A 21 de outubro de 1520, Fernão de Magalhães e a sua frota chegavam ao extremo sul da América do Sul, atravessando o estreito que até hoje mantém o seu nome, o Estreito de Magalhães. Um marco importante no conhecimento do globo, e uma das maiores proezas da navegação. Afinal, a terra não era fechada até ao Polo Sul, e era possível navegar entre o Oceano Atlântico e o Oceano Pacífico.
Entre 1505 e 1512, Fernão de Magalhães havia feito a primeira metade da sua viagem em torno da Terra, estendendo o braço direito para Oriente. O braço esquerdo foi lançado para Ocidente entre 1519 e 1521, tornando-o assim no primeiro homem a realizar a viagem de circum-navegação do planeta. A sua motivação? Uma profunda convicção, mas certezas não tinha nenhumas.
Estamos a celebrar os 500 anos da descoberta do Estreito de Magalhães, pelo navegador português Fernão de Magalhães. Quais foram as suas principais descobertas que trouxeram novidades ao mundo na altura e o seu legado para a humanidade?
Um dos factos de maior relevância quando encaramos a história de Fernão de Magalhães consiste em reconhecer a realidade de ter sido o maior descobridor de todos os tempos. Com efeito ele teve o grande mérito da conceção e execução da parte mais notável, original e difícil da maior viagem de descobrimento que foi feita na História e ele planeou e chefiou entre 1519 e 1521.
Durante a sua realização Magalhães revelou vastíssimas regiões do planeta até aí desconhecidas dos europeus bastando dizer que só à sua conta ele descobriu 20 000 km, isto é, metade da circunferência da esfera terrestre. Com efeito tal é a distância por ele descoberta medida no Equador entre as longitudes de terras a sul do Rio da Prata, e a ilha de Cebu nas Filipinas.
Esta realidade resultou, pois, do facto de Magalhães ter descoberto os seguintes espaços começando pela parte meridional do continente americano a sul do Rio da Prata até chegar ao estreito de Magalhães, o qual lhe permitia a navegação entre o Oceano Atlântico e o Oceano Pacífico. De seguida ele descobriu a parte sul da costa do Chile até cerca de 32º S. e depois toda a extensão do Oceano Pacífico até descobrir as Filipinas.
Considerando todas as viagens realizadas por Magalhães entre 1505 e 1521 verificamos que ele foi o primeiro homem a conseguir navegar integralmente todos os oceanos sendo por isso que percecionou experimentalmente o facto de eles banharem os continentes permitindo assim ligá-los entre si por uma via marítima, o que ele fez ao concluir de forma indireta a sua viagem à volta do mundo em 1521.
Conte-nos o que de mais impressionante descobriu sobre Fernão de Magalhães.
O mais importante foi tão simplesmente verificar que ele foi o maior descobridor de todos os tempos, pelas razões já aduzidas. Além disso também constatei factos sobre os quais havia algumas dúvidas como sejam os de que Magalhães era natural do Porto; em 1512, ele foi um dos participantes no descobrimento das Molucas feito a partir de Malaca; entre 1516 e 1517 ele concebeu em Lisboa o seu projeto de ir às Molucas por Ocidente e que além dele na sua armada houve mais trinta e três portugueses entre os duzentos e trinta e sete tripulantes da armada que saíram de Espanha, entre os quais havia participantes de nove países europeus.
Como era Fernão Magalhães em termos de personalidade? Como era visto?
Tendo em conta os estudos que fiz sobre Magalhães caraterizo a sua personalidade com as seguintes palavras: ambicioso, astuto, audaz, autoritário, combativo, confiante em si mesmo, corajoso, determinado, hábil, irritadiço, justiceiro, lutador, otimista, persistente, perspicaz, resiliente, tenaz, valente, vingativo e voluntarista.
