Está muito em voga falar de jornalismo de investigação e fica a ideia de que ninguém se detém um minuto para pensar no conceito: afinal, o jornalismo não é todo de investigação?

Devia ser, mas a verdade é que a azáfama, a falta de massa crítica nas redações, a voracidade das notícias e as agências de comunicação estão a padronizar o jornalismo. Hoje é tudo muito repetitivo. Por outro lado, é visível e do conhecimento público que os Media em Portugal têm, transversalmente, perdido meios humanos, técnicos e financeiros e isso cria imensos problemas nas redações, nomeadamente, nos recursos necessários para as grandes reportagens e, principalmente, as de jornalismo de investigação. O jornalismo de investigação requer tempo, meios e um espaço que ao longo dos anos foi minguando, quase desaparecendo nas estruturas de gestão dos media.

Por outro lado, veja-se o alinhamento dos telejornais ou os destaques da imprensa são sempre iguais no conteúdo e o que muda é apenas a forma. Na minha opinião, isto empobrece o jornalismo diário que deveria ser sempre e sublinho, sempre, um exercício crítico e, na maior parte das vezes, é apenas um copy-paste.

A investigação é um dos instrumentos básicos da função do jornalista. É isso que dá à notícia a garantia estrutural da veracidade. Não é preciso descobrir o Watergate para fazer investigação, mas é fundamental investigar a informação, fazer a triagem dos factos, enquadrá-la e acrescentar-lhe valor para chegar à verdade.

Quais são os verdadeiros obstáculos ao jornalismo de investigação?

Preocupa-me muito o atual panorama nacional em que o jornalismo de investigação está em crise e a ser ameaçado, porque isso vai contribuir, necessariamente, para o empobrecimento do país e da nossa Democracia. O jornalismo de investigação ameaça alguns, mas protege-nos a todos e, por isso, tem que ser defendido pelas próprias instituições, pelos próprios profissionais e pelo público. Só que o verdadeiro perigo tem vindo de dentro, de alguns que, dirigindo redações, querem manter uma agenda pessoal de influência que, muitas vezes, os verga perante o poder político vivendo em subserviência e isso prejudica muito a liberdade de trabalho de toda a redação e, principalmente, da área de investigação.

Há vários obstáculos preocupantes que impedem o exercício da investigação jornalística e da liberdade de informação. Mas o verdadeiro e mais perigoso ataque ao jornalismo de investigação está a vir do silêncio e da opacidade das instituições. A forma como a Administração Pública está a funcionar é uma ameaça séria e inaceitável ao jornalismo de investigação e uma violação do direito de informar, constitucionalmente protegido. Recusar dados que são públicos, dificultar o acesso à informação e não responder – ou responder apenas em parte – aos emails estão a tornar-se os “pratos do dia” e isso é inqualificável, inexplicável e inaceitável para um sistema Democrático. Algumas Instituições públicas, hoje em dia, instituíram práticas completamente ilegais e irregulares, baseadas na omissão e bloqueio quando a Lei e a Constituição os obrigam ao esclarecimento e transparência. Hoje, querem-nos vencer pelo cansaço, não respondendo ou demorando eternidades a fazê-lo. O que eu agora faço sempre, e aconselho vivamente a que todos o façamos, é apresentar queixa de imediato à CADA e ao Ministério Público e recorrer ao Tribunal Administrativo, pois já chega de assistirmos, constantemente, à gestão danosa, corrupção e fraudes na administração da coisa pública.

O que vem a ser este novo projeto GRI?

O GRi – Grande Reportagem e Investigação – é um projeto inovador que pretende defender o jornalismo de investigação como mais um importante garante do Estado de Direito Democrático. O nosso compromisso é apenas com a verdade e agora, também, com a inovação e tecnologia. Temos a obrigação de nos adaptarmos às novas exigências da sociedade e, por isso, faz todo o sentido apostarmos na inovação e no digital. Vamos investigar tudo e todos, independentemente do preço que tenhamos que pagar, e isto não é um cliché. Todos sentimos as portas a fecharem-se aqui e ali. Todos já assistimos a familiares nossos serem prejudicados, apenas e só, porque nós produzimos a verdade através da notícia ou da investigação. Contudo, eu não desisto de ajudar o País a vencer contra gente que insiste em transformar a sociedade numa manada amestrada perante o seu cajado.

