A deputada do BE Marisa Matias considerou este domingo que o Governo amarrou “com sucesso” o PS à proposta de Orçamento do Estado para 2025, que poderia ser viabilizado pela extrema-direita, com avisos para uma “rampa deslizante”.

“Com este Orçamento, o Governo procurou com sucesso amarrar o PS. E este é um orçamento que a extrema-direita poderia votar, mas é o PS quem vai viabilizar [através da abstenção]”, criticou Marisa Matias, que falava na 5.ª Conferência Nacional do BE, que termina hoje no Porto.

A dirigente bloquista acusou o executivo minoritário PSD/CDS-PP de absorver e normalizar a agenda e discurso da extrema-direita e aprofundar “a agenda conservadora”.

“A rampa deslizante só agora está a começar. O não é não, que seria a suposta barreira sanitária do Governo à extrema-direita, não é, nem nunca foi, por uma demarcação política ou ideológica, mas por mero taticismo. Uma disputa de poder não é necessariamente uma disputa política e este Governo demonstra-o”, advogou.

Na ótica de Marisa Matias, o Governo PSD/CDS-PP quer ocupar o espaço da extrema-direita pela forma como aborda temas como as migrações, direitos humanos, racismo, educação sexual, saúde reprodutiva, direito à morte assistida.

“Não existe nenhum campo em que o Governo não esteja a tentar entrar para fazer deles um campo de recuo”, avisou.

Neste contexto, Marisa Matias reclamou para o BE o papel da força política “que faz frente à extrema-direita e às suas ideias, que combate o governo da direita e das contrarreformas e que é, como sempre foi, a alternativa ao rotativismo ao centro”.

Momentos depois, o antigo deputado José Manuel Pureza fez uma intervenção com fortes críticas ao Chega e à extrema-direita, utilizando uma frase de um general franquista, em 1936, “Viva a morte, abaixo a inteligência”, e deixou avisos ao Governo liderado por Luís Montenegro.

“De cada vez que o Governo e a direita tradicional assumem as bandeiras da extrema-direita, a extrema-direita não fica com menos espaço. Pelo contrário, ganha espaço e ganha poder social. A esse bloco político das direitas, que tem como política o ‘cocktail’ de duas doses de liberalização, com duas doses de securitização, responde a esquerda com uma política de paz feita de justiça”, salientou.

Divergências sobre Lisboa

No sábado, a comissão política do BE apresentou à conferência um documento em que defendeu, sempre que possível, alianças alternativas a governações autárquicas de PS e PSD no país. Mas o tema gerou algumas divergências entre bloquistas sobre uma eventual coligação autárquica com o PS em Lisboa, com alertas para uma possível diluição política, mas também apelos a uma “candidatura alargada”.

No texto, a direção alargada do Bloco faz questão, contudo, de salientar a sua abertura para uma convergência à esquerda que desafie o social-democrata Carlos Moedas em Lisboa - apelo deixado hoje pelo antigo coordenador Francisco Louçã, que frisou a importância da luta contra a especulação imobiliária num eventual entendimento pré-eleitoral com os socialistas.

Contudo, nem todos os bloquistas se manifestaram favoráveis a esta ideia, com o dirigente Manuel Afonso, que integra a Mesa Nacional, a deixar a questão: “O que é que Lisboa tem que o resto do país não tem?” O dirigente realçou que, na “tropa especuladora que tomou a cidade de assalto, Moedas é o chefe”, mas tem “um fiel escudeiro, que é o PS”.

“Certamente que uma eventual vitória derrotando Carlos Moedas seria uma respiração democrática. Mas, quatro anos seguintes atados ao seu lugar-tenente da especulação seriam um sufoco”, avisou.

Na mesma linha, Samuel Cardoso considerou “um erro diluir a candidatura do Bloco em Lisboa” numa coligação liderada pelo PS, argumentando que os socialistas “nunca vão aceitar uma política de rutura com os interesses imobiliários”.

“Esta opção é má porque cola o BE ao PS em toda a área metropolitana de Lisboa e no país pelo centralismo mediático que Lisboa tem, num contexto em que o PS está colado a um governo de direita que temos que combater”, sustentou.

O ex-deputado Heitor de Sousa defendeu que o BE deve apresentar candidaturas próprias e procurar alianças onde tal não for possível, lembrando que o PS é o partido que lidera mais autarquias no país.

O dirigente Bruno Góis saiu em defesa de uma eventual coligação, afirmando que “se Lisboa deve ser uma exceção não é porque o BE inventou essa exceção”, mas sim porque “o país é macrocéfalo”.

Reconhecendo que a habitação deve ser uma prioridade programática, o dirigente da Mesa Nacional defendeu que o BE deve, em Lisboa, “empenhar-se em dar tudo para a construção de uma candidatura mais alargada possível para derrotar Carlos Moedas”.

Bruno Góis lembrou que o partido já teve acordos autárquicos em Lisboa e “mostrou que não está amarrado a nada”.

Durante a tarde, alguns bloquistas divergiram também sobre se o partido deveria priorizar a luta de classes e dos trabalhadores comparativamente a causas sociais como o feminismo, o antirracismo ou as lutas LGBTQIA+, ou se todas essas lutas convergem numa lógica interseccional.

O histórico fundador Fernando Rosas rejeitou a ideia de que “a identidade do Bloco se dissolve” em alguns destes movimentos sociais e salientou que “a centralidade do trabalho não pode ser incompatível contra tudo o que o capitalismo representa para além da extração de mais-valia: o racismo, a homofobia”.

“Precisamos de alianças com princípios, abrir e não fechar. Não devemos aceitar o regresso às cavernas quanto à natureza do partido que queremos”, avisou, lembrando o lema bloquista de que “é essencial travar a luta toda”.

A mesma tese foi defendida pelo fundador Luís Fazenda, por Francisco Louçã ou pelo ex-deputado Pedro Filipe Soares, que chegou a acusar estes críticos de estarem do lado de uma esquerda “conservadora, em dissolução e moribunda”.