Os deputados israelitas aprovaram esta segunda-feira uma lei que poderá ameaçar o trabalho da agência das Nações Unidas para os refugiados palestinianos (UNRWA), que presta ajuda à população de Gaza, impedindo-a de operar em solo israelita e considerando-a como um grupo terrorista.
O projeto de lei proíbe a UNRWA de realizar “qualquer atividade” ou de prestar qualquer serviço dentro de Israel.
A legislação, que não entrará em vigor imediatamente, arrisca-se a colapsar o frágil processo de distribuição de assistência em Gaza, numa altura em que a crise humanitária no enclave se está a agravar e em que Israel se encontra sob crescente pressão dos Estados Unidos (EUA) para reforçar a ajuda aos palestinianos.
A votação foi aprovada por 92-10 após um debate aceso entre os defensores da lei e os seus opositores, na sua maioria membros de partidos parlamentares árabes. Um segundo projeto de lei que corta os laços diplomáticos com a UNRWA foi também aprovado esta segunda-feira, que declarou a agência humanitária como uma organização terrorista.
Em conjunto, estes projetos de lei assinalam um novo retrocesso nas relações entre Israel e a UNRWA, acusada por Israel de estabelecer laços estreitos com os militantes do grupo islamita Hamas. Os projetos de lei põem em risco o fluxo de ajuda humanitária para Gaza, que enfrenta uma escassez generalizada de alimentos, água e medicamentos e onde mais de 1,9 milhões de palestinianos se encontram deslocados das suas casas.
Líder da UNRWA condena “castigo coletivo” a trabalhadores humanitários
O comissário-geral da agência das Nações Unidas para os refugiados palestinianos (UNRWA) condenou o “castigo coletivo” imposto pelo parlamento israelita, e alertou para “um precedente perigoso”.
Philippe Lazzarini disse na rede social X (antigo Twitter) que se trata de uma medida “sem precedentes” e que contraria a Carta das Nações Unidas e as obrigações de Israel ao abrigo do direito internacional.
“Esta é a mais recente campanha em curso para desacreditar a UNRWA e deslegitimar o seu papel na prestação de assistência e serviços de desenvolvimento humano aos refugiados da Palestina”, comentou Lazzarini, que deixou o alerta de que a nova legislação apenas irá “aprofundar o sofrimento dos palestinianos, especialmente em Gaza, onde as pessoas têm atravessado "mais de um ano de puro inferno”
Segundo Lazzarini, estas leis “não são nada menos do que um castigo coletivo” e, se forem implementadas, irão “privar mais de 650.000 meninas e meninos da educação, pondo em risco uma geração inteira de crianças” e prolongando o sofrimento dos palestinianos. “Pôr fim à UNRWA e aos seus serviços não retirará aos palestinianos o seu estatuto de refugiados. Este estatuto é protegido por outra resolução da Assembleia-Geral da ONU até que seja encontrada uma solução justa e duradoura” para a situação dos habitantes da Palestina, observou o responsável da agência das Nações Unidas.
Caso estas propostas não sejam rejeitadas, disse ainda, será enfraquecido “o mecanismo multilateral comum estabelecido após a Segunda Guerra Mundial”, o que deve ser uma “preocupação de todos”
Portugal condena lei israelita que proíbe atuação da UNRWA no país
O Governo português condenou a legislação aprovada pelo Parlamento israelita que dificulta as operações da agência das Nações Unidas para os palestinianos, apontando que “os serviços essenciais de ajuda humanitária da UNRWA ficam em causa”.
“Portugal condena a aprovação de legislação pelo Knesset [Parlamento israelita] que revoga os privilégios e imunidades da UNRWA inviabilizando a ação em Gaza e na Cisjordânia”, sublinhou o Ministério dos Negócios Estrangeiros, numa publicação na rede social X.
O ministério liderado por Paulo Rangel frisou ainda que “os serviços essenciais de ajuda humanitária da UNRWA ficam em causa” com a aprovação desta lei.
“Com as Nações Unidas e outros parceiros continuamos a apoiar a UNRWA”, pode ler-se ainda.
