“Não é preciso magia para combater a COVID-19. Sabemos o que temos de fazer: testar as pessoas, isolar as pessoas doentes, fazer inquéritos epidemiológicos, e vigiar se têm condições de estar confinadas e dar-lhes essas condições. A questão é que isto tudo tem de ser rápido. A diferença entre fazer isto em um ou dois dias ou em dez é imensa. E temos relatos de que isso acontecia.”
Quase uma semana depois de ter criticado as autoridades de saúde pela descoordenação no combate ao vírus na região de Lisboa, Fernando Medina continua a acentuar a necessidade de aumentar a eficácia e a rapidez do combate, sobretudo na coordenação com as autoridades locais. E justifica as suas palavras duras do início da semana com a “veemência de quem tem noção da urgência.”
Falando num debate no Café A Brasileira, e transmitido no Sapo Vídeos, o Presidente da Câmara de Lisboa mostrou-se mais otimista agora que, anunciou, as equipas multidisciplinares da Área Metropolitana de Lisboa já estão no terreno a fazer esse “varrimento de doentes” – com telefonemas, e visitas - nomeadamente para apurar as condições de confinamento. “Isto exige muita gente, um exército dedicado. Mas temos de encurtar os prazos”, disse.
Parte deste trabalho, defende Medina, é para ficar como lição. Até porque, alerta “já percebemos que estamos num tempo que vai ser mais longo: a pandemia não passou, isto veio para ficar. Temos de ser claros nesta mensagem. Isto é essencial agora, para a região, mas também para o futuro, para prevenir outras fases. Temos de ter a infraestrutura montada para combater qualquer situação rapidamente. A ideia de que gerimos isto surto a surto é de quem olha só para o momento.
Rejeitando o regresso ao confinamento, o Presidente da Câmara de Lisboa afirmou que parte do combate está nos comportamentos individuais. “O usar a máscara, o distanciamento, a higiene. E temos de ter consciência de que há práticas com mais risco que outras. Por exemplo, não há evidência de que irmos a um restaurante que cumpra as regras – e nós também – que seja uma prática com um risco grande, bem pelo contrário.”
O debate decorreu no âmbito de uma série dedicada à pandemia, na cidade e contou com a presença de alguns “lisboetas”, nomeadamente Ana Jacinto, secretária geral da AHRESP que questionou Medina sobre as medidas de apoio urgente para a sobrevivência dos pequenos negócios na cidade. Foram conhecidos os dados de um estudo da AHREP que indicam que 38% dos pequenos restaurantes estão a equacionar pedir falência. O Presidente da Câmara assumiu que “uma parte das atividades comerciais não tem viabilidade com um terço da lotação, com rendas, não é possível” e que a CML está a preparar um plano político. “Temos de ser criativos, vamos ter de desenhar esses instrumentos de apoio. Até porque se perdermos uma parte muito importante do músculo que se criou e que deu esta Lisboa que nos orgulha a todos não se vai reconstruir de um dia para o outro. Depois para reaparecer é preciso muito esforço.”
Objetivo: 35 mil casas públicas
A cidade que mais está a sofrer com a pandemia é precisamente a cidade que mais estava dependente do turismo. “São as zonas com mais fragilidade neste momento, as zonas com mais habitação estão mais protegidas”, disse Medina que voltou a referir o projeto Renda Segura como sendo o início de uma mudança no sentido de “repovoar” o centro. A medida que visa alugar casas que estavam em alojamento local e cedê-las com rendas controladas a jovens e classe média, pretende “apoiar os proprietários, trazer habitantes para o centro e apoiar a estrutura económica”.
Segundo Medina, Lisboa precisava de cerca de 30 mil casas de iniciativa pública para a classe média.” E isso podia ajudar a alterar a forma como a cidade sairá desta pandemia – o maior desafio dos últimos anos numa cidade que está há já muito tempo a sofrer transformações. A forma como lidarmos com o vírus – e como a cidade o gerir - pode vir a determinar o seu futuro.
“Há duas hipóteses, para por as coisas simples”, disse Medina. “Ou vamos sair desta crise com uma cidade mais espalhada, com mais pessoas a viverem mais longe. Uma parte justificada no teletrabalho, outra pela habitação. Mais automóvel. Mais desigualdade. E mais poluição. Menos comércio no centro, mais nas periferias. É muito mau. E muitos dos problemas que nós tínhamos à entrada desta pandemia vinha desta conceção de cidade que se acentuou muito da década de 80 para a frente. Ao contrário do que se pensa a grande saída não é nos últimos anos por causa do turismo e da pressão dos preços das casas. É na década de 80, quando Lisboa começa a perder cerca de 300 mil pessoas até 2010. Outro cenário é acelerarmos a política que vínhamos a ter. Acelerar a habitação – recuperar pessoas para o centro, jovens e classes médias. Uma cidade com mais espaços públicos. Mais qualidade de vida para uma vida de bairro, de ciclo curto, onde a escola, o comércio, a cultura e o lazer estejam mais próximas, com vida de bairro, sem grandes arruamentos feitos só para a circulação automóvel. E isto no fundo é uma cidade mais coesa do ponto de vista social, também, onde todos podem viver, várias classes. É aqui que temos de pôr todas as baterias. E duma coisa tenho a certeza, não vamos poder voltar à poluição que tínhamos.”
O debate n’A Brasileira foi fechado ao público por razões do combate à COVID-19 mas contou com a presença de vários lisboetas como Tanka Sapkota, nepalês a viver em Lisboa há 25 anos, chef e dono de vários restaurantes como Forno D’Oro ou Come Prima, Giuliana Miranda, correspondente do jornal Folha de São Paulo em Lisboa e João Marecos, advogado e membro da comunidade Global Shapers.
Todas as quintas-feiras de julho haverá debates na Brasileira dedicados ao tema “A cidade depois da pandemia”, um olhar para o futuro de Lisboa. O próximo será dedicado à inovação, com Carlos Moedas e contará com a presença de Miguel Neto, do Lisboa City Lab da Nova, e Rui Miguel Nabeiro, da Delta, entre outros. Será transmitido em exclusivo no Sapo.