A dissolução da Assembleia da República após a moção de confiança kamikaze de Luís Montenegro limpou qualquer resquício de dúvida quanto ao bloqueio político e institucional em que o país está mergulhado. Não há uma solução óbvia à vista e o próximo governo também estará a prazo. Aliás, o primeiro teste de fogo será o próximo Orçamento do Estado, que dadas as negociações e concessões entre Luís Montenegro e Pedro Nuno Santos, se afigura como um momento de avanços e recuos constantes, até chegarmos a uma solução ideal para o país ou até repetirmos a moção de confiança, como consequência direta do chumbo orçamental.

Este é o grande desafio da política nacional nos próximos anos, ultrapassar a fase atual de mediocridade política e descrédito partidário. Uma série de circunstâncias, com a ajuda decisiva da Procuradoria-Geral da República e do Presidente da República, conduziram à degradação dos partidos do centro, que não encontram alternativas credíveis a Luís Montenegro e Pedro Nuno Santos dentro das suas fileiras. As condições de governabilidade são escassas para ambos.

Neste momento histórico da nossa democracia, os partidos mais pequenos de ambos os lados do espectro partidário adquirem uma nova dimensão e equipam-se com os mecanismos negociais que lhes permitam ascender a uma posição de coligação ou acordo de incidência parlamentar, que em última instância legitimará o novo mandato de PS ou PSD.

Ao dia de hoje, afigura-se particularmente tentadora uma união entre PSD e Iniciativa Liberal à direita e uma aliança entre PS e Livre (com mais parceiros a completar o ramalhete, uma vez que os dois, segundo as sondagens mais recentes, não serão suficientes para ultrapassar uma coligação AD + IL).

A coligação nem sempre é o caminho mais sustentável para os partidos com menor expressão. Perante um cenário em que os partidos mais pequenos estão a preparar-se para calçar as botas dos crescidos, o meu único conselho e ponto basilar deste artigo é – não o façam!

Na memória recente estão as consequências da união entre partidos que feriu as intenções destes dois ‘clássicos’ da esquerda portuguesa. Ambos vítimas do custo eleitoral da governação. Os acordos de incidência parlamentar entre o PS e os partidos à sua esquerda, que permitiram a subida de António Costa ao cargo de primeiro-ministro, acabaram por prejudicar a sustentabilidade partidária de PCP e de BE.

Um PCP subjugado perdeu relevância e a voz independente que era a base ideológica e identitária do seu eleitorado. No caso do Bloco, uma sucessão de casos reprováveis do ponto de vista ético e o crescimento do Livre (legitimado precisamente pela aglomeração de partidos de esquerda no acordo de incidência parlamentar) estancaram o crescimento partidário alcançado na primeira década deste século.

A situação do Chega na atual legislatura é outro exemplo paradigmático. Depois dos casos bizarros e gravosos encontrados entre deputados e militantes do Chega nas semanas que precederam as moções de censura ao governo, uma associação do Chega ao PSD neste momento desgastaria cada vez mais a credibilidade do Chega junto dos eleitores que ainda não decidiram a sua intenção de voto nas legislativas de maio.

Por não estarem coligados (muito mais devido à vontade irredutível do ‘não é não’ de Montenegro do que pela astúcia política de André Ventura), a conjuntura e timing da suspeição da atividade da Spinumviva favoreceu o Chega em dose dupla. Abafou a atenção mediática dos casos do Chega, que tinham dominado a agenda da comunicação social nas semanas anteriores, e veio reforçar a narrativa tão propagada sobre a falência moral e natureza corruptível dos políticos de carreira.

Qualquer partido que se una aos partidos do centro num momento de instabilidade política como o que vivemos agora está condenado a ser arrastado para a descredibilização em praça pública, que se irá perpetuar durante os próximos anos e em última instância irá ferir os interesses dos parceiros de coligação ou de incidência parlamentar. Para os interessados em ler mais sobre o assunto, recomendo o artigo “When are parties punished for serving in a coalition government?”, no qual os autores se debruçam sobre os efeitos das coligações para os partidos com menos expressão nas eleições regionais dos Países Baixos.

Reforço a ideia de que a virtude já não está confinada ao meio. Esse é o maior trunfo dos novos partidos. Aproximarem-se do centro e sustentarem um governo dos dois principais partidos irá atrasar a sua consolidação como forças alternativas e válidas para assumirem a governação a médio/longo prazo. O mais sensato seria uma aposta no “Laissez Faire, Laissez Passer”. Não dar um salto maior que a perna e esperar para ver os próximos capítulos do declínio inevitável dos partidos do centro, enquanto reforçam a sua posição junto de um eleitorado emergente que não se identifica com o modelo convencional da social-democracia portuguesa.