A direção da Associação de Jazz de Leiria decidiu manter no cargo o seu presidente, sobre o qual recaem várias denúncias de alegado assédio apresentadas recentemente por antigas alunas, relativas ao período em que lecionava no Hot Clube de Portugal.
Além de ser presidente da direção da associação (AJL), é atualmente diretor pedagógico da Escola de Jazz de Leiria, diretor e maestro da Orquestra Jazz de Leiria e professor do departamento de música da Universidade de Évora.
Num comunicado divulgado no Instagram, a associação explica que se reuniu com o presidente "na sequência das notícias locais e nacionais dos últimos dias, em que o [seu] nome é mencionado em alegadas denúncias de assédio verbal, supostamente ocorridas em 2022, na Escola Luiz Villas-Boas (Hot Clube de Portugal), notícias essas originadas por publicações individuais nas redes sociais".
Durante a reunião com os restantes membros da direção da AJL, o presidente "prestou todos os esclarecimentos solicitados". "Pese embora o visado ter colocado o cargo de presidente da AJL à disposição desta direção, a verdade é que, face às explicações prestadas, após colhidas as opiniões da direção, a maioria deliberou pela não destituição."
A associação sublinha que o presidente – ou qualquer outro docente – "nunca foi alvo de qualquer queixa por parte de docentes ou alunas da Escola de Jazz de Leiria, nem foram relatados quaisquer comportamentos menos próprios atribuídos ao visado ou a outros elementos do corpo docente da escola de jazz". Acrescenta que a direção "tem reunido amiúde com o objetivo de criar todas as condições internas para que a sua atividade decorra com a normalidade e a qualidade que têm sido constantes até hoje".
A direção afirma ainda que "respeita o Estado de Direito" e defende que as situações relatadas sobre abusos na comunidade do jazz em Portugal "devem ser levadas à justiça com a maior celeridade possível, apurando, no local próprio, as devidas responsabilidades". Condena "veementemente os comportamentos denunciados na comunicação social" e compromete-se a encaminhar "de imediato" para a justiça quaisquer casos de assédio ou outros de que venha a tomar conhecimento.
Docente afastado do Hot Clube
O professor em questão foi afastado do Hot Clube em 2022, após uma queixa escrita de uma aluna ao então diretor pedagógico da escola, Bruno Santos. “Escreveu-me diretamente a dizer que se sentia desconfortável porque tinha recebido mensagens do professor e pedia-me, inclusivamente, para mudar de turma e não falar mais com o professor”, explicou Bruno Santos, que ocupou o cargo diretivo durante quase 15 anos, ao Expresso, num artigo publicado na sexta-feira passada.“Eu não precisei de ver as mensagens, porque confrontei o professor e – tenho de reconhecer isto – ele acatou de imediato. Disse que eu tinha razão e que não deveria ter feito o que fez”, acrescentou.
Bruno Santos considerou o caso uma "linha vermelha que não podia ser ultrapassada". As mensagens enviadas à aluna, que teria cerca de 20 anos, "ultrapassavam os limites de uma relação professor-aluna". Após uma investigação interna, que incluiu ouvir ambas as partes, decidiu que a escola "deveria ser intransigente e dar o exemplo". O docente foi afastado, tal como outro professor, na mesma altura, por motivos semelhantes.
No âmbito da recolha de queixas de abusos na música, iniciada após uma denúncia de uma alegada violação contra um pianista português, surgiram mais cinco queixas de assédio por parte de antigas alunas do ex-professor do Hot Clube e atual presidente da direção da AJL, explicou Maia Balduz, ex-aluna do Hot Clube e uma das responsáveis pela recolha das denúncias.
"Estamos a falar de mensagens com teor sexual, comentários inapropriados durante as aulas — nomeadamente sobre a aparência física, a roupa usada e como esta assentava no corpo —, envio insistente de mensagens, mesmo sem resposta, e convites para encontros fora do contexto escolar, como lanches ou idas a locais para 'estudar juntos'. Há ainda queixas sobre mensagens enviadas durante a madrugada ou logo após audições de admissão ao curso, nas quais o professor atuava como avaliador.” O Expresso tentou, na altura, contactar o docente por telefone e por e-mail, mas não obteve qualquer resposta.
A situação causou algum mal-estar na direção AJL, que gere tanto a Orquestra Jazz de Leiria como a Escola de Jazz de Leiria. Um membro da direção, que ocupava o cargo de vogal, demitiu-se a 8 de novembro, tendo anunciado a sua decisão no Instagram. "Não me revejo na posição que a AJL — Associação de Jazz de Leiria — adotou. Sinto-me obrigado a cessar todas as minhas funções para com esta entidade. Abandonei, assim, o cargo de vogal da direção, músico da Orquestra Jazz de Leiria e professor na Escola de Jazz de Leiria", escreveu.
Ao Expresso, o ex-vogal declarou sentir-se "incomodado" com o silêncio da associação. "Não me identifico com esta posição. Refleti muito e concluí que, em consciência, não podia continuar."