O Presidente romeno, Klaus Iohannis, anunciou, esta sexta-feira, após a anulação das eleições presidenciais, que se manterá em funções até à eleição do seu sucessor, em data a definir pelo futuro Governo, a formar após as legislativas de domingo passado.
"Permanecerei em funções até à eleição de um novo Presidente", declarou o líder europeísta num discurso solene, acrescentando, dirigindo-se a "investidores, à União Europeia e à NATO", que a Roménia continua a ser "um país estável e sólido".
O Tribunal Constitucional da Roménia anulou, esta sexta-feira, as eleições presidenciais, depois de os serviços secretos terem revelado uma ingerência russa que favoreceu Calin Georgescu, o candidato de extrema-direita que venceu a primeira volta, a 24 de novembro.
Esta decisão foi tomada apenas dois dias antes da segunda volta, agendada para domingo, na qual Georgescu, o surpreendente vencedor da primeira volta, iria enfrentar a europeísta Elena Lasconi.
De acordo com a decisão do tribunal, todo o processo eleitoral foi invalidado e começará do início, com uma nova data a ser fixada pelo Governo e que, segundo a comunicação social romena, será na primavera de 2025.
Esta decisão sem precedentes no país de 19 milhões de habitantes, membro da União Europeia (UE) e da NATO (Organização do Tratado do Atlântico-Norte, bloco de defesa ocidental), não foi explicada no breve comunicado do Tribunal Constitucional romeno, que indicou que os motivos seriam incluídos quando a resolução completa fosse publicada no Diário da República.
Alegada ingerência russa
A anulação do escrutínio surge depois de, na quarta-feira, o Presidente, Klaus Iohannis, ter retirado a confidencialidade a cinco relatórios dos serviços secretos que indicavam que Georgescu, que inesperadamente ganhou a primeira volta com quase 23%, era apoiado por uma estratégia de ingerência com um "'modus operandi' de um ator estatal", que não nomeia.
O primeiro-ministro social-democrata, Marcel Ciolacu, considerou "justa" a decisão do tribunal, porque o resultado eleitoral "foi flagrantemente distorcido em consequência da intervenção da Rússia".
Esses relatórios mostram que a "agressiva promoção" de Georgescu recebeu um financiamento externo não-declarado de mais de um milhão de euros. Georgescu assegura que não gastou um único euro na sua campanha, o que os especialistas em redes sociais consideram impossível.
A polémica decisão do Tribunal Constitucional romeno foi criticada tanto por forças de extrema-direita como liberais como uma tentativa das formações tradicionais -- o Partido Social-Democrata (PSD) e o Partido Nacional Liberal (PNL, de centro-direita) -- de reparar o seu fracasso político manipulando o sistema judicial. O PSD e o PNL são as duas formações que partilharam o poder na Roménia nas últimas décadas, governam em coligação desde 2021 e, pela primeira vez desde a queda do comunismo, nenhum dos seus candidatos chegou à segunda volta das presidenciais no país.
Georgescu fala em "golpe de Estado"
O candidato de extrema-direita, Calin Georgescu, vencedor da primeira volta das presidenciais romenas, denunciou uma forma de "golpe de Estado", depois de o Tribunal Constitucional romeno ter anunciado a anulação do escrutínio.
"Isto é simplesmente um golpe de Estado organizado. A nossa democracia está em perigo", declarou numa mensagem de vídeo o ex-funcionário público de 62 anos, crítico da UE, da NATO e de toda a ajuda militar à Ucrânia, apelando aos romenos para continuarem "confiantes no ideal comum", apesar da anulação das eleições com base em suspeitas de ingerência russa através da rede social TikTok.
A europeísta Elena Lasconi, que teria competido contra Georgescu na segunda volta, também criticou fortemente a anulação do escrutínio, classificando-a como um ataque à democracia. George Simion, líder do partido de extrema-direita Aliança para a União dos Romenos (AUR), que ficou em segundo lugar nas eleições legislativas de domingo, com 18,3% dos votos, também considerou a decisão um "golpe de Estado", mas pediu aos seus apoiantes que não saíssem à rua em protesto para evitar tumultos.
Um voto de protesto
Além da possível ingerência, existe na Roménia um descontentamento com as formações tradicionais, devido às persistentes desigualdades económicas e regionais e à corrupção, que se traduziram num voto de protesto a favor de Georgescu.
Em 2023, um terço dos romenos estava em risco de pobreza, e o rendimento médio anual continuava a ser inferior a um terço (cerca de 6.500 euros) da média da UE, segundo o Eurostat. A inflação, que no ano passado foi de 10% e este ano deverá ser de 5%, é muito mais elevada nos produtos alimentares básicos, que são 50% mais caros do que antes da pandemia de covid-19, segundo dados oficiais.
A Roménia, até agora um bastião de estabilidade na região do mar Negro e um aliado fundamental da NATO na ajuda ocidental à Ucrânia, encontra-se agora mergulhada numa inédita situação de incerteza política.
O mandato do Presidente Iohannis termina a 21 de dezembro e, de acordo com a lei, o chefe de Estado deve ser substituído interinamente pelo novo presidente do Senado, que será eleito no mesmo dia em que seja constituído o novo parlamento, resultante das eleições legislativas do passado domingo.
No entanto, Iohannis garantiu que "o Presidente exerce o seu mandato até que o novo Presidente eleito preste juramento", abrindo assim a possibilidade de continuar como chefe de Estado para além de dia 21.
Nas legislativas de domingo, o bloco pró-europeu dos sociais-democratas, conservadores, liberais e da minoria húngara obteve 55% dos votos, contra 32% dos três partidos ultranacionalistas e críticos da UE.
Embora a Roménia seja uma democracia parlamentar, o Presidente tem amplas prerrogativas, incluindo o papel de chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, a condução da política externa e a nomeação dos chefes dos serviços secretos.