Icebergs, tempestades tropicais e falhas sísmicas foram alguns dos obstáculos pelos quais a equipa do multimilionário Victor Vescovo passou para recolher informações inéditas sobre o fundo do nosso planeta.
Para tal viagem poder ser feita, muitos desafios técnicos foram superados na construção do Limiting Factor, o submersível de dois lugares capaz de viajar às maiores profundezas dos oceanos. Victor Vescovo e a sua equipa percorreram 87 mil quilómetros à volta do mundo e, em dez meses, visitaram os destroços do Titanic, a fossa das Marianas (no oceano Pacífico) e os locais mais fundos dos outros oceanos, e onde nenhum homem ainda tinha ido: fossa de Molloy (Ártico), a de Porto Rico (Atlântico), a de Java (Índico) e a Sandwich do Sul (Antártico).
Depois de ter subido ao topo do Monte Evereste (8848 metros de altitude) e descido até à fossa das Marianas (10 928 metros de profundidade), conquista hoje o título de ser o único homem que chegou ao sítio mais alto e mais profundo do planeta, ou seja, a pessoa com maior distância vertical percorrida na Terra.
Pertence a um grupo muito restrito de pessoas que escalaram aos picos mais altos dos sete continentes e que ainda foram ao Polo Norte e ao Polo Sul – o Grand Slam dos Exploradores. Diz-nos que nunca se aborreceu na vida e relembra o mar por que Fernão de Magalhães navegou há cinco séculos para falar da inspiração que encontrou nas expedições portuguesas.
Depois de viajar por áreas na Terra menos exploradas do que algumas áreas de Marte, Victor Vescovo fala ainda do fascínio que tem pelo Espaço desde criança e os projetos que se seguem.
Esta expedição mistura aventura com investigação científica e tecnológica. Quais foram os grandes motes para desenvolver esta missão ao fundo dos cinco oceanos?
Quando começamos a preparar esta expedição, em 2018, tínhamos três grandes objetivos: o primeiro era a missão tecnológica de desenvolver um submersível comercial que pudesse descer repetidamente até ao fundo do oceano. Como fomos capazes de o construir, pudemos então levá-lo até aos pontos mais profundos dos cinco oceanos, quatro dos quais nunca tinham sido visitados antes. Assim, de um ponto de vista tecnológico, sentimo-nos muito orgulhosos pelo que conseguimos fazer.
Depois, havia também o mote da aventura. Pessoalmente, queria ir fazer algo que nunca tinha sido feito antes, tal como foi feito séculos antes por todos os grandes exploradores portugueses.
Foi surpreendente que a nossa missão tenha terminado no 500.º aniversário de Fernão de Magalhães, que deu a volta ao mundo. Também levámos o nosso submersível à volta do mundo tal como ele levou o seu navio para fazer exploração, mas desta vez fizemo-lo debaixo das ondas em vez de ser à superfície.
“Acho que há uma simetria maravilhosa entre o que fizemos agora e o que Fernão Magalhães fez há tanto tempo, temos um enorme respeito.”
Finalmente, também queríamos desenvolver alguns aspetos científicos e conseguimos trabalhar em áreas como biologia marinha, geologia e mesmo arqueologia marinha, olhando para destroços que nunca tinham sido vistos antes.
Estes três objetivos combinados tornaram a expedição extremamente rica e as pessoas vão poder ver isso na série Expedition Deep Ocean.
E o que mais o surpreendeu sobre a história das expedições portuguesas?
Devo confessar que me estou a rir porque o que mais me impressionou na exploração portuguesa foi a pura bravura. Eram pessoas que não faziam ideia do que iam encontrar, e dos perigos que corriam com a tecnologia que tinham. A sua bravura era extraordinária. Eu pelo menos tinha mapas de satélite, sabia com o que estava a lidar e penso que o nível de risco que estávamos a correr era muito menor do que o capitão e a tripulação desses navios naquelas explorações. Sentimo-nos muito gratos por terem aberto este caminho e esperamos ficar à altura.
