O fato era verde e estampado com os símbolos das cartas do baralho, talvez numa alusão à personagem do Joker. Primeiro, Francisco Wanderley Luiz, 59 anos, filiado ao Partido Liberal, o mesmo do ex-Presidente Jair Bolsonaro, começou por fazer explodir remotamente uma bomba caseira, amarrada a tijolos, que se encontrava na mala do seu carro, estacionado junto da Câmara dos Deputados, com matrícula do estado de Santa Catarina, conhecido pela concentração de eleitores de extrema-direita.

Apenas 18 segundos depois desta primeira explosão, o ex-candidato com o número 22222 a vereador pela cidade de Rio do Sul, atirou dois artefactos acesos em direção ao Supremo Tribunal Federal (STF). Depois, fez-se explodir. Ficou mais de 12 horas estendido à frente da estátua cega da Justiça. A Polícia Federal abriu um inquérito, porque o assunto pode ser mais grave do que se acreditou de início. Até agora considerada a ação de um lobo solitário, novos rumos surgem conforme as averiguações avançam. Certo, por exemplo, é que Francisco Wanderley Luiz queria matar Alexandre de Moraes, o juiz que é inimigo número um dos extremistas brasileiros.

Em agosto, Francisco Wanderley Luiz entrou no STF para participar numa visita guiada. Na altura fez-se fotografar e acrescentou a legenda: “Deixaram a raposa entrar no galinheiro”. Foi o primeiro sinal. O último aconteceu no início da noite desta quarta-feira, quando o ex-chaveiro de profissão se fez explodir em frente à casa do Supremo brasileiro.

Em depoimento à Polícia Federal (PF) de Santa Catarina, Daiane, ex-mulher de Francisco Wanderley Luiz, revelou, segundo a imprensa brasileira, que os planos deste incluíam assassinar o ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes. Segundo a GloboNews, Daiane terá revelado que o ex-marido mencionou, em várias ocasiões, a sua intenção de “matar Alexandre de Moraes e quem mais estivesse perto na hora do atentado”.

Já se descobriu que o suicida alugou um apartamento em Ceilândia, cidade na região periférica de Brasília, onde foram encontrados explosivos do mesmo tipo dos utilizados na ação de quarta-feira. Também estão a ser referidas as várias afirmações de Francisco Wanderley Luiz nas redes sociais, com teor ameaçador.

Ameaças a ex-presidentes

No perfil pessoal na rede social Facebook, com o nome de Tiü França, como era conhecido, Francisco Wanderley Luiz publicou, segundo a CNN Brasil, cerca de 30 mensagens que antecipavam o ataque. “Entrego minha vida para que as crianças cresçam com liberdade. Que o coração de pedra dos homens maus e injustos derreta igual açúcar” ou “Polícia Federal, vocês têm 72 horas para desarmar a bomba que está na casa dos comunistas”, terá escrito, antes de citar nomes como os dos ex-presidentes José Sarney e Fernando Henrique Cardoso.

Ou ainda “cuidado ao abrir gavetas, armário, estantes, depósito de materiais etc. Início 17:48 horas do dia 13/11/2024” e “após este grande acontecimento, vocês poderão comemorar a verdadeira proclamação da República. ‘Em espírito estarei na linha de frente com minha espada erguida. Deus nos abençoe”.

O caso está a ser investigado pela PF, que anunciou que as explosões serão investigadas como se de um acto terrorista se tratasse. Um relatório da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), citado pela CNN Brasil, refere que Francisco Wanderley Luiz terá agido sem a colaboração de cúmplices. O inquérito deste caso deverá ficar sob a responsabilidade de Alexandre de Moraes.

Ligação o 8 de janeiro de 2023

O documento foi entregue ao STF e à PF, como parte de investigações que procuram estabelecer uma eventual ligação do incidente aos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023, quando as sedes dos poderes legislativo, executivo e judicial foram invadidas e destruídas por milhares de apoiantes de Bolsonaro, contestando o resultado das eleições que escolheram Lula da Silva como Presidente do Brasil, em 2022.

Em declarações ao site “G1”, um dos ministros do STF afirmou que o incidente está a ser analisado como mais uma evidência de que os riscos para a democracia brasileira ainda persistem” e que que “as explosões ocorridas na quarta-feira simbolizam a continuidade das tentativas de golpe iniciadas em 8 de janeiro de 2023, quando extremistas invadiram as sedes dos Três Poderes”.

A expectativa de que se pudesse avançar com uma amnistia para os acusados pelas invasões do ano passado aprece agora posta de parte. “Não é possível falar em amnistia para um golpe que ainda não morreu e que está infiltrado em diversos sectores da sociedade”, declarou um integrante do STF, citado pelo “G1”.

Declarações de Moraes, citadas na imprensa brasileira, repudiam o incidente. “Não podemos ignorar o que ocorreu”, disse o ministro do STF, acrescentando que este "não é um facto isolado do contexto”.

“É um contexto que se iniciou lá atrás, quando o gabinete do ódio, o famoso gabinete do ódio, começou a destilar discurso de ódio contra as instituições, contra o Supremo Tribunal Federal, principalmente, contra a autonomia do Judiciário, contra o STF, não só como instituição, mas contra as pessoas, os ministros e os familiares de cada um dos ministros”, afirmou Moraes, referindo-se à estrutura criada durante o Governo de Bolsonaro.