O exercício do jornalismo de investigação é uma necessidade básica da sociedade e da Democracia. Os nossos trabalhos serão publicados quando estiverem prontos e não vamos ceder à ditadura do tempo. O tempo, tal como o pensamento crítico, é um elemento fundamental para o bom jornalismo de investigação. A nossa plataforma vai estar preparada para desktop e mobile. As pessoas podem aceder aos nossos conteúdos em www.Gridigital.pt, sempre que quiserem e onde quiserem, porque hoje todos temos uma televisão no bolso.

Que tipo de conteúdos poderemos encontrar?

Sobretudo, bom jornalismo de investigação. Não descartamos nenhum tema, mas confesso que nos motivam investigações que possam denunciar a corrupção, a disfunção intencional do sistema, a coação, a discriminação, as injustiças e a defesa dos direitos das pessoas que, normalmente, não têm voz. Nós queremos trazer para o grupo Global Media mais investigação e notícias exclusivas e, repito, mais, porque há bons jornalistas de investigação neste grupo com quem vai ser um privilégio poder trabalhar. Aliás, a plataforma GRi está preparada para divulgar as marcas e as notícias exclusivas de todo este grupo de media, tal como os diretores das respetivas marcas também poderão aceder e publicar os conteúdos produzidos pelo GRi. Para mim, a palavra-chave é “sinergia”, porque, juntos, somos mais fortes para fazer a diferença nesta luta pela defesa do bom jornalismo. Juntos, certamente, seremos mais fortes.

A plataforma vai evoluir, estando pensada para ter três fases. Vamos arrancar apenas com a primeira amanhã, dia 19 de abril. Depois, vamos crescer com rubricas para ajudar na consciencialização dos deveres e dos direitos dos portugueses e, por isso, avançámos já com um protocolo com o Portal da Queixa, uma importante plataforma de defesa dos direitos do consumidor, que funciona muito bem e que tem tido uma aceitação e apoio muito relevante na sociedade, com a qual vamos desenvolver soluções e conteúdos muito interessantes num futuro próximo.

A nossa PJ é reconhecida como um excelente órgão de investigação criminal e os próprios criminosos têm noção de que é sempre uma questão de tempo até serem apanhados. Ocorre que a PJ não tem nenhuma obrigação de fazer conferências de imprensas semanais (ou sequer regulares) para anunciar detenções ou sucesso de investigações criminais. Pergunto: a necessidade de publicação periódica (no caso de alguns programas de TV é semanal) de grandes investigações jornalísticas não é inimiga do rigor das mesmas?

O jornalismo de investigação não deve, como já referi, ceder à ditadura do tempo, sob pena de comprometer o seu rigor. A busca da verdade exige persistência, paciência e resiliência, sobretudo num país onde a opacidade da administração pública é um obstáculo diário real em que o estado do segredo impera. Eu dou um exemplo prático e recente. Neste trabalho de investigação do GRi que vamos apresentar amanhã (n.r., 19 de abril)  que denuncia o desvio ilícito de dinheiro das penhoras por parte de alguns agentes de execução, a Comissão para o Acompanhamento dos Auxiliares da Justiça (CAAJ), que é a entidade pública fiscalizadora da atividade destes profissionais e que, por isso mesmo, deveria ser a primeira interessada nesta reportagem e em esclarecer tudo, revelou-se sempre muito indisponível, na pessoa da sua presidente, para deslindar as minhas dúvidas e em libertar informação que é pública. Aliás, ainda hoje continuo à espera da designação de dia e hora para consultar alguns processos disciplinares já findos. As respostas a cada um dos vários emails que enviei duravam semanas a chegar e raramente vinham completas. Como podemos caracterizar este tipo de atuação? Pode uma dirigente pública, paga pelo erário público, pelos impostos de todos nós, agir desta forma em nome do Estado? O que se pretende, efetivamente, com esta  falta de transparência? Presumo que se estivesse tudo bem, a funcionar regularmente, certamente, a atitude não seria esta. Efetivamente, isto atrasa qualquer investigação e é este tipo de dificuldade/opacidade das instituições que o verdadeiro jornalista tem que vencer, mas isso requer muito tempo e resiliência, e eu não desistirei porque este tema que amanhã iremos lançar já tem muito que se lhe diga para desenvolvimentos futuros e, certamente, que os órgãos de investigação criminal não serão indiferentes ao contexto que iremos apresentar. Importa reforçar (reforçar porque já tinha referido isto numa resposta anterior) que, muitas vezes, temos mesmo que recorrer a pareceres, não vinculativos, da CADA e, depois, até mesmo aos tribunais administrativos para que estes “guardiões da informação” libertem documentos e informação pública a que temos direito e de que precisamos para sermos rigorosos e conseguimos chegar à verdade.