Como foi a preparação para esta grande aventura e os maiores desafios que enfrentaram?
Desde o início da ideia até ao projeto, a construção do submersível, a remodelação do navio de investigação e a instalação de um sonar muito potente para que pudéssemos mapear o fundo do oceano foram precisos quatro anos.
Houve também um trabalho muito grande ao nível da logística, financiamento, autorizações governamentais e de organização da tripulação que funcionou muito bem. Para ser sincero, não tínhamos a certeza do resultado mas tivemos muita sorte por termos sido capazes de juntar todas as peças.
“Houve partes da expedição muito complicadas fisicamente, especialmente no Oceano Antártico, onde tivemos momentos muito difíceis, mas fomos capazes de levar a cabo a missão.”
E porquê explorar o fundo do oceano quando parece que o mundo se tem virado para o espaço?
Penso que o espaço é uma área de exploração muito excitante. Sinto-me atraído pelo espaço desde criança e quando era pequeno queria ser astronauta, mas penso que os oceanos são muito mais subtis. Além disso, acho que os seres humanos têm um medo inato de se afogarem e não é fácil ver o que está lá em baixo. Não se tem as vistas extraordinárias que se obtém ao circular numa nave espacial, mas isso não significa que seja menos importante do que o espaço.
Podia argumentar que o oceano é mais importante para nós explorarmos o espaço exterior porque está diretamente ligado à nossa vida na Terra. Na verdade, é a maior parte do que o planeta é. A maior parte da biomassa do planeta está no oceano e não no espaço. Quando se fala de modelização climática e do impacto da interação humana com o ambiente, o oceano tem muitos segredos ainda por divulgar. O oceano é um lugar mais opaco para explorar, mas penso que é mais importante.
Na sua opinião, quais são os momentos ou descobertas mais fantásticos da exploração?
Primeiro tenho de destacar a conquista tecnológica de que fomos realmente capazes, pelo facto de levar um submersível para o fundo do oceano repetidamente e de forma fiável.
É uma tecnologia completamente nova e ficámos extremamente felizes pelo facto de termos conseguido criar esta tecnologia.
Depois, as descobertas que fizemos. E uma é provavelmente a criatura mais invulgar que vimos e que se encontrava na fossa de Java, ao largo da costa da Indonésia – era uma nova forma de esguicho-do-mar que nunca ninguém tinha visto antes.
“Quando viu o vídeo do que encontrámos, o cientista responsável disse: ‘Não faço ideia do que isso seja.’ E eu sinto-me muito orgulhoso por estar nesses momentos em que se pode mostrar uma descoberta à comunidade global”
Acha que a expedição pode ter algum impacto no combate às alterações climáticas?
Não tenho a certeza, mas sei que estamos a recolher uma enorme quantidade de dados. Temos a capacidade única de amostrar toda a coluna de água em todos os oceanos profundos, o que nunca tinha sido feito antes. E fizemos tudo isso em apenas um ano.
Em termos de investigação básica, estamos muito satisfeitos por termos sido capazes de fornecer à comunidade científica dados que poderão utilizar para, assim o esperamos, refinar e aperfeiçoar os modelos climáticos que nos ajudarão a compreender o impacto do oceano sobre o clima em geral.
“Esperemos que seja útil para potenciais mudanças no nosso comportamento, a fim de tornar o mundo melhor.”
Já conhece o topo e o fundo do planeta como ninguém jamais conheceu. Agora, o que se segue nos seus planos?
Acho que nunca me aborreci na minha vida. Por isso, tenho três coisas em mente: adoraria ir para o espaço, mas continuo as expedições de investigação marinha e quero continuar no futuro a mergulhar nas profundezas do oceano que nunca foram visitadas por humanos antes.
No meu outro tempo livre, estou a treinar para continuar a escalar montanhas e estou ansioso por uma grande expedição de alpinismo neste outono. Por isso, estou a manter-me ocupado e a tentar continuar a ultrapassar os limites da exploração e das minhas próprias capacidades. Penso que é o que qualquer pessoa quereria fazer se pudesse.