Magalhães era visto como um especialista em Náutica, Astronomia, Geografia, Cartografia, Meteorologia e Matemática; curioso em conhecer novas terras e novas gentes; solidário com amigos e subordinados; duro com rivais e opositores; de opiniões firmes e frontais; sem medo; com espírito crítico; intransigente na defesa das suas opiniões, mas por vezes conciliador; interessado por economia e empenhado na obtenção de lucros com empréstimos e negócios de especiarias; resistente à fome, à sede e à doença; sedento de honrarias e muito cioso de pontos de honra; muito religioso e proselitista da fé católica; respeitador dos nativos que encontrou, a não ser em situações extremas; fiel aos senhores que nele confiavam; calculista, mas também por vezes ingénuo e com excesso de confiança.
Diz que ele fez a mais significativa viagem dos Descobrimentos. Pela circum-navegação ou pela dureza e duração da mesma?
Pelas duas razões sendo que a dureza e duração da viagem foram a forma de ter conseguido o que interessa mais e permite caraterizar a sua viagem como a mais significativa dos Descobrimentos, pois foi ela que permitiu tão somente um facto grandioso como foi o de ter permitido conhecer a Terra tal como ela é.
A descoberta do Estreito de Magalhães foi um grande feito. Porque ele tinha tanta certeza que unia os dois oceanos, que indicações tinha para este ‘palpite’? E a passagem mais a sul não era uma hipótese ou nunca tinham navegado até lá?
Para Magalhães era determinante para a concretização do seu projeto o conhecimento da América e a convicção de ser capaz de a ultrapassar e assim concretizar o sonho de chegar à Ásia rumando a Ocidente. Para sustentar essa sua intensão, contudo, ele tinha apenas a sua crença que, tal como no sul de África havia uma ligação entre o Oceano Atlântico e o Oceano Índico, a qual passava pelo cabo da Boa Esperança e permitia chegar ao Oriente, também teria de haver no sul da América, a uma latitude idêntica um outro cabo que permitisse a esperança de poder estabelecer uma relação entre o Oceano Atlântico e o Oceano Pacífico para assim conseguir atingir a Ásia por Ocidente. Ele limitava-se a acreditar que em Punta del Este (34° 58’ Sul), no Uruguai, onde se inicia a foz do Rio da Prata havia um denominado cabo de Santa Maria de bõ deseo no qual seria possível encontrar um passagem para o Pacífico e de seguida partir para as Molucas. O que afinal acabou por não ser possível tendo sido obrigado a ir muito mais para sul até chegar ao Estreito de Magalhães em Punta Dangeresse (52° 23’ Sul), que ele não tinha ideia onde ficava estando mesmo disposto a ir até aos 75º Sul.
Ao equacionarmos o papel da América na primeira volta ao mundo feita por Magalhães só a descoberta da ligação que nela havia para poder chegar ao Pacífico interessava pelo que não se colocou a questão de ir mais a sul do que o estreito que ele descobriu.
Entre o Estreito e a chegada às Filipinas, em março de 1521, passaram quase 4 meses. Uma verdadeira ousadia esta navegação no desconhecido. O que se sabe desta enorme viagem? Como sobreviveram, quais as maiores provações por que tiveram de passar?
Magalhães ao empreender a primeira travessia do Oceano Pacífico realizou um dos feitos mais audaciosos da História, pois ousou enfrentar um imenso mar desconhecido ao deixar a costa do Chile por altura de Valparaíso, feito que realizou sem problemas atmosféricos, pelo que denominou de Pacífico a esse novo e imenso oceano.
A maior dificuldade com que então os tripulantes se confrontaram foi a de terem de comer alimentos muito racionados e degradados, além de padecer de escorbuto.