Israel tem sido muito crítico em relação à agência da ONU e as suas relações têm-se vindo a deteriorar desde o início da guerra em Gaza entre Israel e o Hamas, a 7 de outubro de 2023, com o Governo israelita a acusar alguns funcionários da UNRWA de terem estado envolvidos no ataque do movimento islamita palestiniano no sul de Israel. O governo israelita também afirmou que centenas dos milhares de funcionários da agência têm ligações a militantes e que encontrou equipamento militar pertencente ao Hamas perto ou debaixo das instalações da UNRWA.
A agência negou prestar conscientemente ajuda a grupos armados e afirmou atuar rapidamente para expulsar quaisquer suspeitos de serem militantes.
Os projetos de lei, que não incluem disposições para que organizações alternativas supervisionem o seu trabalho, foram fortemente criticados por grupos de ajuda internacional e por aliados ocidentais de Israel, como os Estados Unidos e o Reino Unido. Também a União Europeia manifestou “grande preocupação”.
A UNRWA, criada pela Assembleia Geral da ONU em 1949, é responsável pela gestão de centros de saúde e escolas em Gaza e na Cisjordânia ocupada por Israel e é considerada a “espinha dorsal” da ajuda internacional a Gaza, que se encontra numa situação de catástrofe humanitária.
Os projetos de lei entrarão em vigor 60 a 90 dias após o Ministério dos Negócios Estrangeiros de Israel ter notificado a ONU, de acordo com o porta-voz do deputado Dan Illouz, um dos copatrocinadores de um dos projetos de lei. “Se for aprovado e implementado, será um desastre”, afirmou Juliette Touma, diretora de comunicação da agência.
“A UNRWA é a maior organização humanitária em Gaza. Quem é que pode fazer o seu trabalho?”, questionou.
Outras notícias:
⇒ O primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, acusou hoje o Irão de estar a tentar construir bombas nucleares para destruir Israel e ameaçar o mundo inteiro. “O Irão está a tentar construir bombas nucleares com o objetivo de destruir Israel, transportadas por mísseis de longo alcance. Pode ameaçar o mundo inteiro a qualquer momento”, disse Netanyahu na sessão de abertura do Parlamento israelita;
⇒ O Ministério da Saúde do Governo da Faixa de Gaza denunciou esta segunda-feira que Israel está a tentar “abortar” a campanha de vacinação contra a poliomielite impedindo o acesso ao norte do enclave. O ministério adverte de que, devido a tais obstáculos, “a campanha corre o risco de fracassar, o que significa que a epidemia de poliomielite continuará a existir, ameaçando não só a Faixa de Gaza, mas também toda a zona circundante”;
⇒ O Presidente norte-americano, Joe Biden, defendeu de forma insistente um cessar-fogo e o fim da guerra na Faixa de Gaza, depois de ter votado em Wilmington, no estado de Delaware, para as eleições presidenciais nos Estados Unidos. “Precisamos de um cessar-fogo. Precisamos de parar esta guerra. Tem de parar, tem de parar, tem de parar”, declarou aos jornalistas o Presidente norte-americano;
⇒ Os ministros dos Negócios Estrangeiros do Irão e da Arábia Saudita defenderam a importância de evitar uma “desestabilização” da região como um todo, após a ofensiva israelita contra a Faixa de Gaza e ataques no Líbano e Síria. O ministro iraniano Abbas Araghchi e o homólogo saudita, Faisal bin Farhan, mantiveram uma conversa telefónica na qual alertaram para as possíveis repercussões de uma escalada a nível regional e reiteraram a necessidade de se adotarem medidas de contenção, após o ataque de sábado perpetrado por Israel contra o território iraniano em resposta ao lançamento de ‘rockets’;
⇒ O movimento xiita libanês Hezbollah afirmou hoje ter disparado morteiros sobre uma base naval próxima da cidade de Haifa, no norte de Israel, enquanto o exército israelita efetuava vários ataques no sul do Líbano, nomeadamente à cidade de Tiro. Uma “salva de morteiros” foi disparada “sobre a base naval de Stella Maris, a noroeste de Haifa”, precisou o movimento islamita libanês num comunicado.