As Mulheres Socialistas rejeitaram que seja feita "justiça popular" ou "qualquer tipo de discriminação", depois de o presidente da Câmara Municipal de Loures (PS) ter ameaçado com despejo inquilinos de habitações municipais com participação nos distúrbios em Lisboa.

Num texto intitulado "A praga do populismo infiltra-se em todo o lado", publicado na rede social Facebook na madrugada de hoje, as Mulheres Socialistas rejeitam "a justiça popular", "qualquer tipo de discriminação", "qualquer tipo de gueto que impeça as pessoas de uma vida digna" e acrescentam que "só se formam guetos onde os processos de integração falham".

Esta posição das Mulheres Socialistas surge depois de na sexta-feira também a líder parlamentar do PS, Alexandra Leitão, ter defendido numa publicação no 'X' (antigo Twitter) que "um regulamento municipal não pode nunca introduzir penas acessórias, sobretudo quando ponha em causa direitos fundamentais e princípios como a dignidade da pessoa humana e a proporcionalidade".

Sem fazer referência direta ao autarca socialista e presidente da Federação da Área Urbana de Lisboa (FAUL) do PS, Ricardo Leão, ou às suas declarações, Alexandra Leitão salientou que "determinar a aplicação de penas acessórias a quem comete crimes, mesmo após o trânsito em julgado, é uma opção exclusiva do legislador e, mesmo assim, muito limitada pela Constituição".

Também sem qualquer referência direta ao autarca, as Mulheres Socialistas escrevem que o PS "tem uma história a defender" e salientam que "numa sociedade democrata, que se pauta pela defesa dos direitos humanos, há limites que não podem ser ultrapassados por quem defende a igualdade e não discriminação como princípios basilares de uma sociedade decente".

"No partido da liberdade, igualdade e solidariedade, de que somos militantes, não se pode condenar antes de a Justiça o fazer (princípio da presunção da inocência); não se pode discriminar mesmo quem foi condenado (princípio da ressocialização); e muito menos alargar essa condenação, por contágio, à família remetendo-a para um gueto sem saída", sublinhou esta estrutura socialista.

Na quinta-feira, o presidente da Câmara de Loures esclareceu que só defende o despejo de inquilinos de habitações municipais que tenham sido condenados e o caso transitado em julgado, assegurando que o município "irá sempre cumprir a lei".

"As declarações tornadas públicas pela minha intervenção na reunião da Câmara Municipal de Loures eram referentes, única e exclusivamente, a casos transitados em julgado. Nunca o município se deve sobrepor ou substituir ao poder judicial. Nem nunca o fará", referiu Ricardo Leão (PS), em comunicado.

O esclarecimento do autarca surgiu na sequência de declarações que proferiu na quarta-feira, na reunião pública da Câmara de Loures, durante a qual defendeu o despejo "sem dó nem piedade" de inquilinos de habitações municipais que tenham participado nos distúrbios que têm ocorrido na Área Metropolitana de Lisboa, após a morte do cabo-verdiano Odair Moniz, baleado por um agente da PSP.

"É óbvio que eu não quero que um criminoso que tenha participado nestes acontecimentos, se for ele o titular do contrato de arrendamento é para acabar e é para despejar, ponto final, parágrafo", afirmou na ocasião Ricardo Leão.

O autarca falava no final da discussão de uma recomendação do Chega de alteração do regulamento municipal de habitação, permitindo despejar de casas municipais quem comete crimes, que acabou aprovada com votos favoráveis do Chega, PS e PSD e contra da CDU.

As declarações de Ricardo Leão já foram publicamente criticadas por vários socialistas, nomeadamente pelas deputadas Cláudia Santos e Isabel Moreira, pelo ex-ministro da Educação João Costa, num artigo de opinião no Expresso, e até pelo eurodeputado Francisco Assis, que ao mesmo semanário afirmou estar perturbado pela "incapacidade de compreensão da realidade sociocultural que está na base dos graves acontecimentos ocorridos nos últimos dias em Lisboa".

Entretanto, o autarca de Loures e da Federação da Área Urbana de Lisboa (FAUL) do PS desconvocou uma reunião deste órgão que estava agendada para segunda-feira, segundo disse o próprio ao “Público”, na sequência desta polémica.