Ter estudos superiores continua a compensar, mas o ganho nas remunerações face aos que têm apenas o secundário completo tem vindo a esbater-se e a diferença é ainda menor quando se considera apenas os mais jovens. No último ano, a compensação adicional nos salários dos licenciados fixava-se nos 49%, longe dos 71% garantidos em média em 2011; e a realidade é pior para os trabalhadores mais novos (onde ainda se registam nível de desemprego mais altos, de 7,4% em dezembro, face aos 6,6% de taxa de desemprego total no país), a quem o curso garante apenas cerca de 34% em média a mais do que ganham os que não prosseguem estudos.
Ainda assim, o curso conta na hora de conseguir emprego, com a taxa de desemprego dos diplomados do Ensino Superior a situar-se abaixo da geral, nos 5,3%, e muito abaixo dos 9% registados para os jovens dos 25 aos 34 anos sem esse nível de qualificações. E as ofertas de emprego com requisitos de qualificações ao nível do mestrado "assumem cada vez maior importância", vindo a crescer acentuadamente sobretudo a partir de 2022: de 35,6% em janeiro de 2022 para 38,5% em dezembro de 2023.
"O ganho adicional de ter o Ensino Superior face ao Ensino Secundário foi, para a população entre os 18 e os 64 anos, de 49% em 2023", revela o Estado da Nação 2024, hoje publicado pela Fundação José Neves (FJN). "Não obstante, este valor tem vindo a cair na última década" e "no caso da população mais jovem, entre os 25 e os 34 anos, a vantagem salarial foi de 34%", conclui a FJN num estudo hoje publicado sobre o Estado da Nação, onde se encontram já também os efeitos da Inteligência Artificial (IA) no mercado de trabalho. "Em Portugal, as mulheres e os trabalhadores com níveis de educação mais elevado são os grupos em que a IA poderá ter um impacto maior", conclui-se, concretizando: no caso das mulheres, 15,1% estão em profissões de vulnerabilidade elevada (funções substituíveis por IA) e 5,9% em profissões com vulnerabilidade baixa (capacidade de a IA complementar o seu trabalho). "Para os homens, estes valores são de 9,4% e de 6,5%, respetivamente. Em termos etários, o grupo com maior vulnerabilidade elevada está na faixa dos 25 aos 34 anos, onde a percentagem de trabalhadores nessa categoria é de 14,7%."
"Em 2024, para além de atualizar os dados sobre o emprego, a educação e as competências, o Estado da Nação demonstra a importância crescente do Ensino Superior ao nível da empregabilidade e do retorno salarial para os portugueses", vinca o fundador da instituição. Para José Neves, há que tomar especial atenção ao impacto da Inteligência Artificial no mercado de trabalho nacional e da crescente digitalização do tecido empresarial, fator que está já a revelar-se "transformador na reestruturação do trabalho".
Cursos técnicos e profissionais ganham procura
A análise revela ainda que são os trabalhadores com salários acima dos 2 mil euros os mais vulneráveis aos desafios trazidos pela IA (24,3%), especialmente em áreas de finanças e seguros, consultoria e informação e comunicação, mas também são os que mais podem usá-la para aumentar significativamente a sua produtividade, havendo por outro lado mais vantagens, refletidas em possibilidades de complementar funções, sobretudo na educação. "Os trabalhadores dos grupos profissionais Pessoal administrativo (36%) e Técnicos e profissões de nível intermédio (30%) são aqueles para quem a IA potencialmente tornará o seu emprego mais vulnerável, mais passível de ser substituído", revela o estudo.
Ainda assim, a digitalização continua a revelar-se uma aliada da produtividade, com a FJN a apontar que grande número de empresas entrou neste barco desde 2019, fazendo subir a 61% as que têm já nível médio ou elevado de digitalização. "Quanto maior a empresa, maior é o índice de digitalização. Este índice está igualmente associado a maior produtividade e a salários mais elevados. Entre os mais jovens, a intensidade digital do emprego mantém-se alta sobretudo entre os diplomados no Ensino Superior." O que também se reflete no teletrabalho, sobretudo com os mais jovens, "em particular mestres e doutores", entre os que mais deslocalizaram o trabalho para casa, "especialmente nas áreas de Gestão (49,7%), do Ensino (61,9%) e das TIC (80,5%)".
De acordo com o diagnóstico da FJN, desde que foram criados, em 2014, e promovidos pelos politécnicos, os cursos técnicos e profissionais têm vindo a conquistar procura, com o número de inscritos a chegar agora aos 21.263.A escolha de cursos CTeSP é mais frequente entre os diplomados de cursos profissionais do Ensino Secundário. "Entre os inscritos, cerca de 76% vinham de cursos profissionais e 22% de cursos científico-humanísticos, sendo os cursos ligados à tecnologia e à digitalização os mais procurados: um em cada três inscritos estava nas cinco áreas de educação e formação disponibilizadas a nível nacional ao nível das tecnologias." Com um terço dos jovens no secundário a frequentar este tipo de ensino, os números revelam ainda que um quarto desses acabam por seguir para o Ensino Superior, com a taxa a passar de 15% para 24% e mais procura nas áreas de Informática e Eletrónica e Automação.
Caminho para a frente
Partindo do diagnóstico, a Fundação José Neves avança para o desenho das metas que o país deve prosseguir no objetivo de 2040, traçando objetivos ambiciosos que incluem pôr Portugal entre os dez Estados da UE com mais emprego em tecnologia e conhecimento (estamos hoje em 17.º lugar), com pelo menos um quarto dos adultos a participar em programas de educação e formação ao longo da vida (são hoje 13,4%). Ter um máximo de 15% dos adultos com baixa escolaridade (são agora mais de 40%), dois terços da população jovem com licenciatura e pelo menos 90% dos recém-formados empregados (são 78,8%) são outras metas.
Como lá chegar? A FJN aponta nove vias de trabalho que podem fazer a diferença:
- Estimular a presença dos jovens no Ensino Superior, seja em cursos conducentes a grau superior (Licenciaturas, Mestrados e Doutoramentos), seja em Cursos Técnicos Superiores Profissionais (CTeSP).
- Promover o Ensino Profissional junto da sociedade civil e do mercado de trabalho, sublinhando o seu significativo contributo no sucesso da transição digital em Portugal.
- Continuar a incentivar a transição dos alunos do Ensino Profissional para o Ensino Superior. Criar iniciativas que aproximem as instituições de educação e formação do mercado de trabalho, de modo a ajustar a oferta educativa e formativas às suas reais necessidades.
- Implementar estratégias com vista à recuperação dos resultados do PISA 2022 e apostar em medidas específicas direcionadas para o novo ciclo de estudo, em 2025, e para o particular enfoque que irá ser dado às Ciências.
- Criar condições para que Portugal se torne mais atrativo para as empresas na área das altas tecnologias.
- Estimular a digitalização das empresas e a adoção de modelos híbridos de trabalho, com o intuito de aumentar a produtividade e os salários.
- Desenvolver mecanismos de apoio às empresas e aos trabalhadores na transição digital, aquando da introdução da IA no mercado de trabalho.
- Desenvolver estratégias para mitigar a vulnerabilidade das profissões à IA.
- Promover a formação contínua e a requalificação profissional para adaptar os trabalhadores às novas realidades tecnológicas.