
Há uma coisa que deve ser dita com clareza – em Portugal existem movimentos ultra de direita e de esquerda.
Os movimentos ultra de direita sempre estiveram mais ativos por razões históricas e porque recebem, hoje, apoio significativo, designadamente financeiro, de entidades estrangeiras e de empresários portugueses.
Porém, os de esquerda, agora mais débeis porque lhe faltam suportes monetários vindos de outros países como acontecia no passado (apesar da Rússia e da Hungria continuarem a canalizar auxílios esporádicos), são igualmente perigosos, até porque lançam o rastilho para grandes desordens. O que tem acontecido com ações subversivas de militantes do Movimento Alternativa Socialista e com os ataques, quase terroristas, dos ambientalistas da Greve Climática Estudantil e da Climáximo diz bem sobre o incitamento à violência destes grupos.
Há, porém, uma razão para que a preocupação com os movimentos ultra de direita seja hoje consideravelmente maior. Ela advém do facto de se estar a assistir a um crescimento muito significativo dos governos suportados por partidos que defendem democracias musculadas, não raro regimes autoritários. Tal circunstância obriga a novas preocupações por parte dos Serviços de Informações e a inovadoras formas de acompanhamento e limitação da ação destrutora por parte das Forças de Segurança.
Para que a defesa do Estado de Direito se possa garantir, é necessário que se tenha bem consciência de duas coisas – há informação secreta que não pode vir nos relatórios oficiais e há ações de “espionagem” que podem ir para além das regras constitucionais.
Sei que esta minha apreciação pode levar a que saltem da cadeira várias pessoas que admiro, mas não há um só país democrático, dos que são mesmo democráticos sem falhas como os nórdicos, que não atribuam aos seus serviços de inteligência campos de intervenção que possam ajudar a combater, por vias semelhantes, os serviços homólogos das ditaduras e das autocracias.
É, pois, muito importante que se não discuta a retirada do Relatório Anual de Segurança Interna das partes relativas à ação dos ultras nacionais e internacionais. O PSD e o PS têm representantes seus nos Conselhos Superiores de Informações e de Segurança Interna que podem habilitar os líderes a um conhecimento real e profundo do que está em causa.
Um partido, uma associação e um grupo informal convocaram uma concentração para o Martin Moniz no dia 25 de abril. O propósito era claro – provocar desacatos, dar imagens que possam ir pelo mundo e ser atração de novas aderentes.
Esse é partido é o Ergue-te, a associação chama-se Habeas Corpus e o grupo identifica-se com o nº 1143. O Ergue-te, nasceu em 2000, é a junção de grupos de extrema direita fascista e teve como principal impulsionador Pinto Coelho; a Habeas Corpus é a associação que nasceu em 2021 pela contestação às vacinas contra a Covid 19 e às medidas impostas nessa altura, sendo liderada pelo antigo juiz Fonseca e Castro que agora também preside ao Ergue-te; o Grupo 1143, comandado por Mário Machado, nasceu nas claques do Sporting Clube de Portugal, foi alargando a sua influência ao Benfica e ao Porto, foi-se instalando nas forças de segurança e mantém relações estreitas com grupos similares em muitos países europeus.
Na lista da organizações protofascistas e neonazis portuguesas, identificadas por diversas entidades internacionais, está ainda o ADN e o Chega.
Este esclarecimento serve para separar bem o trigo do joio. Quando se mete no mesmo saco o Chega e o Bloco de Esquerda atenta-se contra a natureza e a realidade política deste último. A haver uma comparação ela deveria ser entre o Bloco e a IL, porque ambos os partidos assumem a democracia plural como base, mas afastam-se, ficando nos antípodas, na economia. Nem um nem outro são radicais, extremistas ou ultras.
O PCP, que até ao desaparecimento do Bloco de Leste tinha uma função de posto avançado das ditaduras comunistas em Portugal (foi por isso que os sistemas de segurança e de informações se construíram com acompanhamento dos partidos ao centro), é hoje um partido nacionalista, conservador e saudosista sem qualquer relevância que não seja a que advém da presença sindical, esta integrada nas regras democráticas “burguesas”.
Uma pergunta aparece por estes dias e importa dar-lhe uma resposta. Fez bem a PSP ao dar primeiro um parecer positivo e posteriormente outro negativo à concentração que Ergue-te, Habeas Corpus e 1143 convocaram para o Martin Moniz? A minha resposta é negativa. A PSP deveria ter dado parecer favorável e deveria ter criado um sistema de segurança em gaiola, como faz relativamente às claques, para impedir desacatos. A PSP sabe fazer isso.
Mas também devia ter criado cordões de acesso, mobilizado instrumentos de identificação e localização de ativistas, coisas que são, de igual forma, habituais nos grandes jogos de futebol. Não ganha, portanto, qualquer relevância a ação da Câmara de Lisboa nesta questão.
Há quem diga que não se deveria autorizar qualquer manifestação “deste tipo de gente”. Só que deviam lembrar-se, sempre, que esta gente se manifestará, legal ou ilegalmente, quando entender. É essa a sua natureza, o confronto e a destruição estão no centro da sua ação.
A Constituição da República é bem clara sobre a existência de partidos e outras organizações que reclamem comportamentos ou ideias fascistas. Ora, o Ergue-te (também o ADN e o Chega) é um partido político legalizado e tem os direitos dos demais. Se os serviços de informações e de segurança consagram um reportório de informações fiáveis que o encaixem no dispositivo constitucional, tal partido deve ser ilegalizado. Devia ser esse o próximo passo. Talvez deva ser essa a exigência a fazer ao Procurador Geral da República.