O que se passou em Portugal não é apenas “mau tempo”. Estamos a falar de estradas cortadas, pessoas desalojadas, milhares sem eletricidade, árvores caídas, carros destruídos, aeronaves viradas, escolas e monumentos fechados. Com mais de 8 mil ocorrências em poucas horas, este mês de março já bateu recordes: quatro depressões num só mês.

Parece que as tempestades bloqueiam mais estradas do que qualquer ativista. E não é coincidência: é a crise climática a intensificar-se.

As águas do Atlântico Norte têm estado persistentemente acima da média - chegando a três ou quatro graus a mais. E um oceano mais quente é combustível para tempestades mais fortes. A atmosfera fica mais quente, retém mais humidade e forma massas de ar mais quentes, húmidas e instáveis, que nos atingem sob a forma de tempestades ou depressões com muita chuva, trovoadas e vento forte. Segundo o IPMA, é inegável a pertinência de relacionar as alterações climáticas à frequência fora do comum com que estes eventos estão a chegar à Península Ibérica.

A crise climática está a manifestar-se de forma cada vez mais frequente e devastadora. Isto não é coincidência; é consequência. Há décadas, os governos recebem avisos da comunidade científica, reconhecendo por vezes o problema, mas com leis fracas que fingem abordar o tema, enquanto continuam a subsidiar as indústrias fósseis e emissores de carbono, viabilizando projetos que aumentam as emissões.

O Acordo de Paris foi assinado há quase 10 anos com o objetivo de limitar o aumento da temperatura média global a 1.5ºC. Sabemos hoje que esse limite foi oficialmente ultrapassado em 2024. Vários recordes têm sido quebrados consecutivamente: recordes de temperaturas, recordes de emissões de carbono e, trágico-comicamente, recordes de lucros das petrolíferas.

Cada cheia, cada incêndio, cada furacão, cada seca e cada onda de calor não são episódios isolados, mas facetas interligadas da mesma crise. Cada um destes eventos é um aviso claro de que esta não é uma ameaça distante, mas uma sucessão presente de catástrofes cada vez mais devastadoras. Nos últimos meses, vimos os incêndios devastadores na Califórnia, as cheias que inundaram Valência e, mais recentemente, as cheias arrasadoras na Argentina. Estes não são fenómenos separados - são sintomas de um sistema em colapso.

Quando apoiantes da Climáximo bloquearam estradas em Lisboa, a indignação foi imediata, alimentada pela frustração com o trânsito parado e o impacto na rotina diária. Este ano, várias foram as vezes em que diversas estradas em Portugal foram bloqueadas, seja por incêndios devastadores ou por chuvas torrenciais, mas a mesma indignação não se fez sentir. Lutar contra a crise climática é condenável, mas causá-la não? afinal, quem paga os estragos? E quem lucra com o colapso?

Enquanto o mundo arde, inunda-se, derrete, pessoas afogam-se e morrem de sede, os “líderes” mundiais observam impassíveis, enquanto os executivos das petrolíferas continuam a dançar - quer seja na chuva, quer seja nas chamas. Mas uma coisa é certa: o custo de não travar a crise climática é infinitamente maior do que o custo de agir já, desmantelar a indústria fóssil responsável pela maior parte das emissões, e garantir uma transição energética justa para todas as pessoas. Torna-se cada vez mais insustentável viver no conto fictício do lucro infinito - a riqueza material não nos protege de desastres climáticos.

Sabemos que, com os planos políticos atuais, a tendência é para que fenómenos como este se tornem cada vez mais frequentes e graves. E Portugal, sendo um dos países da Europa mais vulneráveis aos impactos da crise climática, continua sem recursos nem infraestrutura à altura do que, mantendo-se este rumo, inevitavelmente nos espera.

Apenas em 2024, a ONU registou mais de 150 catástrofes climáticas sem precedentes. Estes não são desastres naturais. São crises provocadas, impulsionadas por decisões políticas, pela ganância da indústria fóssil e pelos governos que a mantêm. Não é possível negociar com as leis da física, impor tarifas à subida do nível do mar, bombardear um furacão ou usar soluções de mercado para travar incêndios florestais. A crise climática não é uma tragédia – é um crime.

Está na hora de condenar os verdadeiros responsáveis: a indústria fóssil, e os governos que a sustentam. A solução é reduzir drasticamente as emissões e travar a crise climática. Fechemos a torneira aos combustíveis fósseis e às emissões de gases com efeito de estufa - pois sem esse travão de emergência, tudo o resto será apenas cosmética a caminho do abismo climático.

O aeroporto Humberto Delgado é a infraestrutura que mais emite gases com efeito de estufa em Portugal, em grande parte devido ao enorme e crescente volume de voos movidos a combustíveis fósseis. Por isso, no dia 1 de Junho, é lá que haverá uma assentada popular pela não expansão da aviação, pelo fim dos voos de curta distância onde poderiam existir comboios acessíveis e ecológicos, por um sistema de transportes públicos grátis e eletrificados para todas as pessoas.

Agir aqui e agora, com coragem, determinação e solidariedade, é a única forma de travar o colapso iminente que estão a perpetuar.