A avó, que a tem criado desde a morte da mãe, está na machamba, na terra de cultivo, e Solange, que timidamente poupa as palavras diante de desconhecidos, traduz, baixinho, o desejo de prosseguir os estudos: "[Quero] estudar para aprender muita coisa. E também para eu estar feliz, com os meus amigos, para não estar triste toda a hora".

Num bairro especialmente pobre de Chimoio, cidade do centro de Moçambique já próxima da fronteira com o Zimbabué, pressente-se a solidão dos dias da jovem, uma vez longe da escola: "Não há pessoas mais velhas [em casa]", porque a avó "está na machamba", e a companhia resume-se à presença do irmão.

Os discursos políticos de aposta na educação não lhe têm trazido material básico como lápis, borrachas e canetas a casa, nem trazem conforto face à necessidade de angariar dinheiro suficiente para qualquer exigência escolar, como fichas e manuais, sobretudo agora que está no secundário.

Solange quer ser enfermeira. Daniel, de 16 anos, vive a escassos metros de Solange, com os avós, também ele órfão, desde os 5 anos.

É precisa a ajuda de um líder comunitário para chegar ao lar da avó de Daniel, uma habitação perdida num labirinto de casas gémeas exíguas, erguidas em fiadas de tijolos tingidos por um tímido reboco e cujas portas são feitas de simples panos pendurados, que não afastam o calor nem tão pouco resguardam do frio.

Estes bairros têm a particularidade de parecerem estar longe de tudo, às vezes até da esperança, distantes de qual noção de superação. Daniel desmente essa ideia, enquanto os pés afagam a terra, como que a sossegar o nervosismo: "Eu quero ser polícia para ajudar os outros que passam necessidades difíceis. (...) Se eu posso ser alguém, posso fazer o mesmo também [pelos outros]".

A avó tem uma cadeira de plástico na terra batida que circunda a casa, sobre a qual deixa uma bandeja com alguns sacos de amendoim para vender a quem passa, cada um ao preço de dez meticais, que não chega aos 15 cêntimos de euro. "É para sustento dele. É preciso um valor para ele pagar na escola. Pagar brochuras [fichas de exercício], cada vez mais, canetas e cadernos", explica.

Ao esforço dos avós, o jovem, que gosta de matemática e português e está entre a metade dos moçambicanos que terminam o ensino primário, responde com gratidão, mas rende-se à realidade: "A minha avó, com o negócio que está fazendo, não dá para o sustento aqui da casa e da escola", admite.

Ao enumerar a escassez de material, que vai também das canetas aos cadernos, passando pelos lápis e borrachas, junta uniforme e sapatos, mas também o sonho envergonhado de ter um telemóvel "para entrar na internet para que possa fazer outros trabalhos para a escola".

Ele que, como muitos outros menores, sente a urgência e cada vez mais a vertigem de tomar uma decisão: persistir, apesar de tudo, nos estudos, ou resignar-se a desistir da escola para procurar trabalho e ajudar no orçamento familiar. Para já, expressa a determinação: "[Quero] estudar para alcançar o meu futuro".

Genifa Cuombe é responsável pela área de direitos humanos da MIA - Mozambique Initiative Association, uma associação juvenil dedicada ao ativismo, que acompanha esta e outras crianças, envolvida em áreas que vão desde a saúde ao ambiente, mas muito dedicada à doação de material escolar.

"O objetivo maior é apoiar as famílias vulneráveis, porque temos aqui muitas diferenças sociais, temos questões de pobreza até à absoluta [pobreza]", assinala, destacando que o foco é "mais nas crianças, órfãs e vulneráveis" e no combate ao absentismo e abandono escolar.

Se as famílias vivem vergadas às dificuldades económicas extremas, a associação vai também sobrevivendo apesar da falta de fundos. O projeto do micro crédito tem ficado adiado à espera de melhores dias e da generosidade de doadores. Entretanto, vão usando e abusando de fundos próprios, somente possíveis através do resgate das parcas quotas da associação.

Na semana em que terminava a campanha eleitoral, o líder da associação, Perestrelo António Tomo, desabafava que, no geral, os políticos parecem "não estar informados sobre a realidade do país", algo mais visível nestes tempos de "caça ao voto", tal é a ausência de propostas sociais sérias que beneficiem as crianças nos manifestos, discursos e propaganda.

*** João Carreira (texto), Estevão Chavisso (vídeo) e José Coelho (fotos), da agência Lusa ***

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