Um suspiro de alívio varreu as grandes cidades francesas, onde se esperava uma noite agitada. Às 16h da tarde de domingo, uma dezena de camiões de polícia já estavam estacionados na Praça da República em Paris, à espera que a noite caísse e que chegassem as multidões. Em Rennes, foram proibidas quaisquer manifestações. Cerca de 67% da população foi às urnas para votar, um recorde desde 1997.

Vendo a Praça da República em Paris, nada sugeria que este seria um dia histórico. Durante a tarde, várias pessoas descansavam à volta da imponente estátua de Marianne, tatuada a grafiti da cabeça aos pés com slogans políticos. Num canto, uma pequena manifestação que nada tinha que ver com França quase passava despercebida, não fossem os altifalantes utilizados pelos participantes. Na esplanada situada no centro da praça, os habituados tomavam café como se nada fosse. Afinal de contas há sempre manifestações na Praça da República.

Com o trolley de compras atrás, Lila, de 65 anos, atravessou a Praça para alcançar a paragem de autocarro. Chegou a França há cerca de 40 anos e foi em Paris que estudou e trabalhou. Foi também em Paris que nasceram os seus filhos. Em pleno dia de eleições, disse não ter medo da extrema-direita: “Eduquei os meus filhos muito bem: um é médico e faz investigação em oncologia, o outro tabalha no automobilismo. Estou muito bem integrada, respeito os outros e gosto que me respeitem”, disse Lila ao Expresso, enquanto esperava pelo autocarro. Confessou, no entanto, estar apreensiva quanto ao aumento da discriminação contra as minorias, algo que já sentiu na pele: “Já senti essa falta de respeito. Uso véu na cabeça há 2 anos e recebo muitos olhares. Uma vez estava de muletas e uma francesa deu-me um encontrão no mercado, mas eu não tinha feito nada”.

Olivia, que esperava pela namorada na Praça da República, partilhava esta angústia: “Estou a atualizar os meus passaportes para que estejam prontos, caso seja necessário”, disse ao Expresso. “Penso que as pessoas têm mais receio do ambiente do que dos próprios resultados da eleição. No outro dia, atravessei a rua na passadeira e um carro parou e gritaram-me ‘Não estamos em Abidjan [cidade na Costa de Marfim]!’ Se continuar assim vou para a Alemanha, ao menos lá as pessoas não insultam os outros na rua”.

À saída do metro, Nicolas, de 20 anos, esperava por uma amiga. Disse ao Expresso ter aceitado o resultado que tomava como inevitável: a vitória do Reagrupamento Nacional de Marine Le Pen. “Já me conformei com a realidade. Esperemos que extrema-direita não obtenha uma maioria absoluta, mas não há mais nada a fazer”, disse o jovem estudante ao Expresso. Segundo a sua análise, a tensão tinha-se dissipado face a um resultado tão óbvio : “Não creio que haja mais tensão do que na noite das eleições europeias, que foi como um balde de água fria. Agora já sabemos que uma pessoa em cada três vota na extrema-direita, o que é uma pena, mas é o que é”.

Etienne e Marianne, ambos com 25 anos, tiveram a atitude oposta. Passaram a última semana no Norte de França, em Dieppe, uma pequena comuna onde o RN conquistou o primeiro lugar durante a primeira volta: “O objetivo era defender a barragem [republicana] em círculos eleitorais onde o resultado entre a esquerda e o RN estava bastante renhido”, explicou Etienne ao Expresso.

Fora das cidades, o ambiente é diferente

Depararam-se várias vezes com conversas difíceis, segundo os dois ativistas: “Disseram-me que não devia fazer estas coisas, nem interferir ou tentar evitar que alguém chegasse ao poder, porque é o que o povo quer”, disse Marianne ao Expresso. “Era impossível manter o mais pequeno debate com quem quer que seja. Debate não, era impossível manter uma discussão com alguma coerência. Ou seja, as poucas discussões que conseguimos ter muito rapidamente acabaram com grandes slogans [como “Poder de compra” ou “Imigração”] que as pessoas depois não sabiam descrever”, acrescentou Etienne.

Os dois jovens descreviam o ambiente nas pequenas comunidades rurais que visitaram como um ambiente muito diferente daquele que se observa em Paris, onde ambos vivem. É tenso, mas ninguém está angustiado: “Vivem numa paz e num sossego absoluto. Sentimo-nos muito desfasados porque eles estão muito longe dos problemas que denunciam. Onde eles vivem não há insegurança nem imigração, o que faz com que o voto seja ainda mais assustador”, explicou Etienne.

Por outro lado, a equipa de ativistas locais com quem trabalharam, e por quem foram recebidos, vive com um grande sentimento de impotência e de angústia. Segundo eles, a derrota face ao RN durante a primeira volta foi avassaladora na região. “Por isso mesmo é que mantêm um otimismo estratégico. Têm de se convencer que a vitória é possível”.

Jean-Baptiste, ativista da França Insubmissa, partilhava este otimismo estratégico: “Pessoalmente não me sinto muito pessimista, prefiro esperar para ver. Fizemos o nosso melhor por uma vitória da esquerda, e 200 deputados do RN é sempre melhor do que 300.” O jovem estudante de doutoramento vive em Aubervilliers, onde a esquerda foi eleita durante a primeira volta, portanto não teve que ir votar domingo. Passou o dia a festejar a despedida de solteiro de um amigo, de onde falou com o Expresso. “Seja qual for o resultado, dar um salto à Praça da República faz parte do programa da despedida de solteiro”, disse o jovem.

Os resultados da segunda e última volta das legislativas foram anunciados às 20h, pouco depois de todas estas conversas com o Expresso, em Paris. A coligação de esquerda bateu todas as expectativas e alcançou o primeiro lugar dos sufrágios, a extrema-direita caiu para o terceiro lugar, atrás do campo presidencial. Para todos estes franceses, seguramente para muitos outros, o salto à Praça da República será, afinal, um de celebração.