Os movimentos Vida Justa e Porta a Porta repudiaram hoje as declarações do presidente da Câmara de Loures, que defendeu o despejo dos inquilinos de habitações municipais com participação nos distúrbios que têm ocorrido na Área Metropolitana de Lisboa.

"Não há nenhuma base legal, é inconstitucional e pretende castigar as pessoas duplamente", reage Rita Silva, pelo Vida Justa, em declarações à Lusa.

"O direito à habitação não pode ser usado como uma sanção penal", corrobora o Porta a Porta, em comunicado enviado às redações, no qual acusa o presidente da Câmara de Loures, Ricardo Leão, de "contínuos ataques e perseguição" aos inquilinos de habitações municipais.

Na reunião pública de câmara realizada na quarta-feira, Ricardo Leão, autarca eleito pelo PS, avisou que "é para despejar, ponto final, parágrafo", um titular de contrato de arrendamento em habitação municipal se for "um criminoso que tenha participado" nos acontecimentos registados em vários bairros periféricos de Lisboa, em reação à morte de Odair Moniz, baleado por um agente policial.

As declarações do presidente da Câmara de Loures são "um incitamento ao ódio e ao preconceito contra as pessoas que vivem em habitação social", critica Rita Silva.

A Câmara Municipal de Loures aprovou na quarta-feira uma recomendação proposta pelo Chega que prevê o despejo de pessoas que cometam crimes.

A recomendação foi aprovada com os votos a favor de PS, PSD e Chega e contra de PCP, sublinhando que a perda do direito à habitação seria "uma dupla discriminação".

Com isto, a autarquia de Loures "coloca em causa a função social da habitação e visa usar o património municipal e o cerceamento a um direito constitucional como sanção penal às famílias mais desprotegidas", denuncia o Porta a Porta.

A recomendação aprovada assume "especial preocupação e gravidade, pois contribui para o agravamento do problema em vez de contribuir para a sua resolução", realça o movimento.

O Porta a Porta acusa Ricardo Leão de ter uma "cruzada contra o direito à habitação" em Loures, com o Vida Justa a juntar-se para recordar que o autarca tem procurado "arranjar constantemente justificações" para levar a cabo despejos no concelho.

Rita Silva lembra que cabe à justiça analisar os acontecimentos registados em vários bairros da Área Metropolitana de Lisboa desde 21 de outubro, dia da morte de Odair Moniz, e "aplicar as penas que tiver de aplicar".

O Porta a Porta também refere que a autarquia de Loures está a chamar "a si competências que apenas à justiça estão adstritas", criticando a intenção de "penalizar todo um agregado familiar com despejos".

"É muito preocupante que o presidente da Câmara de Loures, com as responsabilidades que tem, promova a ideia de que os direitos sociais sejam agora matéria para castigos adicionais sobre a população", constata Rita Silva.

Acresce que Ricardo Leão é também presidente da distrital do PS de Lisboa, o que coloca este partido a "encaminhar-se perigosamente para um terreno autoritário e antidemocrático", bem como "racista".

Na reunião de quarta-feira, Ricardo Leão referiu: "Tivemos cerca de 60 contentores danificados ao longo do concelho, alguém vai ter de os pagar."

Os tumultos em vários bairros da Área Metropolitana de Lisboa surgiram na sequência da morte de Odair Moniz, cidadão cabo-verdiano de 43 anos e morador no bairro do Zambujal, na Amadora.

Odair Moniz foi baleado por um agente da PSP na madrugada de 21 de outubro, no bairro da Cova da Moura, no mesmo concelho.

Segundo a PSP, o homem pôs-se "em fuga", de carro, depois de ver uma viatura policial e despistou-se na Cova da Moura, onde, ao ser abordado pelos agentes, "terá resistido à detenção e tentado agredi-los com recurso a arma branca".

A associação SOS Racismo e o movimento Vida Justa contestaram a versão policial e exigiram uma investigação "séria e isenta" para apurar responsabilidades, considerando que está em causa "uma cultura de impunidade" nas polícias.

A Inspeção-Geral da Administração Interna e a PSP abriram inquéritos e o agente que baleou o homem foi constituído arguido.

Desde o dia 21, registaram-se tumultos no Zambujal e noutros bairros da Área Metropolitana de Lisboa, onde foram queimados e vandalizados autocarros, automóveis e caixotes do lixo, somando-se cerca de duas dezenas de detidos e outros tantos suspeitos identificados. Sete pessoas ficaram feridas, uma das quais com gravidade.