Perante um Presidente que não ambiciona governar, mas ser coroado, a única resposta legítima é resistir à ideia, em pleno século XXI e depois de duas guerras mundiais, de que os fortes fazem o que podem, enquanto os fracos se resignam ao que lhes é imposto.

A política externa de Donald Trump simula uma aproximação ao velho realismo, mas dissolve-se rapidamente no vazio do espetáculo. O uso de tarifas como armas, a pressão sobre aliados para reforçar a sua posição e desconfiança face às obrigações multilaterais evocam, à primeira vista, a realpolitik clássica, onde o interesse nacional se sobrepõe à "ilusão" de uma verdadeira comunidade internacional. Contudo, aquilo que poderia evocar o pragmatismo de Bismarck ou o calculismo de Kissinger revela-se, na prática, mais uma caricatura do que uma estratégia.

O realismo clássico – de Hans Morgenthau a Kenneth Waltz – fundamentava-se na racionalidade estratégica, na contenção e numa leitura fria dos interesses nacionais. Para Morgenthau, a política internacional era uma luta pelo poder, mas temperada pela prudência e pelo respeito pela estabilidade sistémica. Waltz, por sua vez, via os Estados como atores disciplinados pelas constrições estruturais do sistema internacional, garantindo um mínimo de previsibilidade. Trump subverteu estes princípios: substituiu a análise estratégica pela impulsividade, a acumulação serena de poder pela dramatização, a continuidade pela volatilidade.

Onde o realismo promovia a arte lenta e meticulosa da diplomacia, Trump converte a política externa num prolongamento da guerra interna pela atenção pública. A erosão deliberada das instituições diplomáticas, o enfraquecimento das estruturas multilaterais e a substituição da disciplina estatal por impulsos individuais minam as fundações de qualquer ação realista consequente. Mesmo a imposição de tarifas ou a denúncia de tratados surgem desprovidas de qualquer lógica estratégica, mergulhando aliados e adversários num estado de incerteza, sem saber se há ou não um plano subjacente.

Trump não é um realista: limita-se a exercer um realismo de conveniência. Recorre a ferramentas tradicionais, como a pressão económica, chantagem diplomática ou ameaça militar, mas abdica da sua essência: a ponderação entre meios e fins, a construção de uma base sólida de poder.

Recordemos que, embora os realistas valorizem alianças por cálculo, mesmo os mais descrentes em relação a compromissos ideológicos, como Zbigniew Brzezinski, Conselheiro de Segurança Nacional de Jimmy Carter, souberam utilizar essas alianças como instrumentos eficazes, seja estimulando o apoio aos dissidentes do Bloco de Leste, seja prosseguindo a normalização das relações com a China para isolar a União Soviética.

Tanto os realistas ofensivos – que defendem a maximização do poder para evitar hegemonias regionais – como os realistas defensivos – que advogam a contenção como meio de sobrevivência – reconhecem que abandonar parceiros históricos sem alternativas sólidas não é audácia, mas imprudência.

O verdadeiro realismo não implica isolamento, mas sim calculismo e uma adaptação permanente. A versão de realismo promovida por Trump substitui o pensamento estratégico pela busca de vitórias simbólicas, diluindo alianças num cenário de imprevisibilidade crescente. Mas onde os realistas oferecem uma teoria sobre a lógica estrutural da contenção, Charles-Maurice de Talleyrand – um príncipe da ambiguidade, capaz de trair reis, servir revoluções e sobreviver a impérios – oferece a prática: sobreviver requer sangue-frio, adaptação e o domínio da arte de negociar sem precipitação.

Talleyrand, que manobrou nas ruínas da Revolução Francesa, da era napoleónica e da Restauração, dir-nos-ia hoje que a pressa é inimiga da sobrevivência. Se Trump encara a política externa como uma sucessão de impulsos, a resposta mais eficaz deve ser paciente, estratégica e deliberada. A verdadeira força de uma política externa não reside na resistência aos eventos, mas na capacidade de os compreender, moldá-los e agir no momento oportuno. Falar mais alto ou reagir a cada provocação seria, paradoxalmente, alinhar num jogo autodestrutivo.

