As principais questões sobre a guerra entre Israel e o Hamas:

  1. O que é o Hamas e qual a diferença para a Fatah?
  2. Porque é que a Palestina tem dois territórios e nunca foi um Estado independente?
  3. O que são os colonatos?
  4. O que é o sionismo?
  5. Qual o papel dos Estados Unidos?
  6. Quais os principais pontos de tensão entre Israel e Palestina?
  7. Porque é que as tentativas de paz não funcionaram?
  8. Como é a relação de Israel com os países árabes vizinhos?
  9. Qual a origem do Hezbollah e qual a relação com o Irão?
  10. Quais os motivos do ataque do Hamas a Israel, a 6 de outubro?
  11. Porque é que este território é considerado a Terra Santa para várias religiões?
  12. Porquê construir Israel nesta região?
  13. Israel tem armas nucleares? Isso deve preocupar-nos?
  14. Que consequências é que este conflito pode ter para Portugal?
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gaza créditos: AFP or licensors

1. O que é o Hamas e porque é considerado um grupo terrorista? E a Fatah como funciona?

É considerado um grupo terrorista porque usa práticas não convencionais contra quem considera inimigo. Contudo, é também visto no terreno por muitos palestinianos como um grupo que providencia cuidados de saúde, de educação e por isso ganhou as eleições de 2006. Este grupo surge em 1987 na Primeira Intifada – os confrontos e ações de resistência que ocorreram entre 1987 e 1993, contra a ocupação de Israel dos territórios palestinianos.

Embora tenha sido criado em 1987, é o herdeiro da Irmandade Muçulmana, criada no Egito, nos anos 1920. Alguns membros acabaram por se espalhar nos países vizinhos e fundaram a Irmandade da Palestina. O Hamas surge com alguns elementos desse grupo. Hamas é o acrónimo em árabe de Movimento de Resistência Islâmica. Na carta constitutiva do Hamas, o artigo 11.º refere que a Palestina é um Waqf, ou seja, um domínio muçulmano e não pode ser alienado e pelo qual é necessário lutar e preservar nas mãos muçulmanas.

A Fatah é mais moderada e representa internacionalmente a Autoridade Nacional da Palestina. O seu líder Mahmoud Abbas tem estado em reuniões com os principais líderes ocidentais. A Fatah reconhece a existência do Estado de Israel e pede a retirada deste dos territórios ocupados em 1967, depois da Guerra dos Seis Dias.

O Hamas controla a Faixa de Gaza, a Fatah a Cisjordânia. Há pouco diálogo e entendimento entre as duas fações palestinianas

2. A Palestina tem dois territórios e nunca foi considerada um Estado independente. Porquê?

Mandato Britânico na Palestina

Os britânicos ocuparam a Palestina durante 28 anos (1920-1948) após o fim da I Guerra Mundial e do colapso do Império Otomano. Esta região era importante para o comércio marítimo do Império Britânico. O mandato terminou em 1948 aquando da criação de Israel.

Havia um projeto da ONU, em 1947, que previa a criação de dois Estados independentes, mas esse plano nunca saiu do papel. Os britânicos saíram da zona da Palestina (um território muito maior do que é atualmente) a 13 de maio de 1948. Um dia depois, Israel declarou unilateralmente a independência e pouco a pouco foi estendendo o seu território.

Os palestinianos ficaram circunscritos à Faixa de Gaza, junto ao Egito; e à Cisjordânia, junto à Jordânia.

3. O que são os colonatos e que impacto têm no território palestiniano?

Os colonatos são pequenas aglomerações de habitações israelitas que foram construídas nos territórios palestinianos. Algumas fações israelitas, sobretudo de extrema-direita, consideram que aquele território é Israel, a Terra Prometida. Alguns grupos, como o Gush Emunim, financiam e patrocinam a construção destes colonatos com o objetivo de construir The Great Land of Israel – um território com a área do que são os territórios israelitas e palestinianos juntos – mesmo que isso seja feito à custa dos direitos que os palestinianos já foram adquirindo.

A comunidade internacional critica os colonatos e considera que são direitos dos palestinianos que não estão a ser cumpridos.

Portugal insta Israel a
Portugal insta Israel a Uma visão geral de alguns colonatos na Cisjordânia créditos: Agencia Lusa

4. O que é o sionismo?

O sionismo é um movimento que tem como objetivo criar um Estado para o povo judeu. Esta ideologia surge na Europa no final do século XIX. Sionismo deriva de Sião, uma referência a Jerusalém, uma cidade sagrada para a religião judaica (e também para a cristã e islâmica). Com base nesse movimento, Israel é criado em 1948 nesta região.

5. Qual é o papel dos EUA e porque é que estiveram sempre tão envolvidos?

É preciso relembrar o peso que a comunidade judaica tem na economia americana e por isso os EUA sempre estiveram muito envolvidos neste conflito.

Nixon e Jimmy Carter foram os mediadores dos acordos de Camp David em 1979. Bill Clinton foi o presidente que esteve mais vezes na região e acabou por estar nos Acordos de Oslo. Obama talvez tenha estado um pouco mais distante de Israel em relação aos seus antecessores. Trump voltou a aproximar-se até porque mudou a embaixada dos EUA de Tel Aviv para Jerusalém, para marcar a capital israelita.

