Desde julho, foram identificadas mais de trinta interações de orcas com barcos à vela junto às costas da Galiza, Portugal Continental e Estreito de Gibraltar, com 15% destas interações a resultarem em danos que impediram a navegação das embarcações. As interações terão sido perpetradas por três orcas juvenis. A informação é avançada pelo Grupo de Trabalho Internacional Orcas Atlânticas, coordenado pelo CEMMA - Coordenador de Estudos de Mamíferos Marinhos, sedeado na Galiza, que esteve a analisar em detalhe todas as interações atípicas reportadas este ano.
Segundo o comunicado divulgado, desde julho de 2020 e até setembro, altura em que as orcas saem do Estreito de Gibraltar para voltarem ao Atlântico, foram reportadas seis interações no Estreito de Gibraltar, depois cinco na costa portuguesa e finalmente vinte ocasiões diferentes na Galiza, onde também foram registados avistamentos ao longo do litoral, alguns deles até nas praias. Os encontros com orcas são classificados como avistamentos se os espécimes forem simplesmente observados e ignorando qualquer objeto ao seu redor; ou de interações se as orcas se aproximam ou mostram interesse nos barcos. As interações são diversas e variadas e vão desde a simples aproximação até ao contato físico dos animais com o casco do barco.
Este ano foram detetados 13 indivíduos distribuídas por três grupos. Destes, apenas um grupo interagiu com barcos. A sua passagem ao longo da costa galega foi registada entre 2 e 6 milhas. A última interação ocorreu no dia 30 de setembro. Os barcos que foram alvejados pelas orcas durante as interações foram inspecionados para os especialistas entenderem melhor como as interações ocorreram e que tipo de contato aconteceu. As interações foram em grande parte limitadas ao leme do barco, com base nas marcas encontradas ao redor do casco ou nalgum sinal de contacto físico dos animais com a estrutura da embarcação.
Assim, dos contactos reportados este ano, 52% foram avistamentos e 48% interações com veleiros. Destas interações, 13% não tiveram consequências para os navios, 20% apresentaram consequências leves que não impediram a navegação e 15% dos casos apresentaram diferentes tipos de danos que impediram a navegação. «Em nenhum desses casos a integridade das pessoas foi ameaçada pela atividade direta das orcas, embora tenha havido algumas situações de risco durante a noite e interações duradouras, movimento abrupto do volante ou giros do barco, que causou angústia às tripulações pela inexperiência sobre a presença de orcas e o seu comportamento normal», revela o grupo de trabalho em comunicado.
GLADIS: três orcas identificadas com novo comportamento
Ao longo das diferentes interações, foram identificados três indivíduos como as orcas envolvidas nas interações, uma vez que foram observadas perto dos veleiros em 61% das interações. Além disso, em algumas interações foram observados outros indivíduos adultos mais distantes do navio que não puderam ser identificados no momento, mas os especialistas consideram que não estariam envolvidos na interação, perfazendo um total de até cinco indivíduos observados durante as interações.
Estas três orcas foram chamadas de GLADIS (Preta, Branca e Cinza) e duas delas foram identificadas como animais observados em anos anteriores no Estreito de Gibraltar, onde todas foram observadas de junho a agosto deste ano.
No Estreito de Gibraltar, tem sido relatado com relativa frequência indivíduos com ferimentos causados pelo atrito com linhas de pesca quando tentam obter atuns que morderam o anzol dos barcos de pesca. «Foram observados este ano ferimentos no Estreito de Gibraltar nos corpos dos dois GLADIS identificados, o Preto e o Branco, com marcas a aparecerem sucessivamente nos seus corpos», assinala o Grupo de Trabalho Internacional Orcas Atlânticas.
Os especialistas mapearam e descreveram as lesões nos seus corpos, para tentar esclarecer a sua origem e encontrar pistas para a explicação destes comportamentos, que, segundo indicam, «o gatilho para este comportamento pode ter sido um incidente adverso».
O Grupo explica ainda que «no Estreito de Gibraltar é comum observar as interações de juvenis de orcas com barcos de diversos tipos, para satisfazer a sua curiosidade. A popa dos barcos é especialmente atrativa para os cetáceos em geral e para as orcas em particular, onde existem estruturas móveis e ruidosas. Porém, as interações com veleiros detetadas desde julho no Estreito, Portugal e Galiza são consideradas inéditas devido ao contacto físico dos exemplares com a estrutura dos navios».
A aproximação e o início de uma interação são comuns a outras situações previamente observadas com barcos, embora o grupo das GLADIS tenha introduzido uma novidade comportamental sem precedentes devido à evolução do contato físico com a estrutura mais fraca do navio, o leme, que às vezes pode levar a uma quebra do mesmo ou a danos gerais.
«O gatilho para esse comportamento estranho e novo pode ter sido um incidente adverso que as orcas tiveram com um barco, no qual a velocidade do barco poderia ser um componente crítico. De momento ainda não temos evidências claras de quando ou se isso aconteceu, nem temos mesmo certeza de que tipo de navio poderia estar envolvido, ou se o incidente foi acidental ou intencional. A partir desse evento adverso para as orcas, uma sucessão de comportamentos foi desencadeada na presença de um barco à vela que culminou num comportamento preventivo que consiste em parar a sua velocidade através da manipulação do leme. Não está excluído que um veleiro possa estar envolvido no incidente adverso ou que as orcas identifiquem os veleiros como barcos mais acessíveis do que outros com estrutura e características diferentes», salientam os especialistas.
Porém, dada a falta de evidências, o grupo de trabalho não descarta a hipótese de que não se trata de nenhum incidente anterior e que é simplesmente um comportamento de interesse e curiosidade, visto que ao tocarem nas partes móveis do barco podem parar um grande objeto em movimento. O certo é que os veleiros são bastante acessíveis para as orcas, pois os lemes são maiores e, portanto, mais fáceis de manusear.
As orcas do Estreito de Gibraltar são consideradas uma subpopulação que habita na costa da Península Ibérica na primavera e no verão, onde perseguem os atuns rabilho na sua incursão no Mediterrâneo. São consideradas uma subpopulação de orcas, cujos parentes mais próximos serão indivíduos observados esporadicamente nas águas das Ilhas Canárias e que estarão geneticamente isolados de indivíduos que habitam as águas norueguesas e islandesas. São normalmente observados a passar pela costa algarvia, costa centro de Portugal e também na Galiza.