Que impacto a pandemia está a ter no setor em Portugal? Quais os maiores obstáculos que os produtores estão a enfrentar?
O setor da joalharia portuguesa vinha a registar uma década de grande crescimento e expansão internacional. Segundo um estudo realizado pela Deloitte Portugal, para a AORP, o setor de joalharia e relojoaria registou um crescimento de 17% do volume de negócios, entre 2015 e 2018 e as exportações um aumento de 23% entre 2015 e 2019, alcançando a marca dos 208 milhões de euros no final do ano passado.
Tínhamos grandes ambições para 2020, com uma agenda de eventos internacionais, paralelos ao calendário de feiras e que nos iriam permitir alcançar novos públicos (B2B e B2C) dentro de cada mercado. Infelizmente, a pandemia obrigou-nos a repensar os negócios e a estratégia de abordagem internacional, encontrando novos caminhos e novas oportunidades nos canais digitais, mas que não substituem os eventos presenciais que queremos voltar a potenciar assim que estiverem reunidas as condições de segurança.
A pandemia COVID-19 está a levar a uma reestruturação dos modelos de negócio. O que este setor está a fazer para enfrentar este ou outros tempos conturbados?
O impacto da pandemia no mundo dos negócios é inegável e irreversível. É claro que o contexto traz desafios e oportunidades, talvez em igual proporção, o que obriga as empresas a uma adaptação obrigatória e rápida. É o velho princípio de Darwin: a sobrevivência não do mais forte, mas do que se souber adaptar. Há todo um mundo novo, a nível de migração digital que está em marcha e que acelerou o caminho que vínhamos a fazer em anos, talvez um salto de uma década. E esta acelerada transição traz também desafios a nível de competitividade e assertividade dos investimentos. A AORP está muito atenta às novas tendências e temos criado formatos – seja de partilha de informação, seja plataformas coletivas de promoção, para apoiar as empresas neste processo.
A AORP lança a campanha ‘Together We Stand’, que diz que todos juntos vencerão. É a união a fazer a força?
O nosso lema é que “estamos todos ligados no problema e por isso temos que estar todos juntos na solução”. A recuperação passa sem dúvida pela partilha, pelas sinergias e pelo contributo de todos – e aqui incluo os vários setores da moda (têxtil, vestuário e calçado), associações setoriais, empresas, retalho, consumidor. É uma verdadeira cadeia de valor. E a AORP quer ser uma das forças motrizes deste novo paradigma, criando redes coletivas de informação e de suporte, que permitam às empresas partilhar conhecimento, boas práticas e estratégias.
A campanha “Together We Stand” surge neste contexto. Pela primeira vez, a campanha é protagonizada pelas empresas, pelos empresários que dentro da sua individualidade partilham todos a mesma missão: promover e afirmar a joalharia portuguesa no mundo.
Vídeo da campanha
E como se consegue unificar um setor feito de diversidade, com oficinas tradicionais, indústria inovadora e formas de estar no mercado?
A ideia da campanha era representar toda a cadeia de valor, da indústria ao retalho, mas também essa diversidade que caracteriza o setor, das empresas mais tradicionais, que preservam as técnicas ancestrais da joalharia portuguesa ao design contemporâneo. Queremos que as empresas vejam nessa diversidade, a complementaridade necessária para se tornarem mais fortes, robustos e, consequentemente, mais imunes a estas flutuações de mercado que, como vimos, podem ser absolutamente devastadoras e inesperadas.
Qual a importância de se associarem à moda e ao calçado portugueses, como estão a fazer?
Há muito que a AORP se tem aliado à fileira da moda portuguesa, em ações coletivas de promoção nacional e internacional. Somos todos parte de um ecossistema que atravessa os mesmos desafios e partilha das mesmas estratégias. Por isso, faz todo o sentido que nos aliemos nessa afirmação global da marca Portugal.
Vão investir três milhões de euros, entre 2020 e 2021, em ações de promoção internacional. O que já está a ser delineado?
Estamos naturalmente a fazer ajustes ao nosso projeto de internacionalização, adaptado às novas contingências e estando muito atentos à evolução das dinâmicas do mercado global. Ainda há um clima de muita incerteza e indecisão e por isso temos de esperar e avaliar com calma os próximos passos.
Para já, o projeto que podemos divulgar é o lançamento da nova plataforma “portuguesejewellery.pt”, uma montra digital para as joias portuguesas, que abrange tanto os negócios B2B como B2C.
A joalharia portuguesa vai precisamente ter este portal conjunto. É uma montra e uma forma de contrariar a ausência de feiras e exposições dos produtos? Quais a vossas expectativas em relação a este portal?
Há um “admirável mundo novo” para as joias portuguesas. Nos últimos três anos, o registo de marcas com licença para comércio online aumentou exponencialmente, representando um somatório de mais 611 novos operadores. Percebendo este contexto de migração digital e o seu enorme potencial para o negócio e internacionalização das marcas, a AORP decidiu criar uma plataforma coletiva de promoção internacional das marcas portuguesas, com venda online, complementando ou – dado o atual contexto – colmatando a promoção através de eventos e feiras internacionais. Assim, pretendemos que esta seja uma montra de joalharia com alcance global, que sirva para promover o setor português, mas que também funcione como uma incubadora de estratégias digitais.
O que vai disponibilizar e quando vai ficar online?
Esta vai ser uma montra representativa da energia e diversidade criativa que caracteriza o setor, fortemente apoiada e alavancada pelas campanhas e ações de comunicação da AORP. A associação fará um trabalho intensivo de divulgação do website, juntos dos mercados-alvo, seja através de campanhas coletivas de promoção, campanhas segmentadas (microtargetting) e showrooms (eventos físicos). A plataforma servirá também de canal de comunicação com os media nacionais e internacionais e, para além disso, com a chancela da AORP, o consumidor sentirá maior confiança e segurança na abordagem às marcas, funcionando como “selo de garantia” institucional. A par disto, o portal servirá também de barómetro de consumo, permitindo recolher informação relevante sobre o comprador online e ajustar as estratégias ao seu perfil, comportamento e tendências de consumo. Prevemos o lançamento da plataforma até ao final do ano.
