David Pelicot recordou o dia em que soube que o pai permitiu, durante décadas, que a mãe, Gisèle Pelicot, fosse abusada sexualmente por dezenas de desconhecidos. Em entrevista à Sky News, o filho da visada assume que Dominique “é um monstro” e que deixou de considerá-lo pai.

O dia 2 de novembro de 2020 ficará cravado na memória de David para sempre. Foi nesse dia que a mãe o contactou por telefone para lhe contar as atrocidades a que foi sujeita durante anos.

“Disse-me para ir para um sítio onde pudesse estar sozinho porque o que ela me ia contar era tão inacreditável que eu precisava de estar sozinho e o que ela me ia contar ia ser um enorme tsunami porque ela ia dizer-me que tinha sido abusada por muitas pessoas. Que Dominique Pelicot , o seu ex-marido, a tinha dado a estranhos para a violarem”.

Depois de saber da trágica novidade, confessa que o chão lhe fugiu e que, de imediato, teve de correr até à casa de banho para vomitar.

“Ele era o meu pai, agora já não é"

Apesar dos atos horrendos a que sujeitou a esposa, Dominique, de acordo com David, transmitiu-lhe ensinamentos sobre como respeitar as mulheres, motivo que aumenta o sentimento de raiva e incompreensão para com o sucedido.

Agora, assume que vida familiar foi “completamente apagada” pelos abusos confessados pelo progenitor.

“Ele era o meu pai, agora já não é. Hoje é um monstro.”

Revela ainda que, juntamente com os restantes familiares, “está muito orgulhoso” por Gisèle Pelicot ter conseguido enfrentar o julgamento das dezenas de intervenientes nos vários abusos.

“A minha mãe está a tentar reconstruir a sua vida pouco a pouco. Ela viveu o inimaginável e a mais completa abjeção durante este julgamento. Mas temos de continuar a viver, a dar sentido à nossa vida, e não esquecer que no mundo há outras mulheres que não podem falar e que têm de ser ajudadas”, afirma.

David Pelicot informa ainda que foi contactado pelo pai, que pediu perdão pelo que fez. No entanto, o pedido foi, obviamente, negado.

“Ele vai morrer na prisão de qualquer maneira, pois é lá que ele pertence, e pessoalmente, tenho a certeza de que vai levar muitos segredos para o túmulo”, aponta.

Diz também que, apesar de todos os contornos sórdidos deste caso, há aspetos positivos a destacar, nomeadamente o facto de ter motivado outras vítimas de abusos sexuais a exporem as situações por que passaram.

Cinquenta condenados

Para além de Dominique Pelicot, o processo de Avignon resultou na condenação de 50 outros acusados de violação de Gisèle sob o efeito de drogas, com idades compreendidas entre os 27 e os 74 anos, dos quais 17 recorreram da sentença, sem contar com Dominique, que só comparecerá como testemunha no novo julgamento.

O julgamento do recurso dos 13 arguidos condenados que não retiraram o pedido terá lugar de 06 a 21 de outubro em Nîmes, no sul da França. Dominique Pelicot está ainda a ser acusado pela unidade de "casos arquivados" de Nanterre por uma tentativa de violação em 1999 e por uma violação e posterior homicídio de uma agente imobiliária de 23 anos em Paris, em 1991.