
O XXIV Governo Constitucional completa na quarta-feira um ano desde que tomou posse, mas já como executivo demissionário, em gestão, e sem certezas de continuidade, uma vez que estão marcadas eleições antecipadas para 18 de maio.
A 02 de abril do ano passado, na tomada de posse no Palácio de Ajuda, o primeiro-ministro, Luís Montenegro, defendeu -- numa tese que repetiu várias vezes -- que a não rejeição do programa do Governo significava "permitir a sua execução até ao final do mandato ou, no limite, até à aprovação de uma moção de censura".
Nesse discurso, Montenegro nunca aludiu à hipótese de apresentação de moções de confiança por parte do Governo, mas foi por essa via que o executivo caiu, quando o parlamento rejeitou esse documento a 11 de março, apenas um ano e um dia após as eleições que ditaram a vitória da coligação AD (PSD/CDS-PP/PPM) sobre o PS por cerca de 50.000 votos.
Os primeiros meses do Governo minoritário PSD/CDS-PP ficaram marcados por muitos "pacotes" e "agendas" em várias áreas, pela decisão sobre a localização do futuro aeroporto em Alcochete -- consensualizada com o PS - e por acordos de valorização de diversas carreiras, como professores e polícias, a par de muitas mudanças em cargos de topo.
A primeira decisão do XXIV Governo Constitucional foi assumidamente simbólica: a alteração do logótipo oficial utilizado na comunicação do executivo, repondo elementos como a esfera armilar com escudo, quinas e castelos.
O Governo foi legislando umas vezes por decreto -- o reforço do Complemento Solidário para Idosos, a gratuitidade de medicamentos para estes idosos ou o fim do regime da manifestação de interesse como porta de entrada para os imigrantes foram decididas por esta via -, outras pela Assembleia da República, apesar da difícil aritmética parlamentar, já que PS e PSD têm o mesmo número de deputados, 78.
De acordo com o site do parlamento, o Governo apresentou 55 propostas de lei, das quais 28 foram aprovadas em votação final global, entre elas a isenção de vários impostos para os jovens até 35 anos na compra da primeira casa, outra das medidas considerada emblemática por este executivo.
No entanto, nem todas as medidas do Governo saíram do parlamento como entraram, como a redução do IRS, em que a versão aprovada foi do PS.
Por outro lado, foram também aprovados vários diplomas contra a vontade dos partidos que apoiam o Governo, sobretudo do PS, como a eliminação de portagens nas antigas SCUT ou o aumento extraordinário das pensões mais baixas.
A partir do verão, começou a dramatização à volta da aprovação do Orçamento do Estado: sem acordo total nos encontros entre Luís Montenegro e Pedro Nuno Santos, o PS acabou por abster-se e viabilizar o documento, depois de o executivo ter reduzido para metade a sua proposta de descida do IRC e aceitado o desenho proposto pelos socialistas para o IRS jovem.
Com esta aprovação, o Governo parecia ter ganhado um fôlego de mais de um ano, já que o Presidente da República está impedido de dissolver o parlamento e convocar eleições a partir de 09 de setembro.
No final do ano, marcaram a agenda os problemas nas áreas da saúde -- a morte de 11 pessoas durante uma greve do INEM -- e da segurança, com distúrbios na Grande Lisboa após a morte de Odair Moniz e rusgas policiais na zona do Martim Moniz.
Luís Montenegro foi segurando todos os ministros e deu ele próprio a cara, em várias ocasiões, por áreas setoriais, como numa inédita conferência de imprensa às 20:00 a partir da residência oficial centrada num balanço de operações policiais.
A primeira e única remodelação no Governo aconteceu a 13 de fevereiro, mais de dez meses após a sua posse, com a substituição de seis secretários de Estado, mas sem mudança de qualquer ministro.
Na origem, esteve a demissão de Hernâni Dias, que criou uma empresa imobiliária já depois de ser governante, tutelando a chamada 'lei dos solos'.
Inesperadamente, este foi o início de um mês frenético que culminaria com a queda do atual Governo: a 15 de fevereiro, surgem as primeiras notícias sobre a empresa da família do primeiro-ministro, a Spinumviva, e rapidamente se multiplicam dúvidas da oposição sobre eventuais conflitos de interesses e acusações de falta de transparência a Luís Montenegro.
Duas moções de censura ao Governo depois (de PCP e Chega, ambas rejeitadas) e de uma comissão de inquérito proposta pelo PS, o primeiro-ministro anuncia a 05 de março uma moção de confiança justificada com a necessidade de "clarificação política", que viria a ser rejeitada no dia 11 e o Governo demitido.
Numa comunicação ao país, depois de ouvir partidos e Conselho de Estado, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, concluiu que "não havia meio caminho" para resolver "este choque, não apenas legal, nem político, mas sobretudo de juízo ético ou moral sobre uma pessoa e sua confiabilidade, o primeiro-ministro", apenas lhe restando a marcação das terceiras legislativas antecipadas em três anos.
Sem vozes críticas assumidas no PSD, Montenegro viu o Conselho Nacional do partido aprovar por unanimidade a sua recandidatura a primeiro-ministro, numa campanha que promete centrar "no sucesso da governação", desafiando o PS a demonstrar que poderá ter melhores resultados.