Há a realçar a circunstância de que, enquanto os tripulantes da armada aguardavam o regresso da nau Victoria, que Magalhães mandara regressar à entrada do Estreito de Magalhães para ver se encontravam a nau Santo Antonio que havia fugido, comeram então e armazenar em vinagre uma espécie de aipo selvagem que era rico em vitamina C, tendo propriedades antiescorbúticas. Tal facto contribuiu para que, na extensa travessia do Oceano Pacífico, tivesse havido relativamente poucos casos fatais de escorbuto, doença que, embora afetasse ainda muitos homens, era responsável por dizimar as tripulações dos navios em viagens longas, devido à falta de vitaminas e alimentos frescos
A 6 de março de 1521, Magalhães descobriu as Ilhas dos Ladrões (Guam, nas Mariana) e aa 16 de março, chegou finalmente às Filipinas a 16 de março de 1520.
Este troço foi feito sem saberem o que iriam encontrar? Não havia a certeza de que dariam a volta ao planeta e que a viagem poderia ‘não ter fim’?
Magalhães ordenou uma corajosa e audaciosa investida, em mar aberto e desconhecido, para oeste-noroeste. Para tal realização, estava ciente de que arriscava enfrentar um espaço que calculava ser muito extenso. Com efeito, tal expectativa deduz-se pelas medições que havia feito e se podem observar no planisfério feito por Jorge e Pedro Reinel em 1519, de acordo com as suas ideias. Poder-se-á admitir que Magalhães teria alimentado a esperança de descobrir ilhas nesse vasto lugar incógnito, nas quais faria escalas para reabastecimento, mas infelizmente tal não aconteceu, apesar de haver numerosas ilhas no Pacífico pois não foram avistadas.
Ainda assim o oceano foi por ele nomeado Pacífico. Que outros nomes por ele atribuídos subsistem até hoje?
Podemos dizer que foram apenas dois que se situam na Argentina: Puerto de San Julián e Rio de Santa Cruz. Com efeito das outras terras por ele descobertas verificamos que o Estreito de Magalhães foi por ele chamado Canal de Todos os Santos enquanto as Filipinas foram chamadas ilhas de São Lázaro.
Como foi visto na altura este feito de circum-navegação?
A conclusão da viagem realizada por iniciativa de Magalhães suscitou a maior admiração na Europa onde teve um impacto surpreendente no âmbito da cultura do Renascimento, ao ter-se logrado revelar de forma integral e experimental a dimensão do mundo.
Deixar Magalhães finalizar a circum-navegação ao serviço de Castela foi um dos nossos maiores erros históricos?
Foi apenas um erro de estratégia na opção de um caminho por oeste que não interessava a Portugal e não deu resultado na obtenção de vantagens a partir da viagem realizada, pois esta não voltou a obter sucesso na chegada às Molucas, pois só muito mais tarde foi possível regressar das Filipinas à América Central.
Como ele não completou a circum-navegação ao serviço de Portugal e convenceu o rei de Espanha a investir nesta aventura?
Quando, a 2 de março de 1518, Magalhães se apresentou em Valhadolid perante o futuro imperador Carlos V, levava um planisfério de Pedro Reinel que o convenceu das vantagens que teria em aprovar-lhe o ambicioso projeto que lhe vinha propor de rumar a ocidente para assim chegar às Molucas ricas em cravinho, especiaria que defendia pertencer-lhe de acordo com o que havia sido aprovado pelo Tratado de Tordesilhas.
E tudo porque não recebeu mais dinheiro de D. Manuel como pediu? O que esteve em causa?
Ao procurar compreender as circunstâncias em que Magalhães concebeu o plano que lhe veio a permitir um feito tão grandioso como foi o de conseguir percecionar experimentalmente e pela primeira vez a forma da Terra ao voltar perto das Molucas por uma via ocidental contrária à via oriental que antes fizera, verificamos que ele resultou não apenas do estímulo do seu amigo Francisco Serrão mas também de ter sido envolvido em intrigas palacianas que marcavam a corte de D. Manuel, as quais afetaram a sua imagem junto do rei, apesar de ter sido ilibado das acusações de que fora alvo em Azamor.
