Foi Presidente dos Estados Unidos de 1977 a 1981, mas o seu legado vai muito além da passagem pela Casa Branca. A carreira pós-presidencial em prol da democracia e da paz mundial, baseada no Carter Certer que fundou em Atlanta, justificaram o Prémio Nobel da Paz que lhe foi atribuído em 2002.

O histórico teatro Fox em Atlanta apresentou um concerto com milhares de convidados para comemorar o 100º aniversário do antigo Presidente dos EUA e também ex-governador da Geórgia.

Numa altura em que os Estados Unidos estão a pouco mais de um mês das eleições que irão escolher o próximo Presidente, vale a pena olhar para o percurso deste líder democrata que conseguiu alcançar alguns consensos, tão necessários numa atualidade internacional conturbada que o eleito a 5 de novembro terá de enfrentar.

Apesar do frágil estado de saúde, Jimmy Carter animou-se com a candidatura de Kamala Harris. Segundo depoimentos da família, o antigo Presidente está a falar mais e a reagir ao entusiasmo da candidata democrata.

Nascido a 1 de outubro de 1924, Jimmy Carter foi o Presidente que mais tempo viveu depois de sair da Casa Branca e também o Presidente norte-americano com maior longevidade, superando em 2019 a senioridade de George H.W. Bush, que morreu com 94 anos.

O 39.º Presidente dos EUA tem sido elogiado não apenas pela longevidade, mas pelos feitos alcançados pela sua Administração e pelo trabalho humanitário global que desenvolveu posteriormente. E, como o também ex-Presidente norte-americano Barack Obama afirmou numa homenagem ao aliado democrata, “por encontrar sempre novas maneiras de nos lembrar que todos fomos criados à imagem de Deus”.

Rosalynn Carter, mulher e conselheira do antigo Presidente democrata morreu a 19 de novembro de 2022, aos 96 anos, na sequência de uma prolongada demência e muitos meses de deterioração do seu estado da saúde. A antiga primeira-dama passou os últimos dias de vida em casa sob cuidados paliativos, em Plains, no estado da Georgia.

Cidade onde nasceu, Plains é também desde fevereiro de 2023 o local escolhido por Jimmy Carter para passar a fase final da sua vida, junto da família e onde recebe cuidados paliativos.

Oriundo de uma família tradicional de Plains, que se dedicava ao cultivo de amendoim, começou por virar as costas à terra. Formou-se pela Academia Naval dos Estados Unidos, no estado de Maryland, em 1946. Nesse mesmo ano casou-se com Rosalynn Smith, tiveram três filhos e uma filha.

Após a morte do pai, em 1953, acabaria por regressar a Plains para administrar a exploração de amendoim da família.

De produtor de amendoim a 39.º Presidente dos EUA


Ingressou no Partido Democrata e foi eleito para a Assembleia Legislativa da Georgia em 1962 e em 1964. Foi governador da Georgia por um mandato no início da década de 70, no qual deu prioridade às políticas a favor dos direitos dos negros e das mulheres.

Seguiu depois na corrida à Presidência dos Estados Unidos. Foi escolhido pelo Partido Democrata para desafiar o Presidente Gerald Ford. Carter era um candidato tão improvável que o próprio admitiu que a mãe estranhou a sua candidatura e lhe perguntou: “Presidente de quê?”

Steve Helber

Em resposta, com o objetivo de se tornar um nome reconhecido, começou a fazer campanha cedo. Foi uma luta renhida contra Ford, que acabou por vencer com uma escassa margem, uma vitória na qual beneficiou do impacto do escândalo Watergate.

Na tomada de posse, o novo Presidente e a mulher Rosalynn recusaram a limusina e caminharam do Capitólio até a Casa Branca, num estilo de simplicidade e proximidade, que acabou por marcar a sua passagem pela Presidência dos Estados Unidos.

Pontos relevantes da Presidência de Carter

Jimmy Carter marcou pela diferença ao apostar numa política de conservação de energia, ao revelar uma sensibilidade e preocupção ambiental muito invulgares para a época. Mandou instalar painéis solares na Casa Branca e pediu aos norte-americanos maior cuidado no consumo energético.

Harvey Georges

"Aprendi cedo que se cuidarmos da terra, ela cuidará de nós", disse Carter, que valorizava as suas origens próximas da natureza que lhe conferiram uma maior sensibilidade para as questões ecológicas. Estas motivações contribuíram para que fosse responsável pela criação dos departamentos de energia e educação.

A nível internacional, o acordo de paz entre Israel e o Egito que Carter arquitetou em negociações pessoais em Camp David, em 1978, foi talvez o momento mais relevante do seu mandato.

O Presidente egípcio e o primeiro-ministro israelita chegam a acordo em Camp David, em 1978, sob a mediação de Jimmy Carter.
O Presidente egípcio e o primeiro-ministro israelita chegam a acordo em Camp David, em 1978, sob a mediação de Jimmy Carter. Anonymous

Alcançou também a ratificação dos tratados que concederam aos Estados Unidos o controle do Canal do Panamá, retomou as relações diplomáticas totais com a China e, em 1980, quando a então União Soviética invadiu o Afeganistão, decidiu cancelar a participação dos desportistas norte-americanos nos Jogos Olímpicos de Moscovo.