A joalharia e relojoaria registaram um crescimento de 17% do volume de negócios, entre 2015 e 2018. Que trabalho foi feito para se conseguir este crescimento assinalável?
A AORP tem apoiado a presença de marcas portuguesas em feiras e eventos internacionais, com o importante suporte do COMPETE 2020, através dos projetos conjuntos de internacionalização. O último projeto (2019-2020), denominado “Roadmap internacional da Joalharia Portuguesa (2019-2020)” abrangeu 30 ações e compreendeu um incentivo às empresas de cerca de 2 milhões de euros.
É um caminho de continuidade que nos permite hoje que a marca “Portuguese Jewellery” seja reconhecida e elogiada nos quatro continentes. Os índices de exportação podem ser ainda reduzidos, mas este é um percurso recente, que se iniciou de forma sólida, há apenas 10 anos e alcançou um reconhecimento notável. A marca Portugal impôs-se, tanto no segmento B2C como B2B, o que revela um enorme potencial de expansão e nos obriga a encontrar novos caminhos e soluções para fazer face ao contexto pós-pandémico.
Quanto a exportações, elas registaram um aumento de 23% entre 2015 e 2019. Que percentagem as exportações representam atualmente para o setor?
As exportações representam cerca de 20% do volume de negócios global do setor (1000 milhões de euros).
A AORP considera, no entanto, que as taxas de exportação continuam muito abaixo de mercados como Espanha, França ou Itália. Porque isto acontece? Quais os obstáculos à internacionalização?
No estudo que a AORP fez em parceria com a Deloitte, foram analisados os modelos de certificação aplicáveis em Espanha, França e Itália, tendo-se concluído que se trata de modelos mais liberalizados face ao português. Assim, verifica-se concorrência entre entidades certificadoras (públicas e privadas), impactando positivamente a eficiência do processo e resultando na disponibilização de serviços complementares. Este método de certificação poderá ser precisamente um dos fatores pelos quais as taxas de exportação são tão mais elevadas do que as de Portugal.
Para além deste fator, acresce o facto de haver um reduzido investimento público na promoção do setor, um reduzido conhecimento dos mercados internacionais, de ferramentas e tecnologias por parte dos empresários do setor e uma falta de colaboração entre empresas desta indústria que constituem obstáculos relevantes à sua internacionalização.
Ainda assim as empresas portuguesas estão aptas a competir a nível global?
Sem dúvida. Se, no período pré-pandémico, as empresas portuguesas já tinham o know how que lhes permite manusear materiais de alta qualidade, mão de obra qualificada e um equilíbrio eficaz entre os processos tradicionais de produção e as mais atualizadas técnicas de design e manufatura, num curto espaço de tempo, souberam adaptar-se às exigências impostas pela pandemia e, nalguns casos, passar até para o nível seguinte. Agora, o setor de joalharia portuguesa já tem uma maior e mais forte representação no mundo digital, servindo-se do comércio online para competir a nível global. O mercado nacional encontra-se muito bem explorado, mas o potencial exportador é enorme. Nós temos a inovação e as capacidades a nível tecnológico e criativo, ou seja, temos tudo para vencer lá fora.
E como a joalharia a relojoaria portuguesas são vistas lá fora?
Acreditamos que Portugal é cada vez mais visto como um país produtor de excelência, que alia a qualidade da produção ao design contemporâneo. Uma produção de pequena escala, mas diferenciada. As nossas tradições, as artes, a manufatura, são inigualáveis e o que nos torna verdadeiramente únicos.
Na sua perspetiva quais os maiores valores da joalharia e da relojoaria portuguesas?
A joalharia e relojoaria portuguesas são um legado, um testemunho da passagem do tempo e da ligação entre gerações. Por isso mesmo, penso que os seus maiores valores são a eternidade e intemporalidade, ao recuperarmos as técnicas e desenhos tradicionais, que atravessam o espaço temporal. Com uma tradição centenária, a joalharia portuguesa sabe igualmente renovar-se pelo design e inovação, que preservam a arte artesanal, mas acrescentam novas abordagens criativas e ambição internacional.
A filigrana é talvez a mais conhecida técnica portuguesa. Representa a bandeira portuguesa nesta área?
A filigrana ocupa, sem dúvida, um papel muito importante na promoção internacional da joalharia portuguesa. Foi porventura a primeira grande bandeira da joalharia portuguesa no mundo. Recordemos o momento em que a Sharon Stone foi fotografada com um colar com um Coração de Viana. Foi um momento de grande afirmação e reconhecimento para dentro e fora do país. Foi aliás, um momento importante num trajeto que também temos trabalhado: o orgulho na produção nacional. Felizmente, hoje em dia a joalharia portuguesa é cada vez mais valorizada no mercado nacional, sobretudo a nível da técnica e do design, características intangíveis que agora são mais valorizadas.
Olhando para o futuro, quais as vossas expectativas para 2021? Parece existir uma grande margem de expansão quando tudo isto passar.
A margem de progresso e de crescimento é imensa. Há muito para fazer e a renovação geracional, com a chegada das segundas e terceiras gerações, vem trazer uma nova visão e energia aos negócios. Acreditamos que, em 2021, o setor estará mais unido do que nunca e, assim, mais forte e coeso. “Together We Stand” é a nossa margem de expansão e a solução para recuperarmos a trajetória positiva que vínhamos a registar.