A febre catarral ovina, mais conhecida como língua azul, é responsável pela morte de milhares de ovinos em Portugal, uma situação alarmante que está a preocupar as autoridades de saúde e os criadores de gado. Com o agravamento do surto em Portugal continental é fundamental perceber que doença é esta e de que forma se manifesta.

A língua azul é uma doença viral, infeciosa não contagiosa, causada por um arbovírus da família Reoviridae, que é transmitida por insetos do género Culicoides. Importa sublinhar que não é transmissível aos seres humanos.

No total, "existem 24 serotipos antigénicos do vírus que não desenvolvem imunidade cruzada entre si, sendo que a virulência varia entre si", de acordo com a informação disponibilizada pela Direção-Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV).

Em Portugal, já haviam sido detetados os serotipos 1, pela primeira vez em 2007, e 4, em 2004, mas é o serotipo 3 – detetado pela primeira vez no país em setembro deste ano - que está a causar o surto atual.

Este vírus parece afetar todas as espécies de ruminantes, no entanto manifesta-se de forma mais severa nos ovinos e cervídeos - família a que pertencem, por exemplo, os veados ou o alces.

Esta doença verifica-se em zonas tropicais, subtropicais e de clima temperado, onde a maior incidência ocorre entre o final do verão e o início do outono. Contudo, se a temperatura o permitir, pode surgir em qualquer altura do ano.

O período de incubação é de cinco a 20 dias em ovelhas, pelo que a viremia - presença de vírus no sangue – surge três a quatro dias após a infeção.

Nos bovinos a viremia surge a partir dos quatro dias pós-infeção.

Como se manifesta

Segundo a DGAV a doença pode manifestar-se de forma aguda nos ovinos das seguintes formas:

  • Febre que pode atingir os 42.ºC;
  • Inflamação, úlceras, erosões e necrose da mucosa da boca e narinas;
  • Glossite (língua inflamada), língua inchada e menos frequentemente cianótica (coloração azulada);
  • Descarga nasal e sialorreia (secreção abundante de saliva);
  • Zonas de pequenas hemorragias nas zonas de fricção;
  • Fragilidade vascular;
  • Hiperemia (aumento do fluxo sanguíneo) do focinho, lábios e orelhas;
  • Edema subcutâneo, submandibular e supraorbital;
  • Coxeira devido a coronite ou pododermatite e miosite;
  • Linha de congestão no bordo coronário;
  • Torcicolo;
  • Conjuntivite, dispneia e pneumonia;
  • Aborto ou anomalias no feto;
  • Emaciação - perda acentuada de peso.

Esta doença já foi detetada em todos os distritos do país, numa altura em que os Açores e a Madeira continuam sem registar qualquer caso.

Mapa de distribuição geográfica da doença no dia 06/11/2024.
Mapa de distribuição geográfica da doença no dia 06/11/2024. Reprodução/DGAV

Vacinação

A vacinação é obrigatória contra os serotipos 1 e 4 no "efetivo ovino e bovino", a partir dos três e dois meses de idade, respetivamente. Para o serotipo 3 a vacinação ainda não é obrigatória.

"A vacinação, a título excecional, com vacinas inativadas contra serotipos da língua azul, não presentes em Portugal, poderá ser efetuada, mediante autorização prévia da DGAV", nota a Direção-Geral de Alimentação e Veterinária

Como agir perante suspeita da doença numa exploração

A DGAV esclarece que, em caso de suspeita, deve notificar esta entidade e "colocar de imediato a(s) exploração(ões) suspeita(s) sob vigilância oficial".

É aconselhada a aplicação de inseticidas autorizados nos animais, nas instalações e nas imediações das explorações.

Os animais suspeitos devem ser isolados e deve proceder-se à colheita de sangue em todos animais da exploração.

A DGAV apela ainda a que, nestes casos, sejam colocadas redes mosquiteiras "em todas as aberturas dos estábulos dos animais", bem como armadilhas "para captura de culicoides em explorações vizinhas".

Caso se confirme a presença da doença numa determinada exploração, a DGAV delimitará uma zona de proteção "que consistirá numa área de raio de 100 quilómetros".

Será também criada uma zona de vigilância "com uma largura de 50 km a partir dos limites da zona de proteção".

O que diz o Governo

A Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP) disse, em comunicado emitido na segunda-feira, que a língua azul já vitimou cerca de 40 mil animais em território luso. Quanto aos prejuízos, a CAP avança que devem rondar os seis milhões de euros.

Na terça-feira, o ministro da Agricultura, José Manuel Fernandes,apelou para que os criadores de gado notifiquem as autoridadesdas mortes de animais por língua azul.

Atualmente, há apenas registo de quatro mil ovinos mortos, um número insuficiente e que impede a chegada de fundos europeus.

"Por exemplo, pretendia recorrer à reserva de crises da União Europeia, mas tenho de dar os dados verdadeiros e efetivos. E nesses dados, a taxa que apresento é de dois animais mortos por língua azul em cada mil, quando tenho a perceção de que são muitos mais. O facto de haver uma notificação que é muito baixa em relação às mortes prejudica o objetivo de considerarmos que há uma calamidade, que existe, mas que os números, face às notificações que recebemos, não dão essa dimensão", frisou o ministro da Agricultura, citado pela LUSA.

O ministro explicou também que a vacina contra o serotipo 3 ainda não está autorizada em termos comerciais pela Autoridade Europeia do Medicamento, no entanto já pode ser administrada desde 23 de setembro, devido a uma autorização temporária do Executivo.