Trump explora – de forma perturbadoramente eficaz – as fissuras estruturais da ordem internacional, nomeadamente a dependência excessiva dos Estados Unidos e a fragilidade do multilateralismo. Ao amplificar tensões com aliados, desestabilizar acordos e reduzir a diplomacia a uma disputa de soma zero, pressiona o sistema, forçando os agentes a exporem vulnerabilidades. Mas, ao desestabilizar, clarifica, obrigando parceiros e adversários a repensarem princípios e contextos que davam como adquiridos.

Neste paradoxo reside a sua dualidade: Trump é ameaça e oportunidade. Para a Europa, que já não pode adiar a construção de uma autonomia estratégica. Para a China, que interpreta o caos americano como uma janela para reforçar a superioridade do seu modelo autoritário. Para os aliados regionais dos EUA no Indo-Pacífico – Japão, Coreia do Sul, Austrália – que agora procuram equilibrar a contenção da China com uma diversificação prudente da sua dependência dos Estados Unidos.

Mas seria um erro pensar que Trump é a causa. Como dizia Kissinger, Donald Trump pode ser uma daquelas figuras que surgem, de tempos a tempos, para assinalar o fim de uma era e obrigá-la a renunciar às suas velhas pretensões – e os efeitos da sua política externa irão além do seu consulado. Mesmo que o Presidente reverta algumas das suas posições, os danos infligidos tanto nas relações diplomáticas como nas estruturas globais de segurança e economia podem ser irreparáveis. Talleyrand teria dito que o verdadeiro desafio não está no indivíduo, mas na transformação impercetível do sistema que o possibilitou.

A Europa deve superar os seus fracassos, da Geórgia à Crimeia, transformando a sua miopia estratégica em oportunidades. O primeiro passo deverá ser reforçar o papel internacional do euro, consolidando a dívida comum como um ativo seguro global e fortalecendo a posição geopolítica da UE. Essa estratégia exigirá uma visão pragmática e uma ação coordenada, incluindo, se necessário, a suspensão do direito de voto da Hungria no seio do Conselho da UE.

Será crucial cultivar uma flexibilidade estratégica, tanto no seio da NATO como da recém instituída Coalition of the Willing, criando um comando e um planeamento autónomos no âmbito da aliança atlântica. Reforçar a integração militar, aumentar a interoperabilidade com aliados e investir em novas tecnologias de defesa e cibersegurança.

A Europa terá, ainda, de desenvolver estratégias para pressionar Trump sem intensificar o confronto direto com os Estados Unidos, garantindo que os princípios fundamentais da ordem liberal – integridade territorial e soberania dos Estados, não intervenção, respeito pelos direitos humanos e resolução pacífica dos conflitos – sejam preservados nas negociações para o fim do conflito na Ucrânia, recorrendo ao confisco dos ativos soberanos russos como instrumento de pressão para assegurar a presença europeia na mesa das negociações.

Nada disto será fácil, nem provável. O fim de uma era raramente se anuncia de forma inequívoca, revelando-se antes pela incapacidade coletiva de reconhecer que o quadro mudou. Mas confundir pessimismo com realismo é um erro estratégico flagrante. O pessimismo transforma a política internacional num jogo de soma zero, dominado pela desconfiança mútua e pelo cinismo. O realismo, pelo contrário, reconhece as limitações do poder, mas também as oportunidades que emergem dentro desses limites. Parte da realidade, sem a romantizar, e procura moldá-la onde ainda seja possível. O pessimismo paralisa: apresenta Trump como incontrolável, Putin como invencível e a Europa como irremediavelmente incapaz de apoiar a Ucrânia, condenada a tornar-se num estado-vassalo, esmagada entre a brutalidade de um e as ambições desmedidas do outro.

Há, de facto, décadas em que nada acontece, e há semanas em que décadas acontecem. Perante um Presidente dos Estados Unidos que a cada novo ciclo noticioso desmonta os pilares que sustentam a ordem política internacional, a única resposta legítima, cem dias depois, é resistir à ideia, em pleno século XXI e depois de duas guerras mundiais, de que os fortes fazem o que podem, enquanto os fracos se resignam ao que lhes é imposto.


Quando todas as opções são más, mais irresponsável do que escolher mal é pretender que não há escolha.