Pegar na mochila e viajar sozinha pelo sudeste asiático era, no final de 2019, um plano ousado, mas relativamente comum para alguns jovens ocidentais. A portuense Inês Luz fez também a mochila com o objetivo de passar seis/sete meses fora. Em novembro de 2019, aterrou na Tailândia, com a ideia de passar pelo Camboja, Vietname e Laos e a liberdade de traçar uma viagem ao ritmo da espontaneidade dos momentos e dos acasos dos encontros.
Da Tailândia seguiu para o Camboja. Em Koh Rong, aceitou prontamente o convite para ficar a trabalhar durante dois meses num festival de música, com uma equipa de vinte pessoas. “Comecei a perceber que alguma coisa se passava na altura do Ano Novo chinês, no final de janeiro de 2020”, conta ao SAPO.
“Chegou à ilha um barco com muitos turistas chineses, a polícia começou a dar máscaras às pessoas e a dizer que se não as pusessem podiam morrer. Eu não estava a perceber nada.”
Foi a partir deste episódio que Inês se começou a informar e a ficar mais atenta. Mesmo assim, o festival aconteceu em fevereiro e juntou 400/500 pessoas.
“Depois de terminar o festival, fiquei ainda uns dias por lá e decidi continuar a minha viagem. Não percebi mesmo a dimensão da situação”, recorda Inês.
Os relatos de outros amigos em viagem e o fecho de algumas fronteiras ou de restrição de entrada a algumas nacionalidades começaram a preocupá-la e a procurar novas rotas para se poder movimentar.
Pensou em seguir para o Vietname, mas a tentativa de um amigo italiano que acabou borrifado com spray desinfetante e com o passaporte no chão e do lado de lá da fronteira dissuadiu-a. Em vez disso, apanhou um autocarro para o Laos.
“Entrei no Laos no dia 13 de março. Nessa altura, fecharam logo algumas fronteiras terrestres. Depois, no final do mês fecharam o país todo. Até agora.”
Confinados em liberdade
Ao contrário do que é habitual, Inês não foi recebida no Laos com a tão conhecida hospitalidade deste país. Os estrangeiros eram sinónimo de possíveis transmissores do vírus e isso era demonstrado no dia a dia. “Tentava entrar numa loja para comprar uma água ou o que fosse e mandavam-me embora. Na altura também não tinha ainda máscara, mas também não a conseguia comprar."
Com esta hostilidade à chegada, Inês resolveu refugiar-se em Don Det, uma ilha no rio Mekong. É onde vive até hoje e onde já fez alguns amigos estrangeiros e locais.
“Os turistas que estão cá, estão há um ano, porque ninguém pode entrar no país. Eu sei que não estou a viver este momento como na Europa, aqui está tudo bem. Nós não podemos sair do país, mas aqui dentro somos livres”, conta Inês.
Desde que a pandemia começou houve dois voos de repatriamento para Portugal. O primeiro em maio – “eu estava ainda a meio na minha viagem, não ia pagar 1200/1500 euros por um voo, as coisas iam resolver-se” – e o segundo em junho – “isto vai abrir e encontro um voo a um preço acessível para Banguecoque e continuo a viagem”. Mas não foi possível. E passado quase um ano continua a não ser possível.
“Não tinha noção da repercussão que pandemia ia ter.”
Durante este tempo, Inês chegou a fazer voluntariado numa quinta de búfalos asiáticos e criou relações com outros turistas e com famílias locais. Passou o Natal e a Passagem de Ano também por lá, foi a um casamento de um amigo e mais recentemente celebrou os seus 30 anos, em fevereiro deste ano, numa festa surpresa organizada pelos seus amigos.
Há outras pessoas na mesma situação que Inês: “Somos uns 15 que estamos por cá”, referindo-se a outros turistas que acabaram por ficar por aquele país. Há pessoas nesta situação mais indefinida, em que se vai usufruindo enquanto se espera pela reabertura de fronteiras, e outros que ali estão já intencionalmente, evitando os períodos de confinamento e as restrições que se vivem na Europa.
“É um privilégio. Sinto-me uma sortuda por estar neste sítio neste momento.”
Desde o início da pandemia foram reportados 49 casos positivos no Laos e nenhuma morte. Foi o último país da Ásia a reportar casos de COVID-19. Aconteceu no dia 24 de março de 2020. No dia 29, foi anunciado um lockdown total a começar no dia seguinte. Todas as fronteiras terrestres foram também fechadas. Em maio, muitas restrições foram levantadas e onde Inês vive mal se sente a presença da pandemia no quotidiano.
Antes desta inesperada odisseia, Inês trabalhava na Dinamarca como gerente de um hotel. Entretanto, com a pandemia não consegue voltar e sem o turismo no Laos também não consegue arranjar trabalho na Ásia.
Com a situação pandémica a arrastar-se, a sua capacidade financeira foi ficando comprometida e neste momento tem sido o pai a ajudar. “Sou independente deste os 16 anos, eu sei que o meu pai me pode ajudar, mas stressa-me muito esta situação. Preciso de voltar para trabalhar”, conta.
Recentemente, o governo laosiano renovou a proibição de voos internacionais até ao dia 31 de março. Cruzar fronteiras é apenas possível apenas em caso de emergência ou repatriamento.
“Um amigo fez-me um contrato para trabalhar numa smoking house [casas típicas dinamarquesas para a produção de peixe fumado] e estou a resolver papeladas e burocracias para conseguir apanhar um voo dia 8 de abril, mas como não vou para Portugal, é tudo mais complicado”, desabafa, ainda sem certeza que será esta a sua data de regresso à Europa.
O Douro, o Mekong e o Mar do Norte
O destino na Dinamarca é a ilha de Samso, no Mar do Norte. “É um sítio pequeno e autónomo, já trabalhei lá durante três anos. Os dinamarqueses também não vão poder viajar para a Ásia ou América do Sul, do Norte, e imagino que vá também ser um ano forte para o turismo, como até foi no verão passado”, explica.
Quando chegar ao destino, esperam-na 14 dias de quarentena, mas depois conta poder circular com alguma liberdade. Este é um conceito que se repete ao longo da conversa e, com alguma emoção, desabafa: “Eu viajo desde os 19 anos, é muito difícil aceitar isto. Infelizmente acredito que a nossa liberdade acabou por algum tempo.”
Inês cresceu perto do Douro, “entre barcos”, na Cantareira – a antiga zona portuária da cidade do Porto. E desta vez, no seu regresso à Europa, traça um plano B, para não ser apanhada pelos efeitos secundários da COVID-19.
“Se isto continuar assim, vou tentar comprar um barco, tento juntar uns amigos e viajar nem que seja por ali perto de Samso ou pelo mar. É a minha solução. Não quero ficar presa.”