir que estes profissionais veem reconhecido o direito ao subsídio de risco, à profissão de desgaste rápido e à reforma antecipada, mas também à valorização das carreiras”, enumerou Inês Sousa Real.

Também Rui Tavares, deputado do Livre, concorda com uma alteração da idade da reforma, assim como que “o que seja justo para os bombeiros seja feito e também sejam dados sinais de que vai ser feito”.