"Deus in Machina" foi o nome dado a um projeto da Igreja de São Pedro em Lucerna, na Suíça, que trocou o padre por um avatar de Jesus Cristo que funcionava através de Inteligência Artificial (IA), programado para dialogar com os visitantes, com base no Novo Testamento e em informações religiosas encontradas online.

O projeto, que decorreu entre agosto e outubro, foi o culminar de anos de colaboração entre a igreja e um gabinete universitário local. Após vários testes relacionados com realidade virtual, a igreja decidiu avançar com o avatar de Jesus, capaz de dialogar com os visitantes em até 100 línguas diferentes.

Marco Schmid, teólogo da Igreja de São Pedro, confessou ao jornal inglês The Guardian que existiu uma discussão prévia sobre que tipo de avatar seria: “um teólogo, uma pessoa ou um santo?”. Contudo, cedo se apercebeu que “a melhor figura seria o próprio Jesus”.

A instalação foi colocada na cabine de confissão da igreja mais antiga da cidade suíça, onde foi possível conversar de forma privada com a imagem de Jesus, transmitida através de um ecrã, que respondia em tempo real e com base em textos teológicos.

“Queríamos ver e compreender a reação das pessoas a um Jesus com IA. Sobre o que é que falariam com ele? Haveria interesse em falar com ele? Somos provavelmente pioneiros neste domínio”, disse o teólogo.

Durante os dois meses, mais de mil pessoas, incluindo muçulmanos e turistas de países como a China e o Vietname, aproveitaram a oportunidade de interagir com o avatar.

Respostas surpreendentemente “espirituais”

De acordo com Marco Schmid, as reacções de mais de 230 visitantes sugerem que, pelo menos, dois terços deles consideraram que esta se tratou de uma “experiência espiritual”.

No entanto, nem todo o feedback foi positivo. Alguns consideraram as respostas do avatar banais e repetitivas, enquanto críticos da comunidade eclesiástica levantaram questões sobre a utilização da cabine de confissão e da imagem de Jesus.

As reações também sugerem ter existido uma grande disparidade nas respostas do avatar, admitiu Schmid.

“Tenho a impressão de que, por vezes, ele foi realmente muito bom e as pessoas ficaram incrivelmente felizes, surpreendidas e inspiradas”, disse. “E também houve momentos em que ele não foi tão bom, talvez mais superficial”.

“É uma responsabilidade demasiado grande”

O que mais impressionou Schmid foi o risco que a igreja correu ao confiar que a Inteligência Artificial não daria respostas ilegais, explícitas ou ofereceria interpretações ou conselhos espirituais que colidissem com os seus próprios ensinamentos.

Na esperança de atenuar este risco, foram efetuados testes com 30 pessoas antes da instalação do avatar. Após o lançamento, assegurou-se de que o apoio estava sempre próximo dos visitantes.

A incerteza foi que levou o teólogo a decidir que era melhor deixar o avatar de Jesus Cristo como uma experiência, dada a falta de garantias.

“Colocar um Jesus como aquele permanentemente, eu não o faria. Porque a responsabilidade seria demasiado grande”.

Apesar disso, Schmid considera existir um maior potencial da ideia, sendo esta "uma ferramenta muito fácil e acessível, onde se pode falar de religião, de cristianismo, de fé cristã”, acrescentando que esta poderia ser transformada numa espécie de guia espiritual, capaz de responder a questões religiosas.

“Penso que há uma sede de falar com Jesus. As pessoas querem ter uma resposta: querem palavras e ouvir o que ele está a dizer. Penso que esse é um dos elementos. Depois, claro, há a curiosidade. Querem ver o que é isto”, concluiu.