São, sobretudo, jovens indignados, que não pretendem ver a identidade revelada, com receio de represálias. Admitem que havia um plano. Atraíram a polícia para a emboscada de segunda-feira à noite, depois da morte do amigo Odair Moniz.
“O que nós fizemos foi puxar os caixotes para o meio, para não arder prédios, para não arder carros das pessoas que não têm nada que ver com isso, que trabalham no seu dia a dia”, conta um morador do bairro.
“O objetivo era chamar a atenção. Ainda somos cidadãos portugueses. Temos direitos e deveres que têm de ser cumpridos. E não nos valorizam e até nos desrespeitam. Há discriminação e preconceito racial. Estamos cansados”, admite.
Para que haja "mudança no futuro”
Dizem não ter receio de “perder a razão”, ao promover os tumultos.
“Porque vai ser mais outro daqui a uns meses. Se eu puder morrer por um, ou por dois ou por três, mas que haja alguma mudança no futuro, eu aceito isso.”
Edgar Cabral, vice-presidente da Associação de Moradores do Bairro do Zambujal, acusa a polícia de, após disparar, ficar apenas a olhar para o corpo de Odair Moniz, sem colocá-lo em “posição de segurança”. “Vemos aqui um descuidado, um “não querer saber””, censura.
“Foi a morte de um grande irmão, um pai de família, por abuso policial e negligência policial.”
“Poderia ter sido eu”
Imagens que circulam nas redes sociais servem de gatilho à ira popular. Os moradores recordam com saudade o amigo e desmentem a versão da polícia.
“O que vejo é um amigo meu deitado no chão, baleado. Uma pessoa que eu nunca vi ter uma atitude agressiva para com ninguém”, lamenta outro morador do bairro.
“Acho que é preciso respostas a estas questões todas: porque é que ele foi baleado? Como é que ele foi ali parar? Houve uma perseguição?”, questiona, assegurando que a vítima não costumava estar armada e que o carro que conduzia não era roubado.
“Isto faz-me pensar que poderia ter sido eu. Poderia ter sido eu neste lugar”, afirma.
“Se deixarmos passar em branco, daqui a um mês morre mais um”
Queixam-se de sucessivos abusos de autoridade.
“Há uns anos atrás, puseram-me a cabeça dentro da sanita da esquadra de Alfragide. Perguntaram: ‘Então, já foste batizado?’”, denuncia um dos moradores do bairro. “Meteram-me a cabeça dentro da sanita, o joelho em cima do pescoço e puxaram o autoclismo. Desde esse dia, nunca mais dormi bem”, relata.
Os confrontos no bairro do Zambujal, prometem os moradores, são para continuar. “Se não for agora, se deixarmos passar isto em branco, daqui a um mês ou um ano, vai morrer mais um e vai ser mais um abuso policial”, afirmam.
“Sentados só a chorar, a lamentar a perda de um irmão, não resulta. O Estado tem de nos ouvir. Vai ter de nos ouvir de qualquer maneira.”