Tendo concluído que o rei não lhe permitia voltar às Molucas nem lhe aumentava em 100 reais a sua moradia (salário) mensal Magalhães decidiu apresentar em Castela um empreendimento que lhe pudesse permitir alcançar a fama, a riqueza e o poder.
Na génese do projeto de Magalhães há que ter a noção de que não terá sido apenas a falta do aumento da sua moradia a constituir o fator decisivo na base da sua rotura com D. Manuel, pois ela terá mais a ver com a recusa do rei em autorizar que fizesse uma viagem às Molucas pela via portuguesa. Tal facto constituiu por certo o fator mais importante que o levou a decidir partir para Castela e daí ir às Molucas por ocidente.
Como o navegador foi visto em Portugal na época?
O grande mérito da capacidade de realização de Magalhães ao fazer a sua viagem sempre lhe foi reconhecido em Portugal desde o século XVI. Luís de Camões traduziu tal realidade quando escreveu em Os Lusíadas: “O Magalhães, no feito, com verdade, / Português, porém, não na lealdade”. Contudo, só a partir do século XIX é que ele perdeu o cunho de traidor que lhe havia sido dado pelas autoridades no tempo de D. Manuel e de D. João III, bem como da maior parte dos cronistas portugueses. Desde meados do século XIX Magalhães passou mesmo a ser considerado um herói devido ao feito que realizara.
Ele fez a circum-navegação, mas o propósito da viagem não foi atingido, que era provar que as Molucas estariam no hemisfério espanhol, definido pelo Tratado de Tordesilhas. O que isto significou e no que resultou?
Magalhães ao chegar às Filipinas foi informado pelas medidas das longitudes dessas ilhas obtidas por Andrés de San Martin e registadas por Francisco Albo que estavam situadas a 189º a ocidente da linha de demarcação determinada pelo Tratado de Tordesilhas, a qual passava a 47º 28’ O, a oriente da zona de Belém do Pará no Brasil. Por tal motivo, aquelas ilhas acabadas de descobrir já estavam integradas no hemisfério pertencente a Portugal, o que terá levado ao desânimo do capitão-mor da armada.
No seu novo livro questiona se Fernão de Magalhães foi um herói, um traidor ou um mito. A que conclusão chegou?
Que foi as três coisas. De facto o mais importante salientar é que foi um herói pois realizou a viagem de descobrimento mais longa e difícil de todos os tempos e descobriu metade da Terra. Contudo, não deixou de ser traidor a D. Manuel I, que era o seu rei “natural”, como então se dizia, porque foi contra os seus interesses, embora não lhe fosse proibido servir um rei estrangeiro desde que não prejudicasse Portugal. Finalmente Magalhães tornou-se um verdeiro mito por ter sido o primeiro homem a ter dado uma volta à terra permitindo assim conhecer como ela era na realidade. Ele transformou-se assim no mito do primeiro homem a iniciar a globalização.
Que mensagem quer deixar com esta sua obra?
O propósito que nos motivou a escrever esta obra passou pelo empenho em promover uma reflexão que revela com precisão como Magalhães foi uma figura fundamental na História da Humanidade ao tornar-se um símbolo admirável do início do pleno conhecimento da Terra e da força de vontade dos homens em conseguirem alcançar grandes desígnios.
A expressão da valorização do legado de Magalhães e de todos os seus companheiros centra-se tão simplesmente no facto admirável de terem sido eles que permitiram acabar de conhecer a Terra. É por isso que bem gostaríamos que um facto tão notável fosse universalmente conhecido nem que mais não fosse através de uma frase tão singela como poderia ser a seguinte: Foi graças aos Descobrimentos feitos por portugueses e espanhóis que a Terra acabou por ficar conhecida. Tais ações culminaram na grande viagem em que se deu a primeira volta ao mundo, a qual foi realizada por Fernão de Magalhães.