Nasceu duas semanas depois da Rainha Isabel II, numa altura em que a televisão ainda mal tinha sido inventada, mas quando decidiu registar-se no Instagram, David Attenborough demorou apenas quatro horas a juntar um milhão de seguidores.
São milhões de pessoas de várias gerações e nacionalidades que o admiram. Foi ele o responsável por trazer o mundo selvagem para dentro das nossas casas e que nos deu a conhecer os habitats mais extremos, desde o Ártico às profundezas os oceanos.
“Não me imagino a viver de outra forma, sempre tive a paixão por explorar, por ter aventuras e por aprender sobre a natureza selvagem e profunda, tanto agora como quando era miúdo”, conta David Attenborough em A Life On Our Planet, lançado em 2020 pela Netflix.
Cresceu numa casa do campus da Universidade de Leicester, onde o pai era reitor e foi lá que começou a sua coleção de fósseis. Em 1947 formou-se em Ciências Naturais em Cambridge. Esteve dois anos na Marinha, mas as maiores viagens começaram depois de ter entrado para a BBC, em 1952.
Na época, não tinha televisão e só tinha visto um programa na casa dos sogros, mas em 1954, lançou e narrou o Zoo Quest, um programa que esteve no ar durante dez anos e que consistia em capturar animais selvagens para exibir no zoológico de Londres. Na época, a prática era aceite e Attenborough aproveitava o programa para dar a conhecer os animais exóticos e os seus habitats.
Durante décadas foi mesmo este o seu mote e, num tom marcadamente entusiasmado, continua a revelar-nos as maravilhas do planeta. A série The Life Collection, filmada entre 1979 e 2005, conta com oito temporadas e mostra-nos a diversidade da vida natural: dos pássaros, aos mamíferos, dos répteis às plantas, passando pelos animais que vivem em climas gelados ou no desérticos.
Só a temporada Life on Earth (1979) foi vista por 500 milhões de pessoas à volta do mundo. Attenborough filmou 650 espécies em 39 países e percorreu 2,4 milhões de quilómetros.
Acredita-se que seja um dos homens mais viajados do mundo. Só para os dez episódios da temporada The Life of Birds (1998), estima-se que tenha viajado mais de 400 mil quilómetros, ou seja, uma média de uma volta ao mundo para cada episódio.
Em Portugal, estas imagens e histórias fascinantes são-nos contadas há mais de trinta anos pela voz de Eduardo Rêgo, o locutor de A Vida Selvagem, há 29 anos transmitida na SIC. Explica que trabalha as imagens e textos que lhe chegam de Londres “como se se tratasse de filigrana, uma arte cheia de contornos e filamentos”.
Sobre David Attenborough, o português afirma que tem uma estima sem fim e que este “consegue fazer uma liturgia ao planeta e que celebra essa beleza como ninguém”
“É simplesmente incrível poder ter uma pessoa como o David Attenborough no nosso tempo de vida. Ele é um doce, um homem que lida e que percebe a natureza com uma paixão tão grande e que fala com uma sabedoria que vai muito além do conhecimento”, explica ao SAPO na sua voz inconfundível. “Temos conhecimento acumulado como nunca em outro tempo da História mas também corresponde ao maior esvaziamento em termos de sabedoria e ele consegue fazer a união entre estas duas partes”, acrescenta.
Questionado sobre as razões que explicam o sucesso de décadas deste formato televisivo, Eduardo Rêgo afirma que “estes documentários são um refúgio da alma para a natureza, onde tudo está equilibrado e não há conflitos.”
“Nós estamos rodeados de mentira, corrupção, falsidade ou coisas descartáveis, a comunicação é omnipresente e quase sempre negativa. Um documentário da vida selvagem ou da natureza é um autêntico oásis – as pessoas precisam desta serenidade e deste equilíbrio para se manterem à superfície”, acrescenta o português, salientando a sua satisfação ao poder contribuir para transmitir este encantamento e a paixão que também tem.
TV a preto e branco, torneios de ténis a cores e luz verde a Monty Pyton
Ao longo destes 95 anos, o planeta mudou e a forma de fazer televisão também. David Attenborough era diretor da BBC 2 quando introduziu as emissões a cores no Reino Unido na emissão do Torneio de Wimbledon, em 1967, foi também ele que aprovou o Flying Circus, dos Monty Pyton.
Passadas quase sete décadas desde a sua estreia a preto e branco em Zoo Quest, a Netflix lançou no mês passado a minissérie Life in Colour, , sobre a forma como os animais usam a cor, tanto para atraírem parceiros como para se defenderem.
Da Costa Rica à Escócia, além das câmaras de infravermelhos ou térmicas já usadas, por exemplo, em Life in Cold Blood (2008) sobre a vida dos répteis, para Life in Colour, a produção usou câmaras de alta velocidade e outras tecnologias revolucionárias para mostrar como é que os animais visualizam as cores, “um mundo que há muito estava escondido dos nossos olhos", desvenda Attenborough no trailer.