Por último, quero de forma muito clara aqui deixar vincado que sou uma defensora da separação de poderes e não me condiciono nem me rejo pelas operações de investigação criminal em curso, nem com elas pretendo concorrer, assim como sei que o inverso também é verdade. Contudo, há algo que nos é comum: ambos queremos investigar, apurar os fatos e as responsabilidades e denunciar quem mancha e prejudica a nossa sociedade. Lamento apenas é que, ainda hoje em dia, a justiça não seja igual para todos no seu acesso. Muitas vezes, ela depende da capacidade financeira de cada um para a ela recorrer e isso é condenável e um obstáculo ao princípio da igualdade constante na nossa Constituição da República Portuguesa.

Desde que abandonou a TV (há cerca de um ano) muita coisa mudou: mudou a direção de informação da TVI, mudou o Governo que agora tem maioria absoluta, mudou a pandemia que parece numa nova e menos perigosa fase, mudou a situação na Europa que se debate com uma guerra na sua geografia. Com tanta mudança, nunca sentiu saudades de as estar a cobrir jornalisticamente e, em particular, em TV?

Muitas. A direção de informação da TVI mudou e ainda bem para ela e para os meus colegas e amigos que continuam lá. Eu só tenho a agradecer à TVI as oportunidades que me deu e garantir que fui muito feliz até chegar alguém com quem nunca conseguiria trabalhar... e, como quem está mal, muda ou muda-se, optei por manter a minha honra e dignidade sem vergar e sem prescindir de princípios que para mim são basilares. Aliás, não fui só eu, foram muitos mais que saíram, porque não admitiram na sua carreira a prepotência, arrogância de mãos dadas com a ignorância. Hoje, a Media Capital tem demonstrado que sabe o que quer e para onde quer ir e os canais da TVI, a par da CNN Portugal, têm o Nuno Santos, que é um profissional com mundo, que já fez muita coisa na área, que tem visão e que garante informação de qualidade.

A guerra da Ucrânia fez-me recordar com muita nostalgia – o termo não é exatamente saudade – o tempo em que fiz a cobertura da guerra da Bósnia, na RTP, e a do Afeganistão, na TVI. Eu encaro o jornalismo não como uma profissão, mas como uma missão. Relatar o que se passa e alcançar a verdade torna-se, para alguns de nós, uma forma de estar na vida. Depois de 32 anos de jornalismo, tenho que perceber e investir em desafios diferentes. Arrancar de raiz com um projeto inovador como o GRi, numa área que não é a minha, com uma equipa onde a Sónia Pinto, enquanto produtora executiva, muito me facilita o dia-a-dia e com jovens licenciados que acabaram de sair da universidade, sem vícios, mas com a fibra necessária para fazer a diferença – como são a Diana Gomes, a Rita Sousa e Silva e a Sofia de Almeida. É uma aventura que me repõe aquele brilhozinho nos olhos e que me faz acreditar no jornalismo.

Uma das mais repetidas críticas que o jornalismo recebe é a de não ter uma cultura de “follow up”: a notícia que hoje está no topo da atualidade desaparece assim que surge outra, ainda que não tenha sido seguida até ao fim. Sente essa crítica como merecida? No caso do GRI o que se pode esperar?

