Os resultados das eleições presidenciais de terça-feira nos Estados Unidos podem demorar e é possível que sejam contestados, arrastando, em caso extremo, uma decisão até 20 de janeiro, quando um novo Presidente tem de tomar posse, nem que seja interinamente.

O Partido Republicano controlado pelo candidato Donald Trump já anunciou que contratou várias dezenas de escritórios de advogados para analisar potenciais situações de irregularidades nas mesas de voto, em particular no que diz respeito à votação antecipada por correio.

Com dezenas de milhões de pessoas a votar antecipadamente (por correio e presencialmente), em valores sem precedentes, e com as sondagens a antever diferenças mínimas de vantagem em alguns Estados considerados fulcrais para o desfecho final, nenhum analista arrisca dizer quando se saberá quem vai ser o próximo Presidente.

Por outro lado, nos Estados Unidos não há uma lei eleitoral nacional: cada Estado tem regras próprias e define os seus próprios cronogramas, seja para aceitar votos por correspondência e/ou antecipados, seja para definir os momentos da sua contagem ou para estabelecer formas de resolver casos de contestação.

O processo pode passar pelo Supremo Tribunal e acabar no Congresso onde, segundo a Constituição, deverá ser escolhido um Presidente, que tem de tomar posse a 20 de janeiro, nem que seja interinamente, e que, em situação extrema, pode ser o/a líder da maioria da Câmara de Representantes ou, seguinte na linha de sucessão, o/a presidente ‘pro tempore’ do Senado.

Há vários meses que o Presidente Donald Trump lança suspeitas sobre a legitimidade do resultado final das eleições, dando a entender que os democratas estarão a preparar-se para adulterar o desfecho final (Trump continua a dizer, sem apresentar provas, que as eleições e 2020 foram “roubadas”).

O Presidente e candidato republicano tem mesmo usado a expressão “fraude eleitoral”, pedindo aos seus apoiantes para estarem “muito atentos” ao processamento das votações e das contagens de votos, admitindo mesmo recorrer aos tribunais para esclarecer eventuais dúvidas.

Tal como em 2020, ambas as candidaturas criaram painéis de juristas para analisar e contrariar queixas que possam surgir no momento de avaliação final das eleições, antecipando um cenário de litígio nos tribunais.

A contagem de cada voto por correspondência implica mecanismos complexos, alguns deles desenvolvidos manualmente, e diversos Estados apenas iniciam a contagem a partir da terça-feira eleitoral.

O processo começa com a verificação do envelope que contém o voto, que tem uma barra de código que procura garantir que o mesmo eleitor não vota mais do que uma vez, a que se segue, em alguns Estados, o momento de verificação de que a assinatura corresponde aos registos.

Os boletins de voto são então enviados para scanners que leem o conteúdo da decisão do eleitor, mas qualquer leitura deficiente devolve o documento para análise humana, antes de a contagem ser declarada oficial.

Além disso, este processo pode ser contaminado pela contestação das regras de prazos de recebimento dos votos por correspondência, embora esta situação esteja a ser muito mais acautelada, após as queixas analisadas por tribunais em 2020.

Por conhecer, está a posição das empresas que controlam redes sociais, que em 2020 não permitiram a nenhuma das duas candidaturas assumirem uma vitória até que os resultados sejam considerados oficiais ou pelo menos dois meios de comunicação considerados “de referência” o tenham anunciado.

Se o resultado for contestado, o processo de contagem pode ser repetido, como aconteceu na Florida, de forma relevante, nas eleições de 2000, entre o republicano George W. Bush e o democrata Al Gore, atrasando o anúncio do vencedor, ou como em 2018, nas eleições intercalares, em que a contagem se prolongou por vários dias.

Em 2000, o processo foi arrastado até ao Supremo Tribunal, que demorou 36 dias até se pronunciar sobre a recontagem de votos, negando-a e dando, assim, a vitória a Bush.

Os especialistas consideram que este ano a probabilidade de contestação é muito maior, sobretudo por causa da quantidade de votos por correspondência, podendo prolongar o processo, em último caso, por vários meses.

A deadline é a data da tomada de posse, marcada pela 20.ª emenda da Constituição para o dia 20 de janeiro: neste dia, um Presidente tem de ser empossado.

Mas, antes disso, o processo passa pelo Congresso, onde no dia 6 de janeiro os representantes, em nome do Colégio Eleitoral (o somatório dos Grandes Eleitores escolhidos em cada Estado), se devem pronunciar sobre quem será o Presidente.

Havendo contestação de resultados em alguns estados, serão os elementos da Câmara de Representantes quem pode tomar decisões, caso a caso, sobre a composição do Colégio Eleitoral que determinará a maioria que elege o Presidente.

Se nos dias seguintes, e até 20 de janeiro, não houver uma clarificação política no Congresso, e enquanto decorrem novas votações no Congresso, o/a líder da bancada da maioria (que neste momento é ocupada pelo republicano Mike Johnson) poderá ser empossado/a como Presidente interino/a, por ser o terceiro na linha de sucessão (depois do lugar de vice-Presidente, cuja escolha também estará condicionada).

Se eventualmente o líder da Câmara de Representantes não estiver disposto a aceitar o cargo, passa-se para o quarto na linha de sucessão, o presidente ‘pro tempore’ do Senado, que neste momento é a democrata Patty Murray, escolhida para esse posto pelos seus pares, mas que pode vir a ser uma outra figura, se os republicanos recuperarem a maioria neste órgão do Congresso.