"A primeira tatuagem fiz por causa de uma deceção que sofri na vida. Então, para não ter de sofrer tanto, eu preferi fazer uma tatuagem. Senti a dor naquele momento e isso resolveu", começa por contar à Lusa Delta Mutondo, 35 anos, que vende marisco em Maputo, durante o dia, enquanto estuda para ser jornalista, à noite.

A primeira tatuagem fez aos 23 anos, no pé esquerdo, uma libertação emocional que veio, nos anos seguintes, com outras oito tatuagens, mas também muito preconceito e "proibições", como na hora de dar sangue ou na busca do emprego.

"Já fui proibida de fazer muita coisa por causa de ter tatuagens no meu corpo. Por exemplo, uma das vezes que fui ao hospital, (...) fui proibida de ser atendida, e acredito que, até hoje, ainda existe uma proibição para pessoas que têm tatuagens doarem sangue para pessoas normais, mesmo sendo pessoa próxima, a nós não aceitam", conta Delta, que, a partir daí, decidiu, noutros momentos, tapar as tatuagens.

"Tive de usar uma blusa com mangas compridas, porque eu tenho uma tatuagem no braço e está visível. Então, senti-me obrigada a esconder para não ser rejeitada, mais uma vez, numa vaga de emprego", reconhece, lamentando o "estigma ou discriminação" que ainda se sente na sociedade moçambicana, apesar de até ser tradicional em alguns povos do país, visível nomeadamente na arte maconde, no norte.

Ainda assim, admite que algo está a mudar no preconceito com pessoas tatuadas: "Hoje, eu não me sinto uma rejeitada".

Delta, que também tatuou nomes da sua família, conta que há agora "aceitação por parte das empresas que contratam pessoas que têm tatuagens no corpo", algo "que não acontecia antes".

Também Hassan Nahara, 30 anos, um agente de entretenimento numa casa de apostas em Maputo, viu na tatuagem, a primeira das quais feita há seis anos, uma forma de "expressar um estilo próprio".

"A minha primeira tatuagem que diz 'autonomous' [independente]. Sempre quis ter um estilo individual, mas o mais importante é que gostei da ideia de autoexpressão", conta Hassan, em conversa com a Lusa enquanto finaliza mais uma tatuagem que, por 7.000 meticais (100 euros), vai cobrir o corpo do braço esquerdo ao peito, uma espécie de projeto em curso.

Hassan já gastou 13 mil meticais (187 euros) com todas as tatuagens que fez, inclusive pagando-as a prestações.

Admite, contudo, que "nem toda a gente aceita" as tatuagens, apesar de reconhecer que "há mais abertura" atualmente: "As pessoas já estão mais abertas com a questão das tatuagens. [...] Em Moçambique mudou um pouco, já se aceita".

Mais do que uma coletânea de histórias retratadas nas oito tatuagens que tem no corpo, Hassan assume "um estilo individual e de autoexpressão" para contar uma história própria.

"Já fiz algumas homenagens, mas faço muito mais por mim, porque estou a contar uma história própria a mim mesmo, todas as minhas tatuagens significam uma coisa, tem uma data importante para mim", avança.

Celson Chichava, operador de máquinas, conta à Lusa que sobreviveu por três vezes à morte em 44 anos de vida, pelo que uma das tatuagens que carrega no corpo é um agradecimento.

"A primeira tatuagem fiz foi para agradecer a Deus por tudo que já passei, então é um símbolo [...]. Quando as pessoas perguntam se fiz por estilo ou charme, não é isso, é um significado importante", conta Celson, residente na periferia de Maputo, pai de quatro filhos, contados, em numeração romana, numa das tatuagens.

Apesar de algumas dúvidas iniciais, diz que hoje em dia, em Moçambique, "a sociedade já aceitou as tatuagens".

"As tatuagens começaram há muito, [...] acredito que a sociedade em si já aceitou. Outra camada não aceitou, outra aceitou, isso depende de cada tipo de pessoa", admite.

De músico a tatuador, Milton tem o seu 'Tattoo Studio' e viu nesta atividade, que realiza nos subúrbios de Maputo, uma forma de expressar a sua arte, mas também uma profissão, que abraça desde 2010, apesar do preconceito que quem se tatua ainda aponta.

Ainda assim, conta que as mulheres moçambicanas procuram mais a tatuagem "por autoestima".

"Porque elas querem fazer uma cobertura de uma estria, uma cicatriz ou uma tatuagem mal feita, estamos a falar de arrependimento, porque por detrás de uma tatuagem existe uma história ou por detrás de uma cicatriz", refere Milton, que se iniciou na profissão com um amigo.

De luvas colocadas e máscara na face, Milton prepara a tinta, a máquina de tatuar e desenho no papel para tracejar no corpo do cliente, enquanto descreve a atividade do dia a dia como "muito complicada" porque exige "muita atenção".

Uma atividade que é também o seu ganha pão, embora garanta: "A arte não tem preço".

 

*** Paulo Julião (texto), Fernando Cumaio (vídeo) e Luísa Nhantumbo (fotos), da agência Lusa ***

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