O Ministério Público francês pediu hoje a pena máxima de 20 anos de prisão para Dominique Pelicot por ter, ao longo de uma década, drogado, violado e mandado violar a sua mulher, Gisèle Pelicot, por dezenas de desconhecidos.

"Isto é demasiado e demasiado pouco. Muito pouco, tendo em conta a gravidade dos atos cometidos e repetidos", insistiu uma das duas representantes da acusação, Laure Chabaud, na abertura das alegações finais perante o tribunal penal de Vaucluse, em Avignon, no sudeste de França.

Para o Ministério Público francês, o que está em causa neste processo de múltiplas violações a Gisèle Pelicot de 71 anos, pelo seu agora ex-marido e por dezenas de homens recrutados na Internet entre 2011 e 2020, é "mudar fundamentalmente as relações entre homens e mulheres".

"Este processo abalou a nossa sociedade em termos da nossa relação com os outros, em termos das relações mais íntimas entre os seres humanos", afirmou Jean-François Mayet, acrescentando que o que está em causa não é apenas "uma condenação ou uma absolvição".

Depois de quase três meses de audiências, o julgamento começa a aproximar-se do fim com os pedidos de condenações dos procuradores para os 51 acusados, começando hoje pelo "maestro" das violações, Dominique Pelicot, de 72 anos, que reconheceu ter drogado Gisèle com ansiolíticos para a violar e permitir que dezenas de desconhecidos a violassem na casa do casal em Mazan.

"Sou culpado do que fiz. Arruinei tudo, perdi tudo. Tenho de pagar", afirmou Dominique Pelicot em setembro, assumindo-se como um violador.

Para Laure Chabaud, o principal arguido tem "plena e total responsabilidade" e era "inconcebível que Gisèle Pelicot tivesse ingerido deliberadamente os ansiolíticos" que a fizeram perder os sentidos, como forma de desmentir os argumentos de alguns advogados de defesa desde o início do processo, a 02 de setembro.

"A sua procura de prazer [de Dominique Pelicot] traduziu-se num desejo de subjugar a mulher, de humilhar e mesmo de degradar, através dos seus atos e palavras, a pessoa que mais estimava no mundo", acusou a procuradora-adjunta.

O procurador-geral adjunto Jean-François Mayet elogiou a coragem e a "dignidade" de Gisèle Pelicot, que se tornou num ícone feminista depois de se recusar a ter um julgamento à porta fechada "para que a vergonha mudasse de lado" no caso em que os arguidos respondem por 200 crimes de violação.

A maioria dos outros 50 arguidos, com idades entre os 26 e 74 anos, acusados de violação agravada podem também ser condenados até 20 anos de prisão, após o veredito previsto até 20 de dezembro, em que a individualização das penas é obrigatória para distinguir as condenações, tendo em conta se assumiram ou não os seus atos e a quantidade de violações.

Por coincidência, esta fase do processo teve início no Dia Internacional para a Eliminação da Violência contra as Mulheres, 25 de novembro, após um fim de semana marcado por várias manifestações feministas pelo país, em que muitos manifestantes referiram este julgamento que está a marcar não só a França mas também o mundo.

Hoje, o governo francês anunciou a extensão do sistema que permite às mulheres vítimas de violência sexual apresentarem queixa num hospital junto do serviço de urgência ou de ginecologia, segundo a secretária de Estado para a Igualdade entre Mulheres e Homens, Salima Saa.