O principal acusado do processo de dezenas de violações em Avignon, no sul da França, admitiu hoje ser um violador e considerou que os restantes arguidos tinham consciência do que fizeram.

"Sou um violador como todos os que estão nesta sala. Todos eles sabiam, não podem dizer o contrário", afirmou Dominique Pelicot, referindo-se aos 50 co-arguidos no julgamento.

"Sou culpado do que fiz. Peço à minha mulher, aos meus filhos, aos meus netos, à Sra. M. (que foi violada pelo marido e na presença de Dominique Pelicot), que aceitem as minhas desculpas. Peço-lhes perdão, mesmo que não seja aceitável", referiu.

Acusado de ter drogado a ex-mulher, Gisèle Pelicot entre julho de 2011 e outubro de 2020 para a violar e mandar violar por dezenas de homens recrutados na Internet, Dominique Pelicot, de 71 anos, prestou hoje declarações pela primeira vez desde o início do julgamento em 02 de setembro.

Dominique Pelicot entrou na sala antes das 09:00 horas locais (08:00 de Lisboa) ajudado por uma bengala, com roupa escura, sentando-se no banco dos réus - numa poltrona azul mais confortável para que possa acompanhar as próximas audiências no tribunal - e dentro de uma caixa de vidro falou para as dezenas de pessoas e magistrado presentes.

Do lado de fora da sala ficaram dezenas de jornalistas e pessoas que queriam assistir à audiência e aguardavam pacientemente novidades sobre o caso, já que o tribunal não permitiu a entrada de muitos na sala de julgamento e na sala de transmissão.

Era notável a tensão por parte dos funcionários do tribunal ao lidarem com a gestão de um caso tão mediático, insistindo na segurança e na acreditação dos jornalistas, não sendo possível para muitos assistir ao julgamento dentro de uma das salas.

No início da audiência, Dominique Pelicot indicou que foi vítima de duas violações sexuais durante a sua juventude, afirmando que teve "sempre estes traumas".

"Não se nasce assim, tornamo-nos assim", afirmou com a voz trémula e em lágrimas, acrescentando que aguentou por 40 anos e foi "muito feliz" com Gisèle, porque ela era o oposto da sua mãe, "totalmente submissa".

A sua ex-mulher, Gisèle Pelicot, "não merecia" o que sofreu, reconheceu o violador assumido, ao falar pela primeira vez perante o tribunal penal de Vaucluse, em Avignon.

O principal acusado, antigo vendedor de imóveis agora reformado, não comparecia em tribunal desde 11 de setembro por razões de saúde, voltando agora com um protocolo mais leve exigido pelos médicos devido a uma pedra na bexiga e uma infeção renal, segundo a sua advogada, Béatrice Zavarro.

O seu testemunho é também crucial para o caso dos outros homens acusados, com idades entre os 26 e os 74 anos. Nos próximos dias, o tribunal deverá prosseguir a inquirição de alguns deles.

Dominique Pelicot afirmou ainda nunca ter tocado nos três filhos do casal e pediu desculpa pelos seus atos.

De acordo com a investigação, foram encontradas no seu computador vídeos e fotografias que levaram à identificação de pouco mais de 50 homens e também fotografias da sua filha e das suas duas noras, algumas delas nuas e tiradas sem o seu conhecimento.

Gisèle Pelicot manteve-se inabalável durante todo o processo, antes de subir ao banco dos réus para dar o seu breve testemunho, em que afirmou que nos 50 anos em que viveu com seu marido não podia imaginar o que este lhe fazia.

"Durante cinquenta anos vivi com um homem que nunca imaginei que pudesse cometer estes atos de violação. Ele tem consciência destes atos de violação, mas eu não duvidei deste homem nem por um segundo, tinha plena confiança nele", disse Gisèle Pelicot.

Quando Gisèle Pelicot saiu da sala, sem fazer declarações à imprensa, foi seguida por um dos seus advogados e pelas dezenas de câmaras e olhares.

À saída dos acusados, com exceção de Dominique Pelicot, todos de máscara e alguns de cara tapada, a multidão presente no átrio do tribunal ficou agitada, filmando com os seus telemóveis e pedindo que mostrassem a cara e assumissem o que fizeram.

O julgamento deste caso deverá prolongar-se até 20 de dezembro e os acusados podem enfrentar penas de 20 anos de prisão por violação agravada.