Nos 100 dias de novo governo, é na Agricultura que se vê a mais flagrante mudança de atitude de um setor relativamente à sua tutela. Depois da ministra acusada de fazer bullying aos agricultores e que, pela primeira vez na história, ficou fora da lista de convidados para a Ovibeja, José Manuel Fernandes é elogiado num "balanço positivo pela dinâmica e vontade" reconhecidas ao ministro da Agricultura e Pescas de "tudo fazer pela agricultura portuguesa e pela melhoria da qualidade de vida dos agricultores". "Atrevemo-nos a apelidar José Manuel Fernandes como 'o ministro dos Agricultores'", frisam mesmo os responsáveis.
Considerado, nos seus tempos de Parlamento Europeu, o quarto eurodeputado mais influente dos 705 eleitos para Estrasburgo, num ranking elaborado pela BCW EU Influence Index, José Manuel Fernandes trará, acreditam, melhorias e um desenvolvimento há demasiado tempo adiado ao setor.
A Associação dos Jovens Agricultores Portugueses (APAJ) relata a "vontade que a nova tutela tem demonstrado em ouvir os agricultores e estar ao lado do setor", nomeadamente com a "presença intensa" na Ovibeja, no final de abril, e na Feira Nacional de Agricultura de Santarém, demonstrando "enorme vontade de governar" e dando um "sinal claro de que a Agricultura e o Desenvolvimento Rural são importantes e estratégicos para este governo". Mas há ainda muito trabalho pela frente, alerta o setor, apontando a necessidade de atrair mais jovens à agricultura, de investir na modernização e de reverter a "decisão errada e ruinosa" de extinção das Direções Regionais.
Ainda que se congratule pelo anúncio da linha de crédito de 200 milhões com juro 0% para apoiar os jovens agricultores e investidores nos primeiros cinco anos de atividade, "bem como a intenção de aumentar o prémio para a instalação e até aumentar o apoio percentual ao investimento", medidas capazes de trazer atratividade ao setor, a associação lembra "Portugal é o país da Europa com o setor agrícola mais envelhecido", com uma idade média de 64 anos (só Chipre está pior) e que é preciso um esforço ainda maior para reverter essa tendência, que inevitavelmente trará mais desertificação ao Interior, desequilíbrios sociais e carências económicas. E isso passa pela modernização da agricultura, tornando-a "mais inteligente, mais digital, de maior precisão e inovadora, capaz de mitigar os efeitos das alterações climáticas, mais sustentável e geradora de mais valor".
"Nesse sentido, defendemos a isenção total ou, no mínimo, a diminuição de pelo menos 50% das contribuições para a Segurança Social, bem como a isenção de IRS/IRC (conforme a situação) dos subsídios ao investimento e, nos subsídios à exploração, até que o jovem agricultor complete 40 anos." Quanto à utilização mais eficiente da água e de forma a salvar olival, vinha e amendoal portugueses, alertam ainda para a necessidade de rever o Plano Nacional de Regadio. "Em Portugal, apenas retemos 20% da água que cai no território — menos de um terço da capacidade de retenção comparativamente com Espanha — pelo que se torna imperativo melhorar o armazenamento existente", seja eliminando perdas nas condutas e barragens seja pela "construção de mais quatro a cinco novas barragens com dimensão considerável, estrategicamente localizadas para aumentar diretamente a área de regadio".
Os agricultores pedem ainda a simplificação e agilização de processos para abertura de furos, charcas ou minibarragens nos municípios e "sobretudo na Agência Portuguesa do Ambiente (APA)", bem como uma revisão dos sistemas de seguros agrícolas que adapte a proteção aos atuais desafios decorrentes das alterações climáticas. "As rentabilidades geradas hoje numa agricultura extremamente competitiva, não permitem que se paguem seguros com taxas de 25% e 28% sobre o capital. Torna-se completamente incomportável se tivermos em consideração os preços na produção. Por outro lado, as Seguradoras queixam-se da sua rentabilidade e da ausência de resseguro, que a nível internacional, é caro. Assim, muitas vezes, quando surgem dois anos consecutivos de prejuízos, estas empresas acabam por abandonar o mercado. O Estado tem aqui um papel determinante não só na regulamentação e legislação, como também nos apoios e fundamentalmente na manutenção do resseguro estatal, dando mais conforto e confiança às seguradoras e garantindo aos agricultores a continuidade na proteção das suas culturas."
Também no que respeita aos territórios rurais crescentemente abandonados a AJAP considera que há trabalho importante a fazer — priorizando desde logo a recuperação das Direções Regionais da Agricultura, relegadas para as CCDR no mandato da anterior ministra, "um erro grave que tem de ser corrigido" e que "fragiliza a importância estratégica do setor na economia nacional e diminui a proximidade e o diálogo do Ministério da Agricultura e dos seus organismos centrais (GPP, DGADR, PDR/PEPAC, IFAP) com os agricultores em todo o país".
"A revitalização dos territórios rurais passa pelo rejuvenescimento das atividades existentes (agricultura e outras) e pelo surgimento de novas atividades associadas à tecnologia e à digitalização, por isso é urgente encontrar novas sinergias e incentivos, melhorar e agrupar apoios existentes, bem como sensibilizar as diferentes áreas da governação para enfrentar o desafio do rejuvenescimento, revitalização, reconversão e inovação dos sistemas produtivos, valorização dos produtos e procura de novos clientes, apostando nos valores da sustentabilidade, na valorização dos recursos, na promoção da segurança alimentar e segurança dos alimentos, na salvaguarda da saúde pública, do bem-estar animal e da biodiversidade", vincam os representantes dos jovens agricultores. E nesse sentido pedem que se dê gás à figura do Jovem Empresário Rural (criado oficialmente pelo Decreto-Lei n.º 9/2019, de 18 de janeiro e Portaria n.º 143/2019, de 14 de maio), "que promove o empreendedorismo no mundo rural e que pretende instalar e fixar jovens nestas zonas, em iniciativas empresariais, ideias de negócio e startups associadas a vários setores da atividade económica".
Considerando que os jovens agricultores são "imprescindíveis no desenvolvimento dos territórios e decisivos para combater a desertificação de muitas regiões", os responsáveis pedem ao ministro que continue a dar respostas rápidas às suas necessidades.