A amêijoa mais indicada para o Bulhão Pato vai ser produzida em larga escala ao largo da costa de Alvor, no Algarve. As duas espécies autóctones europeias, a V. corrugata (ameijoa macha) e a R. decussatus (amêijoa boa), que estão em declínio e ameaçadas por espécies exóticas, vão ser produzidas naquele que é o primeiro viveiro de amêijoas em mar aberto do mundo e que acaba de ser instalado a cinco quilómetros da costa de Alvor, num perímetro com 100 hectares sinalizado nas cartas marítimas e por boias de aviso.
O projeto pertence à Oceano Fresco, que já explora a produção de semente de amêijoa na Nazaré, e quer ser uma referência mundial a vários níveis. «Tradicionalmente, o cultivo de amêijoa é feito exclusivamente em rias e estuários onde as amêijoas vivem nos areais e em zonas muitas vezes só parcialmente submersas o que se traduz numa produtividade baixa ligado as taxas de mortalidade elevada. O nosso viveiro em mar aberto, o primeiro no mundo para amêijoas, é um método novo e inovador com grandes vantagens. Primeiro, a amêijoa está muito bem alimentada, por estar sempre submersa acaba por ter uma alimentação mais disponível e constante de plâncton. Segundo, a amêijoa está mais saudável por estar em mar aberto e com águas de grande qualidade como no barlavento algarvio, o que permite uma redução significativa dos fatores de risco que estão por detrás da mortalidade da amêijoa. Terceiro, permite uma certa industrialização de processo que se traduz em fornecimento de amêijoas com mais previsibilidade, produtividade e qualidade», explica Bernardo Carvalho, fundador e CEO da Oceano Fresco.
Com capacidade para produzir 600 toneladas de amêijoas por ano, as primeiras 150 toneladas vão chegar ao mercado em 2021. A empresa prepara-se assim para ser também responsável pelo crescimento de uma indústria avaliada em 20 mil milhões de euros. «Esta é uma empresa com muita ambição e com um forte carácter de exportação, primeiro focada em Espanha e depois no resto de Europa e noutros mercados mundiais. Nós arrancaremos em 2021 com cerca de 150 toneladas/ano e devemos chegar a cerca de 500 toneladas/ano nos anos seguintes. Graças ao nosso método de cultivo temos uma grande capacidade de escalabilidade e como tal, poderemos aumentar ainda mais a nossa capacidade futura», assinala Bernardo Carvalho.
Veja imagens do viveiro
O ciclo completo no cultivo tradicional das amêijoas é tipicamente de 24-30 meses da desova até chegarem a um tamanho comercial de 30-40mm. A empresa acredita que com o seu método consegue encurtar este ciclo até 18 meses porque integram a criação em ambiente protegido na maternidade na Nazaré seguida depois de um período de crescimento em viveiro em alto mar. O objetivo é que em nada se distingam das amêijoas selvagens. «Nós ambicionamos cultivar amêijoas em tudo semelhantes às amêijoas que se apanham livremente em termos de qualidade devido ao nosso método de seleção biológico e de reprodução e crescimento natural. Adicionalmente, pensamos que vamos conseguir ter um muito maior controlo de produção vs. cultivo tradicional, o que nos vai permitir ter uma oferta com volume durante o ano inteiro e com agilidade e flexibilidade em contraste com as imprevisibilidades do cultivo tradicional. Queremos produzir sementes para o cultivo tradicional do sector e ameijoas de tamanho comercial para o consumo final, inclusive nos tamanhos maiores tipicamente em escassez no mercado».
Ter o Centro Biomarinho na Nazaré a produzir as sementes de amêijoas para serem cultivadas no viveiro do Algarve permite à empresa ter o controlo total do ciclo de produção. Ao viveiro, no Algarve, cabe completar o ciclo de cultivo biológico: após a desova, e na fase de incubação, as amêijoas precisam crescer até ao tamanho adulto, altura em que podem ser apanhadas para alimento, promovendo a sustentabilidade, a qualidade e segurança para o consumidor final. Por tudo isto, «a nossa ambição é criar um viveiro de grande excelência mundial, com um nível de exigência técnico e cientifico muito alto e que se torne numa referência mundial do que Portugal pode conseguir fazer e, como tal, que passe a ser uma referência mundial para o setor da aquicultura ou, como agora se diz, o setor de ‘aquatech’», ressalta o empresário.
