O jornalista Ricardo Dias Felner escreveu, na semana passada, uma crónica no Expresso sobre um "comilão", com o título Isaltino e os restaurantes, a propósito de uma ida ao restaurante Sabores das Ilhas, no bairro municipal do Pombal, em Oeiras, depois do Presidente da Câmara lá ter feito um vídeo a publicitar o restaurante.

Vale a pena recordar que foi o restaurante onde a Coligação Evoluir Oeiras (pela qual fui eleita) fez o seu principal jantar de campanha em 2021. Escolhemo-lo precisamente por ser um restaurante onde se come bem, cozinha de Cabo Verde, a preços acessíveis.

Mas vale a pena também lembrar que, durante a campanha de Isaltino em 2021, foram realizados e pagos indevidamente almoços com o Fundo de Maneio do Gabinete do Presidente da Câmara em restaurantes menos em conta do que o Sabores das Ilhas.

Soubemos deste facto através de uma investigação da revista Sábado e, na sequência dessa investigação jornalística, requeremos o acesso trimestral ao mapa de despesas e faturas pagas pelo Fundo de Maneio do Gabinete do Presidente e também às faturas de 2021, tendo confirmado que houve refeições pagas com o orçamento do Município em plena campanha a pessoas que estavam a fazê-la.

Também constatamos que continuam a registar-se abusos e opacidade nos gastos pagos pelo Fundo de Maneio.

O facto, elogiado por muitos, de Isaltino se ter tornado um influencer gastronómico nas redes sociais e fazer publicidade a determinados restaurantes demonstra o pouco apego que tem à ética. Desde quando é que um presidente de Câmara deve usar a sua influência para favorecer alguns negócios em detrimento de outros?

No artigo, o jornalista refere a investigação da Polícia Judiciária e faz uma série de considerações marginais ao assunto principal - o bem que se come no restaurante Sabor das Ilhas.

Nessas considerações diz, por exemplo que "o passado de Isaltino não tem de ser uma chaga inapagável. Isaltino foi condenado, esteve preso (metade da pena), assumiu arrependimento (ainda que não de viva voz, apenas no processo judicial), refez a sua vida, voltou a ser eleito e parece mais humilde e menos colado à imagem do “roubo mas faço”".

Quanto ao arrependimento pelos crimes de branqueamento de capitais e fraude fiscal, pelos quais foi condenado, não foi audível de viva voz nem visível no processo. Os próprios juízes, na sentença, fazem referência a essa falta de arrependimento, e é preciso não esquecer que o crime de corrupção prescreveu e Isaltino recorreu, sem êxito, a todas as instâncias que pôde, até para o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, considerando-se injustiçado. A uma pergunta direta de Manuel Luís Goucha na TVI: “Não se arrepende de nada?”, Isaltino Morais respondeu, perentório: “Não!”

Já o direito de uma pessoa a refazer a sua vida depois de ter estado presa não poderia estar mais de acordo. Todo o ser humano deverá ter direito uma segunda oportunidade na vida, se errou ou cometeu algum crime. Mas é condição necessária, para que seja levado a sério, que reconheça os crimes, provados perante a Justiça, que cometeu e declare estar arrependido de os ter cometido.

Também concordo, e já o saudámos, que Isaltino esteve bem em ir ao terreno e procurar apaziguar os ânimos após a morte de um cidadão, Odair Moniz, às mãos da polícia em circunstâncias que devem ser cabalmente apuradas.

Não engulo é a versão de que não houve aqui pinga de calculismo político por parte de alguém que foi eleito pela primeira vez presidente de Câmara em 1985 e que tem uma gigantesca máquina de comunicação e marketing político bem paga e oleada. Como também não posso deixar de registar que o coro de elogios que se gerou - até agora, numa crónica gastronómica - acaba por fazer esquecer muita coisa e dar uma mãozinha a um presidente de Câmara que já anunciou que se irá recandidatar em 2025 ao seu último mandato e que já está em plena campanha eleitoral.

Ultimamente, Isaltino decidiu colocar no menu alguma diversidade, depois de nos ter vendido ad nauseum o Pêra Manca, o lavagante e restaurantes de luxo, onde o Executivo costuma ir a expensas da Câmara. Eis que o vemos nos Sabores das ilhas no bairro do Pombal, ou a elogiar as linguiças no bairro dos Navegadores, na freguesia de Porto Salvo. Na visita que fez ao bairro mais periférico e esquecido do município, onde decorrem obras de requalificação do espaço público desde 2021, Isaltino não menciona os graves problemas de acessibilidades que as obras intermináveis não estão a resolver. À população, usada como figurante, não lhe foi dada voz para expor os seus problemas. Passeios demasiado altos, escadarias sem rampas, falta de lugares de estacionamento para pessoas com deficiência, lojas e o gabinete municipal inacessíveis a quem ande de cadeira de rodas devido barreiras arquitetónicas que a lei exige que sejam corrigidas... a lista é extensa. Mas o prato do dia agora não é resolver problemas, mas parecer que está tudo feito e que os bairros de Oeiras são terra de abundância, ou não fosse tudo para ser visualizado e comentado nas redes sociais.


Carla Castelo
Vereadora sem pelouros CM Oeiras