É cada vez mais frequente a menção da máxima “no melhor interesse da criança” quando abordamos o acesso aos produtos e serviços digitais (tal como referido por Sonia Livingstone e colegas, no relatório intitulado “Best interests of the child in the digital environment”, de 2024).

E em muitas iniciativas assim o é: competência com hardware e software para desenvolvimento de projetos e momentos de avaliação na escola, desenvolvimento de literacia digital que permita gestão de riscos online, socialização digital com amigos (e.g., através de envio de SMS) que, hoje em dia, os especialistas destacam como uma parte integrante da socialização, na ausência de prejuízo de outras interações presenciais e práticas desportivas coletivas, tidas como parte integrante da promoção de bem-estar na infância e adolescência.

Todavia, outros direitos da criança poderão ser abalroados quando o ambiente digital se torna pervasivo e em substituição de tarefas, contextos, e oportunidades fora do mundo online.

Crianças e adolescentes que explorem o potencial do telemóvel de uma forma autónoma e sem supervisão podem ver-se frente a frente com desafios inapropriados para o seu nível de desenvolvimento, que, por falta de maturidade e competências adequadas de gestão, poderão provocar mal-estar psicológico e desconforto físico.

O uso de telemóveis no contexto escolar tem suscitado posições diferentes; a banalização da posse de smartphone e o elevado interesse das crianças e jovens por esta tecnologia, assim como a possibilidade de uso em contexto de aula como veículo de aprendizagem, têm sido defendidos por alguns.

Mas, valerá a pena o uso?

Vários estudos destacam numerosos riscos, entre eles a clara ameaça da adição ao telemóvel e às atividades/conteúdos que ele alberga.

A ciência documenta que a dependência do “like” nas redes sociais, o phubbing no recreio (ignorar o interlocutor no contexto social através do uso do telemóvel pessoal e assim privilegiar a interação com o ecrã ao invés da interação com o amigo ou colega que está à sua frente) e a nomofobia (medo intenso de não estar contactável ou de não conseguir usar o seu telemóvel) são apenas algumas das experiências negativas com as quais crianças e jovens que têm um uso abusivo de telemóvel se debatem hoje em dia.

Mais, alguns estudos apontam para a ligação entre o uso de telemóvel na escola e o aumento de bullying em contexto escolar e do ciberbullying, o que levou escolas em vários países a banirem o seu uso.

É curioso ver que num estudo recentemente feito com 27.177 crianças e adolescentes da Chéquia (7-17 anos), 41,20% destes exprimiu a opinião de que a utilização dos telemóveis deveria ser proibida durante as aulas e intervalos escolares (ver Kopecký et al., 2021).

Em escolas sem telemóvel, observa-se que as atividades mais frequentes incluem passear ou sentarem-se com amigos/colegas no recreio, sentirem-se aborrecidos, lerem livros, praticarem desportos e jogos de cartas. As nossas crianças e adolescentes precisam destas experiências (incluindo a gestão do aborrecimento sem um smartphone à mão), para um saudável desenvolvimento físico e psicológico, e melhor preparação para os desafios do futuro.

Considerando as vantagens e os riscos, e sabendo que ter um telemóvel disponível na infância e adolescência não é sinónimo de bom uso, é importante que o acesso ao telemóvel seja conquistado com regras claras de utilização, haja uma supervisão parental do conteúdo e tempo de utilização limitado (seguindo as recomendações da Organização Mundial da Saúde). E que haja contextos livres da presença desta tecnologia, onde a comunicação face a face seja dominante e o desenvolvimento das competências físicas e sociais (através da brincadeira, da leitura do outro durante uma conversação presencial, entre tantas outras aprendizagens cruciais) seja promovido, sendo o contexto escolar o privilegiado para tal.

Avancemos então para uma escola livre de telemóveis.

Texto: Filipa Pimenta, PhD - Ispa - Instituto Universitário - William James Center for Research