Produção autóctone e sustentável
O viveiro vai albergar o cultivo de duas espécies autóctones europeias, amplamente reconhecidas em Portugal e em Espanha como as melhores espécies de amêijoas e as mais adequadas para pratos de eleição ibéricos, devido às suas características organolépticas superiores e um alto teor de carne quando comparado às espécies exóticas invasoras, como por exemplo a R. philippinarum (amêijoa Japónica).
Os ecossistemas formados nos viveiros têm funções essenciais para o desenvolvimento dos bivalves como alimento, água potável, ar puro e abrigo. Protegem a exploração de catástrofes naturais, pragas e doenças e ajudam ainda a regular o clima. Assim, para além da aposta no que é autóctone, segundo a empresa, o viveiro terá a capacidade de capturar anualmente 99,4 toneladas de CO2 por ano, com base na sua produção anual estimada de 600 toneladas de amêijoas, contribuindo para a melhoria do ambiente. Cultivar de forma sustentável no mar, em vez de apenas pescar, irá restabelecer a biodiversidade e os stocks marinhos.
Servir um mercado em amplo crescimento que cada vez mais procura proteína alterativa à carne é outra das metas sustentáveis. Uma vez que, segundo a ONU, nos próximos 50 anos a procura por proteína vai duplicar, a empresa vê o cultivo de amêijoas como uma das alternativas nesta procura de proteína nos alimentos, pois apresenta um menor impacto ambiental que pode aliviar a pressão sobre as terras agrícolas, não utiliza químicos nem rações artificiais e tem uma função filtrante, combatendo a poluição aquática enquanto capturam CO2 na formação das conchas. «As amêijoas são animais que têm uma alimentação 100% natural, essencialmente filtrando a água e comendo plâncton. É preciso salientar que os bivalves são espécies na base da cadeia alimentar e como tal com um impacto ambiental muito positivo quando comparado com alternativas como outras espécies de animais no topo da cadeira alimentar, como por exemplo a carne de vaca», ressalta Bernardo Carvalho.
Investimento na economia do mar
O viveiro tem um investimento total de 3.1 milhões de euros, dos quais 1.5 milhões de euros foram assegurados pelo Programa MAR2020 e 800 mil euros pelo capital próprio da empresa e o restante através da GoParity, a primeira plataforma portuguesa de acesso a investimento de impacto, com base num dos 17 Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas. Além disso, em abril passado, a Oceano Fresco anunciou o fecho de um reforço de 3,8 milhões de euros da BlueCrow Capital, a gestora dos fundos de capital de risco BlueCrow Innovation Funds que investem em projetos industriais de I&D nacional a operar nas áreas da bioeconomia e em tecnologias de produção inovadoras, os quais totalizam um investimento agregado em cerca de €7.2m para as construções do Centro Biomarinho na Nazaré e do viveiro da Oceano Fresco..
Na primeira metade de 2020, a Oceano Fresco recorreu ainda à GoParity para o financiamento de 150 mil euros, valor que foi utilizado para encomendar estruturas de base como blocos de betão, correntes e boias, materiais necessários para a construção do viveiro para exploração de aquacultura de bivalves na costa de Lagos.
Depois do investimento inicial, a Oceano Fresco volta agora angariar mais 75 mil euros euros, o montante necessário para a compra de equipamento para instalação e operação do viveiro. A campanha está aberta à participação de todos, a partir dos 20€, e prevê um retorno na ordem dos 5,5% para o investidor.
A Oceano Fresco já montou uma equipa de peritos mundiais, gestores, cientistas, criadores de viveiros internacionais e técnicos especialistas da indústria, e espera alcançar um volume de negócios de 9 milhões de euros em menos de três anos e atingir os 250 milhões de euros em sete anos. A empresa considera que tem um projeto que, centrado na economia do mar, é estratégico para Portugal. «O que nos distingue é termos uma base científica e de inovação muito forte e um forte investimento em infraestruturas de excelência, o que nos permite como empreendedores pensar a longo prazo e criar valor acrescentado desde o arranque. Na prática, isto acaba por se traduzir na criação de emprego muito qualificado (cientistas, técnicos, etc.), no impacto real e positivo nas comunidades locais, especificamente no barlavento Algarvio e na Nazaré, e claro no impacto positivo para a economia e exportações portuguesa, dado o caracter de internacionalização da empresa», finaliza Bernardo Carvalho.