Ainda com a antiga União Soviética, Jimmy Carter e Leonid Brezhnev assinaram o acordo SALT-II sobre limitações e diretrizes relativas ao uso de armas nucleares. Contudo, o tratado nunca entrou formalmente em vigor e foi considerado um dos acordos EUA-União Soviética mais controversos da Guerra Fria.

Instantes da vida de Jimmy Carter: da presidência ao Nobel da Paz

Edição de imagem - Ana Isabel Pinto

Invasão da embaixada dos EUA em Teerão ditou o fracasso na reeleição

O mandato de Carter acabou por se tornar atribulado. Carter liderou um país que enfrentava a subida das taxas de juro e da inflação. Alcançou conquistas importantes na política internacional, mas sofreu um sério revés com a invasão da embaixada dos Estados Unidos em Teerão.

A 4 de novembro de 1979, estudantes, apoiados pelos guardas que faziam a segurança do edifício, invadiram a embaixada, em protesto ao apoio dado pela administração Carter ao Xá Reza Pahlavi, líder iraniano no exílio, derrubado por um movimento revolucionário que meses antes tinha transformado o Irão numa república islâmica teocrática, liderada pelo aiatolá Ruhollah Khomeini.

Mais de 50 pessoas estiveram como reféns na embaixada durante 444 dias. Carter tentou negociar e acabou por ordenar a tentativa de resgate militar que falhou desastrosamente. Oito americanos morreram naquele que foi o momento mais sombrio do mandato de Carter.

Durante a ocupação, um grupo de seis cidadãos norte-americanos fugiu e esteve escondido com a ajuda do embaixador canadiano. Uma operação, que acabou por inspirar a produção de Hollywood “Argo”, resgatou-os e levou-os para casa. Os restantes reféns só foram libertados após a derrota de Carter.

Os 52 reféns norte-americanos foram libertados em janeiro de 1981, um dia depois da tomada de posse do republicano Ronald Reagan como Presidente dos EUA, depois de no ano anterior a missão das forças especiais norte-americanas ter fracassado.

As missões diplomáticas e o papel do Carter Center

Depois da derrota e de um final de mandato conturbado, Carter retirou-se aos 56 anos para a cidade natal. Em 1982, juntamente com a mulher Rosalynn, fundaram o Carter Center, uma organização sem fins lucrativos com o objetivo de promover a paz e os direitos humanos que oferecia “oportunidades superiores para fazer o bem”, como disse mais tarde o antigo Presidente norte-americano.

AP

O homem que admitiu que muito o consideravam “um Presidente fracassado” acabou por se transformar no ex-Presidente mais ativo a nível internacional. “O meu papel como ex-Presidente provavelmente é superior ao de outros Presidentes”, admitiu numa entrevista em 2010.

Carter considerou mesmo que o seu centro “preenchia os vazios no mundo. Quando os Estados Unidos não conseguem lidar com questões problemáticas, nós vamos lá”.


Carter foi “onde outros não foram”, como o próprio disse em 1994. Esteve na Etiópia, Libéria e Coreia do Norte, onde conseguiu a libertação de um norte-americano que tinha sido preso na zona de fronteira em 2010. Ajudou a supervisionar processos eleitorais na Nicarágua, no Haiti e nas primeiras eleições palestinianas.

Nobel da Paz, autor de dezenas de livros e catequista

Por tudo isto, em 2002, foi distinguido com o Nobel da Paz pelas “décadas de esforço incansável” para resolver conflitos, promover a democracia e fomentar o desenvolvimento económico. No mesmo ano, Carter esteve em Cuba, encontrou-se com Fidel Castro e depois fez um discurso televisivo no qual pediu o fim do embargo comercial dos EUA.

Tal como em Cuba, também em relação ao Iraque, a intervenção do antigo Presidente causou a irritação do líderes políticos norte-americanos. Carter criticou a guerra do Iraque que acusou de ser “baseada em mentiras” e, disse ainda, que George W. Bush foi o pior Presidente da História dos EUA ao nível da política internacional.

Além da carreira diplomática que desenvolveu a partir do Centro Carter de Atlanta, escreveu ainda dezenas de livros desde que deixou a Casa Branca, além de dar catequese todas as semanas na Igreja Baptista da sua cidade natal.

John Bazemore/ AP

Em 2015, a aparente saúde de ferro começou a ceder e anunciou que sofria de um problema oncológico. Depois de seis meses de radioterapia, garantiu ter concluído com sucesso o seu tratamento contra um tumor. Uma longevidade que surpreendia as probabilidades médicas, dado que o cérebro e o fígado já teriam sido afectados.

Contudo, em 2019 voltou a ser confrontado com uma série de problemas de saúde e desde então foi submetido a vários tratamentos e internamentos hospitalares.

"Após uma série de breves internamentos no hospital, o ex-Presidente dos Estados Unidos Jimmy Carter decidiu passar o tempo que lhe resta em casa com a sua família e receber cuidados paliativos, em vez de se sujeitar a mais intervenções médicas", anunciou o Carter Center no Twitter, a 18 de fevereiro de 2023.