Durante a pandemia de covid-19, governos de todo o mundo implementaram medidas restritivas – como o encerramento de escolas e a obrigatoriedade de permanecer em casa - para mitigar a propagação da doença respiratória. Esta interrupção das rotinas diárias e das atividades sociais teve um impacto negativo na saúde mental dos adolescentes, revelaram já vários estudos. Uma recente investigação avança que a pandemia também acelerou a evolução do cérebro dos adolescentes.

A adolescência, o período de transição entre a infância e a idade adulta, é marcada por mudanças dramáticas no desenvolvimento emocional, comportamental e social. É também um momento em que se desenvolve um sentido de identidade, autoconfiança e autocontrolo.

Uma recente investigação da Universidade de Washington, publicada online a 9 de setembro em Proceedings of the National Academy of Sciences, revelou que a pandemia provocou uma maturação cerebral acelerada nos adolescentes, particularmente nas raparigas. De acordo com o estudo, esta aceleração foi, em média, de 4,2 anos nas mulheres e 1,4 anos nos homens.

Embora a pandemia seja vista como uma crise de saúde pública, sabemos que também trouxe mudanças profundas nas nossas vidas, especialmente para os adolescentes ", disse Patricia Kuhl , autora do estudo e codiretora do Instituto UW de Aprendizagem e Ciências do Cérebro (I-LABS)

O cérebro dos jovens envelheceu mais rapidamente durante os confinamentos, mais as raparigas (cérebro feminino à esquerda) que os rapazes (cérebro à direita)
O cérebro dos jovens envelheceu mais rapidamente durante os confinamentos, mais as raparigas (cérebro feminino à esquerda) que os rapazes (cérebro à direita) University of Washington I-LABS

O amadurecimento do cérebro é medido pela espessura do córtex cerebral, a camada exterior de tecido do cérebro. O córtex cerebral vai ficando naturalmente mais fino com o avançar da idade, mesmo nos adolescentes. O stress crónico pode acelerar este processo, o que está associado a um risco aumentado de distúrbios neuropsiquiátricos e comportamentais, como a ansiedade e a depressão – condições que afetam mais frequentemente as mulheres.

166 jovens entre os 9 e 17 anos

A investigação começou em 2018, envolvendo 166 adolescentes norte-americanos com idades entre os 9 e os 17 anos, com o objetivo inicial de estudar o desenvolvimento cerebral típico. No entanto, a pandemia alterou este foco. Em 2021, os investigadores decidiram examinar o impacto dos confinamentos no cérebro dos adolescentes, comparando exames de ressonância magnética realizados antes da pandemia, entre 2016 e 2019, com exames realizados entre 2020 e 2022, após os confinamentos.

“Com a pandemia a decorrer, começámos a pensar o que nos permitiria estudar o que os confinamentos faziam ao cérebro, o que significava para os nossos adolescentes ficarem em casa e não nos seus grupos sociais – não ir à escola, não praticar desporto, não sair”, explicou Neva Corrigan , principal autora e investigadora da I-LABS.

Os resultados revelaram uma diminuição do córtex cerebral, particularmente nas raparigas, em todos os lobos e hemisférios do cérebro, enquanto nos rapazes os efeitos foram observados apenas no córtex visual.

Este maior impacto nas raparigas poderá estar relacionado com a importância das interações sociais no seu desenvolvimento, sugeriu Kuhl, sublinhando que as adolescentes tendem a depender mais das relações sociais para lidar com o stress, conversar e partilhar sentimentos enquanto os rapazes tendem a reunir-se sobretudo para atividades físicas.

"Os adolescentes estão realmente a andar uma corda bamba, a tentar ajustar-se a uma realidade completamente nova, sem os seus habituais canais de libertação de stress. Embora todos tenham sido afetados pelo isolamento, as raparigas sofreram um impacto mais acentuado a nível cerebral”, concluiu Kuhl.

No futuro serão necessários mais estudos para avaliar se este amadurecimento precoce do cérebro tem impacto no desenvolvimento cognitivo.