US President Trump in Israel.
US President Trump in Israel. Donald Trump no Muro das Lamentações, o local de oração mais sagrado do Judaísmo, na Cidade Velha de Jerusalém, em 2017 créditos: RONEN ZVULUN / POOL

O atual presidente, Joe Biden, tem tido alguma cautela na sua abordagem, mas sem descurar o apoio dos EUA a Israel.

6. Quais os principais pontos de tensão entre Israel e Palestina?

Há a questão religiosa mas não é apenas isso que está em causa. Há a questão da gestão dos recursos do território. É um território muito árido e quem tiver acesso, sobretudo à água, acaba por conseguir controlar as condições adversas que a natureza lhe dá.

A água foi também motivo de disputa de Israel com a Jordânia por causa do Rio Jordão.

7.  Porque é que as tentativas de paz falharam?

Acordos de Paz

Os Acordos de Camp David foram assinados em 1978 entre Israel e o Egito, mediados pelos EUA. Esses acordos levaram à retirada israelita do Sinai.

Os Acordos de Oslo, assinados em 1993, entre Israel e a Palestina, estabeleciam um processo de paz e autonomia palestiniana, com o objetivo de alcançar uma solução de dois Estados. Em 1994, o primeiro-ministro israelita Yitzhak Rabin, o ministro das relações externas Shimon Peres e Yasser Arafat, presidente da Organização para a Libertação da Palestina, ganharam o Nobel da Paz.

Os acordos acabaram por nunca se concretizar. Uma das consequências dos Acordos de Oslo foi o assassinato de Yitzhak Rabin, primeiro-ministro de Israel, por um judeu ultra-ortodoxo, que considerava o acordo como concessões que estavam a ser feitas aos palestinianos.

Em 2003, foi tentado por George W. Bush o Roteiro para a Paz, e o plano seria concretizá-la até 2013. Deste roteiro faziam parte os EUA, Rússia, União Europeia e ONU e o objetivo seria a construção de dois Estados.

Acordos de Oslo
Acordos de Oslo Yasser Arafat, Shimon Peres e Yitzhak Rabin na entrega do Prémio Nobel da Paz

Houve várias tentativas de paz por parte da Arábia Saudita: na década de 1970 apoiou a resolução na ONU para a retirada dos territórios ocupados por Israel; em 1990 esteve presente nas negociações que levaram aos Acordos de Oslo e em 2002, apresentou, na Conferência de Barcelona, a Iniciativa de Paz Árabe em que era proposto o reconhecimento árabe de Israel em troca da retirada dos territórios ocupados e a criação de um estado palestino.

As tentativas de paz para o conflito, tanto por parte do lado ocidental como árabe, nunca saíram do papel.

8. No dia seguinte à declaração da criação do Estado de Israel, o território foi atacado pelos cinco vizinhos (Egito, Jordânia, Líbano, Síria e Iraque). Como é a relação com estes países?

Com a Jordânia e o Egito as relações estão apaziguadas. O Egito adota um papel de mediador do conflito. Acredita-se que não está a deixar passar refugiados para pressionar as partes e a comunidade internacional a tomarem medidas de resolução do conflito. É improvável que Israel se sente à mesa com o Hamas, mas pode vir a dialogar com a Autoridade Palestiniana.

As relações de Israel com o Líbano também não são fáceis, principalmente pela presença do Hezbollah, que é o outro ator não estatal e que é visto como um partido político xiita. Há uma parte da população que considera que esta organização tem um cariz social, de cuidados de saúde, educação e é considerado por alguns países, como pelos EUA, como uma organização terrorista.

Supporters of Hezbollah protest in solidarity with Palestinians in Beirut
Supporters of Hezbollah protest in solidarity with Palestinians in Beirut Apoiantes do Hezbollah no Líbano em apoio à Palestina créditos: Lusa

9. Qual a origem do Hezbollah e qual a relação com o Irão?

O grupo foi criado no Irão na década de 1970, depois da Revolução Islâmica. O aiatolá Ruhollah Khomeini, líder iraniano, tentou espalhar os ideais da revolução além-fronteiras, nomeadamente para o Líbano e para o Iraque. No Líbano, o Hezbollah continua a ser apoiado pelo Irão com o objetivo de afirmar os valores xiitas no Médio Oriente.

No início dos anos 1980, o grupo instalou-se no sul do país em Beirute. Este grupo tem um representante, de forma independente, no parlamento libanês e não reconhece a existência de Israel, considera-o ocupante da Palestina e uma ameaça aos interesses árabes na região, o que adensa as tensões entre o Líbano e Israel.

No Iraque, Saddam Hussein não permitiu o avanço desta corrente xiita. Saddam era sunita e queria manter a independência do país em relação ao Irão, principalmente depois de uma guerra sangrenta de oito anos (1980-1988) entre o Iraque e o Irão. A maioria da população iraquiana é xiita e após a queda de Saddam em 2003 existiram alguns acordos e pontes com Israel, contudo é uma relação ainda com muitas tensões e desafios. O Irão continua a ter o desejo, de há muitos séculos, de construir um corredor xiita que abarque o Iraque e a Síria e que permita ter acesso ao mar Mediterrâneo.