Sim, tenho que aceitar isso como realidade. Acontece sobretudo por culpa da limitação das redações e da voracidade da informação. É impossível aprofundar um tema quando temos três ou quatro notícias para escrever num dia. Eu própria, quando fiz durante 10 anos informação diária na RTP, tinha essa dificuldade, mas o que sempre fiz para combater isso foi sacrificar o meu tempo pessoal para “escavar” algo que entendia valer muito mais do que a espuma dos dias. Foi assim que fiz a minha carreira de mais de 32 anos e é assim que gostava que estas jovens jornalistas em quem apostámos, escolhidas por mim a dedo entre centenas de candidatos, honrassem o jornalismo. Tenho plena convicção que o GRI Digital vai surpreender pela positiva e vai evitar cometer erros do passado. Haja serenidade e sinergias internas, que não tenho dúvidas que o sucesso será garantido, também, para bem da sociedade e do País. Digo-o porque seja o GRI ou outro projeto de jornalismo serão sempre bem-vindos e fator de regozijo para uma sociedade melhor, mais capaz. A Cultura, Educação e Informação continuam a ser as traves-mestras dos Países desenvolvidos. Isto é um fato indesmentível.

Estamos no fim desta entrevista, muito foi dito, e vários balanços foram por si feitos. Diga-me, como sonha o futuro do jornalismo? Que panorama antevê para um melhor e mais capaz jornalismo? Quais os valores e princípios que o devem nortear e como se conseguirá alcançar esses objetivos?

Acredito num jornalismo independente e comprometido apenas com a verdade que honre a liberdade conquistada no 25 de abril. Vejo o jornalismo de investigação cada vez mais apoiado em consórcios internacionais de jornalistas, num jornalismo de colaboração com colegas de outros países e que acompanhe as histórias que têm, cada vez mais, ramificações internacionais. O mundo globalizou-se e só o conseguimos acompanhar se nos globalizarmos de igual modo. Nunca conseguiremos atingir a plenitude dos objetivos se estivermos alheados da informação e investigação global. É em grupo que conseguimos resistir melhor às grandes pressões para ocultar a verdade. Foi isso que fiz quando eu e a equipa que coordenei na TVI investigámos o esquema ilegal de adoções da IURD e nos juntámos a colegas brasileiros e angolanos que permitiram ir mais longe com a investigação do “Segredo dos Deuses”. O crowdfunding também tem tido bons resultados nos Países Baixos, com bom jornalismo patrocinado pelos próprios cidadãos que querem garantir uma imprensa livre. Se cada cidadão pagar um euro por mês, que é sensivelmente o preço de um café, para assegurar bom jornalismo de investigação, ele nunca vai desaparecer nem vai estar ameaçado. Por fim, deposito esperança nos empresários sérios deste país que também estão fartos da corrupção, da lentidão da justiça, das disfunções intencionais das entidades públicas e das incompetências dos serviços do Estado. Sei que, tal como eu, também eles anseiam por bom jornalismo de investigação que possa assegurar o verdadeiro Estado de Direito e ajude a desbloquear aquilo que alguns, poucos, de forma interesseira pretendem manter bloqueado para melhor atingir as suas agendas pessoais, muitas vezes baseadas, apenas e só, em vantagens financeiras indevidas e fraudulentas.

Por outro lado, uma sociedade que funcione com transparência e com uma justiça igualitária e célere é motor do relançamento da economia. Não há em parte alguma do Mundo economias que cresçam de forma sustentável e consolidada que não tenham inerente a esta uma justiça célere e capaz. Há muito que as empresas deviam ter tribunais próprios, com respeito às mesmas leis e Constituição, para que os processos económicos e financeiros que bloqueiam a vida das empresas tivessem uma mais rápida resolução e, assim, reforçava-se o vigor económico das empresas, ficando estas com maior capacidade financeira para investimento, expansão e emprego. Ao mesmo tempo, os próprios cidadãos veriam também a justiça a ser mais célere no que a eles lhes diz respeito, além de que todos ganharíamos com as nossas empresas livres de esperas e condicionamentos judiciais. Justiça igual para todos, maior rapidez nas decisões e uma sociedade mais desenvolvida também pela solidez da economia.