Junta o título de Tesouro Nacional ao de Sir, atribuído pelo Rainha de Inglaterra, e foi a única pessoa no mundo a ganhar os prémios BAFTA com programas a preto e branco, a cores, em HD e 3D.
A somar aos prémios televisivos, o naturalista tem também o seu nome cunhado na Ciência e Attenborough é também nome científico de dez animais, incluindo um dinossauro e uma libélula de Madagáscar.
O ambiente e a biodiversidade como ativismo
O homem que firmou a história da TV com momentos icónicos como momentos com gorilas das montanhas no Ruanda, voltou ao ecrã para nos mostrar o impacto que a humanidade já teve no planeta só ao longo do seu tempo de vida.
Desde que começou a filmar, na década de 50, a população de animais selvagens já passou para metade. A área selvagem está reduzida a 35% do planeta. Em menos de um século, o homem tem posto em perigo um ecossistema que estava em equilíbrio há dez milhões de anos. Estes dados vão sendo lançados ao longo do documentário A Life On Our Planet, um claro grito de alerta e de soluções, que nos chamam a todos para a ação.
Esta série de 2020 começa e termina em Chernobyl, a cidade ucraniana que foi palco do desastre nuclear em 1986. Passados 35 anos, as imagens aéreas mostram-nos um bosque repleto de árvores e animais. Raposas e cavalos caminham entre blocos de prédios abandonados que se vislumbram no meio do muito verde que absorve ao longo dos anos esta cidade.
Do fundo do oceano, vemos recifes cheios de corais coloridos para logo depois os vermos todos brancos, “os seus esqueletos” ou um cemitério da biodiversidade submariana. Num vídeo de perguntas e respostas explica à jovem cantora Billie Eilish, que “se sente devastado pela perda de criaturas, uma visão terrível do que estamos a fazer ao mundo natural.”
“David Attenborough é o único homem no meio de toda esta avalanche de opiniões que gravitam à nossa volta sobre os temas de ambiente e sustentabilidade que merece a estátua maior na praça da nossa consciência ambiental”, afirma convictamente Eduardo Rêgo.
Em 2019, Attenborough apoiou a greve estudantil mundial pelo clima e foi também nesse ano, pelo Skype, que conversou com Greta Thunberg. Numa troca de elogios, a jovem sueca afirma: “Acho que toda a gente lhe está agradecida por assumir a crise climática e ambiental. Espero que saiba a diferença enorme que tem feito e como estamos muito agradecidos por ter dedicado a sua vida a estes temas. É realmente inspirador.”
No mês passado, os dois ambientalistas conheceram-se pessoalmente. Greta pedia dicas para conseguir chegar às gerações mais velhas e David Attenborough dizia com otimismo e paciência que “as pessoas estão a ouvir e que a mensagem tem de chegar ao mundo e aos políticos, para todos perceberem que os interesses próprios são algo do passado e que os interesses comuns são o futuro.”
A Life On Our Planet aponta inúmeros caminhos e soluções para salvarmos o planeta, mas a David Beckham, em resposta a que mensagem deixar às crianças, o naturalista resume: “Tomar conta do mundo selvagem, cuidar dos animais e não desperdiçar nem comida nem eletricidade. Temos de cuidar do mundo natural que é a coisa mais preciosa que temos.”
Vida Selvagem: a versão que junta a paixão de Eduardo Rêgo com a melodia da língua portuguesa
Eduardo Rêgo é muito mais do que apenas a voz portuguesa de BBC Vida Selvagem. Sempre com entusiasmo pelas maravilhas da natureza, explica que é preciso ser um bom contador de histórias para fazer um bom documentário. “Numa sociedade tão palavrosa e pobre de conteúdo, eu encanto-me com as imagens e é possível aproximar as palavras a esse registo e eu tento fazê-lo, levo muitas horas a polir este diamante.”
Explica que tenta superar o mestre, ao limar todas as frases e palavras. Há um trabalho de equipa entre a tradutora, que é sua filha, e um consultor científico, um biólogo com quem trabalha há muitos anos.
Além das imagens que lhe chegam, faz um elogio à língua portuguesa: “A nossa língua é tremendamente melodiosa e rica, temos muitos vocábulos e cada frase tem de ser curta e conceptual, para ser entendida por pessoas mais ou menos cultas e de crianças a idosos.”
“Tento trabalhar tudo isto com o maior carinho possível, tem de ser dito de uma maneira muito apaixonada e bela, criando poesia na prosa, para que consiga a ressonância interior que estou a sentir”, explica.
Tal como Attenborough, também o português é um defensor da biodiversidade e fundou a Loving Planet, uma ONG que une esforços para fazer o alerta para a importância do equilíbrio do planeta.