Na Síria, o Irão continua a apoiar o regime xiita do presidente Bashar al-Assad da Síria, apesar de o país ter uma maioria sunita.

Este desejo é a tentativa de concretizar o que os Nizaris, também conhecidos como os Assassinos, tentaram fazer na época das Cuzadas, entre o século XI e o século XIII.

10. Quais os motivos do ataque do Hamas a Israel, a 6 de outubro?

Dia do Perdão

A Guerra do Yom Kippur, em 1973, começou a 6 de outubro, há exatamente 50 anos após o ataque do Hamas a Israel.  Em 1973, o Egito e a Síria lançaram ataques contra Israel para tentar recuperar os territórios ocupados na Guerra de Seis Dias, em 1967.

A guerra começou também no Dia do Yom Kippur, considerado o Dia do Perdão no calendário judaico. Israel resistiu aos ataques, com o apoio dos EUA. Esta guerra adensou o conflito israelo-palestiniano e as tensões nas regiões vizinhas.

Há o contexto histórico de um conflito que dura há décadas e a questão do Dia do Perdão. Mas há outras leituras: o genro do presidente Trump, Jared Kushner, começou por liderar, em 2020, os Acordos de Paz de Abraão, para o restabelecimento das relações diplomáticas entre Israel e alguns países como Marrocos, Emirados Árabes Unidos, Bhareim e Sudão. Estava na calha que estes acordos se estendessem à Arábia Saudita – um dos principais pivôs do Médio Oriente –, governada por uma monarquia sunita. Havendo um acordo entre a Arábia Saudita e Israel, o Irão ficaria ainda mais isolado. É possível que tenha havido algum instigar do Irão neste ataque para poder adiar estes acordos ou pelo menos causar alguma instabilidade.

Neste xadrez de complexas relações internacionais, militares, religiosas e económicas, é importante relembrar o papel da China. A China tem relações económicas fortes com o Irão e uma participação considerável na Saudi Aramco, a petrolífera saudita. Em 2016, conseguiu levar ao diálogo a Arábia Saudita e o Irão.

11. Porque é que este território é considerado a Terra Santa para várias religiões?

Foi nesta região que nasceram as três religiões monoteístas. O judaísmo, depois o cristianismo, e mais tarde, o islamismo. Jerusalém é vista como a cidade santa para as três religiões. Na mesma cidade, temos as três religiões juntas. Já foi alvo de disputa entre cristãos e muçulmanos, com as Cruzadas, e agora é alvo de disputa entre judeus e muçulmanos.

Milhares celebram a Páscoa Judaica em Jerusalém, a 22 de abril de 2019
Milhares celebram a Páscoa Judaica em Jerusalém, a 22 de abril de 2019 Thomas Coex / AFP créditos: AFP or licensors

12. Porquê construir Israel nesta região?

A ideia de construir o Estado de Israel já vem muito de trás, do século XIX, pelo menos. Há quem pense que foi por causa do Holocausto mas foi muito antes. Já em 1917, o primeiro-ministro britânico Balfour assinou a declaração – a Declaração Balfour –, dirigida ao Lord Rothschild, que na altura era o presidente da União Sionista Internacional, em que compromete o Reino Unido a ajudar na construção de um lar nacional para os judeus, na Palestina.

Depois, no período entre guerras, houve migrações de judeus de vários países europeus e os governos locais a promoveram a saída de judeus. O governo polaco foi um dos que mais patrocinou a saída de judeus do seu país para a Terra Santa, a tal Terra Prometida.

Depois da Segunda Guerra Mundial, houve um intensificação da migração para a Palestina, mas desde o século XIX que a Organização Sionista Internacional defende o regresso de todos os judeus à Terra Santa – com alguns governos europeus a ajudarem nesta migração.

Há ainda a crença de que as 12 tribos de Israel vão reunir-se na Terra Santa, uma profecia religiosa que entende que os descendentes das 12 crianças de Jacob (também chamado Israel) retornarão a esta região. Para alguns judeus, a criação do Estado de Israel em 1948 e a migração em massa para esta região é vista como a concretização parcial dessa profecia.

13. Israel tem armas nucleares? Isso deve preocupar-nos?

Os efeitos de uma arma nuclear não são circunscritos a poucos metros, podemos estar a falar de muitos quilómetros. Israel pode ter armamento nuclear, mas está geograficamente muito próximo da Faixa de Gaza para usar esse tipo de armamento.

14. Que consequências é que este conflito pode ter para Portugal?

Há o receio de que aconteça também em Portugal o que já aconteceu em França e na Bélgica, com elementos radicais a realizar ataques isolados como forma de retaliação.

A nível económico o impacto será mínimo – a não ser que haja um embargo petrolífero por parte dos países árabes, como em 1973, que originou uma crise energética, política e económica no Ocidente.