O Prémio Nobel da Paz foi hoje atribuído à organização japonesa Nihon Hidankyo, movimento anti-nuclear que reúne sobreviventes da bomba atómica de Hiroshima e Nagasaki, anunciou o presidente do Comité Nobel norueguês.

"O movimento popular de sobreviventes da bomba atómica de Hiroxima e Nagasaki, também conhecido como Hibakusha, recebe o Prémio da Paz pelos seus esforços para alcançar um mundo livre de armas nucleares e por demonstrar através de depoimentos de testemunhas que as armas nucleares nunca devem ser novamente utilizadas" , disse o presidente do Comité Nobel norueguês, Jorgen Watne Frydnes.

Ao atribuir o prémio, o comité do Nobel alertou para o enfraquecimento do tabu sobre a utilização de armas nucleares.

“Nenhuma arma nuclear foi utilizada numa guerra durante quase 80 anos. É, por isso, alarmante constatar que hoje este tabu contra o uso de armas nucleares esteja sob pressão”, sublinhou o presidente do comité do Nobel norueguês.

A questão da guerra na Ucrânia despertou preocupações sobre um "enfraquecimento deste tabu", em particular com a ameaça do Presidente russo, Vladimir Putin, de rever a sua doutrina sobre o uso da arma.

“O prémio deste ano enfatiza a necessidade de manter o tabu nuclear. E todos temos a responsabilidade (de o fazer), especialmente as potências nucleares”, acrescentou.

A organização Nihon Hidankyo (em tradução livre: abrigo antibombas no Japão) foi fundada a 10 de agosto de 1956.

"As armas nucleares não trazem a paz": a reação do Prémio Nobel da Paz

KYODO

Em conferência de imprensa em Hiroxima após o anúncio do Nobel, o co-presidente da Nihon Hidankyo, Toshiyuki Mimaki, manifestou-se surpreendido pela recompensa e sublinhou que as armas nucleares não garantem um mundo sem conflitos.

"Nunca imaginei que isto pudesse acontecer", disse Toshiyuki Mimaki com lágrimas nos olhos , citado pela AFP.

Mimaki estava na Câmara Municipal de Hiroxima e aplaudiu e chorou quando recebeu a notícia, segundo as agências.

"Dizem que graças às armas nucleares, a paz seria mantida em todo o mundo. Mas as armas nucleares podem ser utilizadas por terroristas. E, por exemplo, se a Rússia as utilizar contra a Ucrânia , e Israel contra Gaza , não vai parar por aí. Os líderes políticos devem estar cientes disto”, disse Toshiyuki Mimaki à imprensa.

O responsável comparou a situação atual em Gaza à do Japão devastado pelas bombas no final da Segunda Guerra Mundial.

"Em Gaza, crianças que sangram são detidas. Como no Japão há 80 anos", disse Toshiyuki Mimaki.

A reação do primeiro-ministro do Japão

Para Shigeru Ishiba, é "extremamente significativo que Nihon Hidankyo, que trabalha há muito para a abolição das armas nucleares, receba o Prémio Nobel da Paz".

Os esforços para erradicar as armas nucleares já foram homenageados no passado pelo Comité Nobel.

A Campanha Internacional para a Abolição das Armas Nucleares ganhou o prémio da paz em 2017.

Em 1995, Joseph Rotblat e as Conferências Pugwash sobre Ciência e Assuntos Mundiais ganharam pelos "seus esforços para diminuir o papel desempenhado pelas armas nucleares na política internacional e, a longo prazo, para eliminar essas armas".

Temporada Nobel 2024

Este é o quinto dos Prémios Nobel a ser anunciado este ano, depois de ontem ter sido entregue o da Literatura, na quarta-feira o da Química, na terça-feira o da Físicae na segunda-feira o da Medicina aos cientistas norte-americanos Victor Ambros e Gary Ruvkun pela descoberta dos microRNA. Amanhã, sexta-feira será conhecido o nome do novo Nobel da Paz.

O último anúncio será feito no dia 14 de outubro com o vencedor do Nobel da Economia.

Os vencedores dos prémios Nobel vão receber 11 milhões de coroas suecas (cerca de 920 mil euros). O galardão pode ser atribuído a um máximo de três laureados que partilham o montante do prémio.

A cerimónia de entrega dos prémios decorrerá em dezembro em Estocolmo.

Curiosidades sobre os Prémios Nobel

Os prémios Nobel nasceram da vontade do cientista e industrial sueco Alfred Nobel (1833-1896) em legar grande parte de sua fortuna a pessoas que trabalhem para “o benefício da humanidade”.

Um erro na origem dos prémios?

Em 12 de abril de 1888, o irmão mais velho de Alfred Nobel, Ludvig, morreu em Cannes, França. Mas o Le Figaro engana-se e anuncia na primeira página a morte de Alfred: "Um homem que dificilmente pode ser considerado um benfeitor da humanidade morreu ontem em Cannes. O senhor Nobel, inventor da dinamite".

Este obituário prematuro terá atormentado Alfred Nobel e terá sido a razão para a criação dos prémios. Talvez por isso Nobel tenha escrito que os prémios distinguiriam aqueles que trabalharam “em benefício da humanidade”.

Prémio apenas para pessoas vivas

Desde 1974, os estatutos da Fundação Nobel estipulam que um prémio não pode ser concedido postumamente, a menos que a morte ocorra após o anúncio do nome do vencedor.

Até então, apenas duas personalidades falecidas foram recompensadas: o poeta sueco Erik Axel Karlfeldt (literatura em 1931) e o secretário-geral da ONU Dag Hammarskjöld, que foi assassinado (Nobel da Paz em 1961).

Uma vez o Nobel não foi concedido em homenagem a um vencedor falecido. Foi em 1948, após a morte de Gandhi.

Uma fortuna em troca de uma medalha Nobel

Os Prémios Nobel consistem numa soma de 11 milhões de coroas por categoria (cerca de 920.000 euros) e uma medalha de ouro de 18 quilates.

Jacquelyn Martin / AP

Mas o vencedor do Nobel da Paz de 2021, o jornalista russo Dmitry Muratov, conseguiu transformar ouro em fortuna, em benefício das crianças ucranianas. Em junho, a medalha de 196 gramas recebida pelo co-vencedor de 2021 foi vendida por 103,5 milhões de dólares a um filantropo anónimo, valor que foi doado à UNICEF.

Um Nobel pioneiro em 1903 sobre o aquecimento global

O físico e químico sueco Svante Arrhenius recebeu o Nobel da Química em 1903 pela sua "teoria eletrolítica da dissociação".

Mas foi outro trabalho que lhe valeu o estatuto de pioneiro: no final do século XIX, foi o primeiro a teorizar que a combustão de combustíveis fósseis - na época, especialmente o carvão - lançava CO2 para a atmosfera causando o aquecimento do planeta. Segundo os seus cálculos, a duplicação da concentração de dióxido de carbono aqueceria o planeta em 5°C - os modelos modernos preveem de 2,6 a 3,9°C. Longe de suspeitar as quantidades cada vez maiores de combustíveis fósseis que a humanidade viria a consumir, Arrhenius subestimou a velocidade a que esse nível será alcançado e previu que esse aquecimento ocorreria em 3.000 anos.