A académica e analista conservadora Kori Schake alerta que o candidato republicano às presidenciais norte-americanas, Donald Trump, representa "um perigo para a Constituição" e afirma que não votará nele, numa eleição imprevisível, cujos resultados podem demorar dias, e potencialmente violenta.
Apesar do seu percurso em altos cargos nos departamentos de Estado e da Defesa, durante as administrações do republicano George W. Bush, e de ter sido conselheira principal na campanha presidencial do republicano John McCain em 2008, a atual diretora de Estudos de Política Externa e de Defesa do American Enterprise Institute apoia o campo oposto na votação na próxima terça-feira, tal como nas duas eleições anteriores.
"Como republicana, apoiei e votei nos candidatos democratas à presidência, porque podia não gostar das suas políticas, mas não eram um perigo para a Constituição, e o [antigo] Presidente Trump é um perigo para a Constituição", justifica em entrevista à Lusa.
Alinhada com Cheney e outros altos funcionários republicanos
Esta posição está alinhada com destacados políticos conservadores norte-americanos, como o ex-vice-Presidente Dick Cheney, o senador e candidato à Casa Branca em 2012 Mitt Romney, além de 200 antigos altos funcionários de administrações republicanas que tornaram público o apoio à candidata democrata, Kamala Harris, alegando que a alternativa "é insustentável".
Todas as sondagens apontam para um empate técnico e Kori Schake alerta que possivelmente o desfecho nem será conhecido na noite eleitoral, mantendo-se em aberto o regresso à Casa Branca do magnata nova-iorquino e autor de declarações que "desqualificariam qualquer outro candidato" sobre minorias, mulheres ou de apelos implícitos à violência, e que, "na verdade, já desqualificaram outros candidatos" à presidência.
A académica aponta o governador da Florida, Ron DeSantis, e outros políticos que, nas primárias republicanas, "tentaram imitar Trump e não conseguiram ultrapassá-lo", o que o torna num caso "único na constelação americana", parecendo atingir um estatuto intocável, ainda que tenha pendentes múltiplas acusações na justiça e uma condenação no processo de suborno da atriz pornográfica Stormy Daniels.
“Agressividade” da campanha indica “incerteza do resultado”
Trump tem rotulado como "uma pessoal horrível, louca e de esquerda radical" Kamala Harris, que, por sua vez, acusa o seu adversário de 78 anos de ser "instável e desequilibrado", desafiando-o para um teste cognitivo, e é uma incógnita saber a qual dos candidatos beneficia este tipo de retórica.
"É tão difícil dizer o que motiva os eleitores americanos até vermos como é que eles votam", observa Kori Schake, adicionando que a agressividade demonstrada nos últimos dias de campanha "demonstra a proximidade e a incerteza do resultado".
Na terça-feira, a analista prevê que a economia e a imigração sejam os temas que podem desequilibrar estas presidenciais, embora os indicadores económicos sejam "bastante otimistas", o que denota um desfasamento do eleitorado, tanto democrata como republicano, e que, segundo as sondagens, deverá favorecer Trump.
“As pessoas não respondem honestamente às sondagens”
A imigração representa igualmente uma das grandes inquietações nos dois campos, porém, acompanhada de propostas opostas, em que "os democratas estão a falar da importância da imigração legal e de controlar as fronteiras, ao passo que os republicanos, em particular o antigo Presidente e o candidato a vice-Presidente [J.D. Vance] são completamente racistas" em relação a este assunto.
"As pessoas não respondem honestamente às sondagens sobre esta questão", adverte Kori Schake, o que torna "muito difícil separar as atitudes em relação à imigração do racismo puro e simples".
As fortes diferenças entre os dois candidatos também se manifestam na política externa, com uma abordagem "unilateral, pessoal e bastante agressiva" de Trump, nomeadamente em relação ao apoio à Ucrânia, em oposição a uma oferta "multilateral, institucionalizada e menos dependente da força militar" de Harris, que pode, porém, ser penalizada pelo eleitorado árabe-americano e críticos de Israel devido ao conflito no Médio Oriente.
E depois da derrota
"Os eleitores americanos que têm essas opiniões estão muito hesitantes em votar na vice-Presidente Harris, apesar de o antigo Presidente Trump ser muito menos empático para os palestinianos do que vice-Presidente Harris ou o Presidente [Joe] Biden têm sido", segundo a antiga dirigente das estruturas superiores do Conselho de Defesa Nacional dos Estados Unidos, que antevê "uma alternativa provavelmente muito pior para as preocupações" dos defensores da Palestina.
Na sua análise, uma derrota nas próximas presidenciais terá "mais variáveis" nos democratas do que nos republicanos, com o partido de Kamala Harris a ter de averiguar se aconteceu "porque não conseguiu distanciar-se adequadamente do Presidente [Biden], se foi porque parece não ter feito nada como vice-Presidente, ou porque os eleitores americanos tinham dificuldade em votar numa mulher ou numa mulher negra".
Já no campo republicano, figuras que se veem como potenciais sucessores, como o candidato J.D. Vance, o governador Ron DeSantis ou o senador Josh Hawley "tentarão capitalizar a popularidade de Trump", mesmo que até à data não tenham sido eficazes.
As dificuldades do sistema em “limitar os piores impulsos”
"A minha esperança é que, se o antigo Presidente Trump não for reeleito, outros republicanos, como o governador do Ohio, Mike DeWine, e o presidente do município de Springfield [Rob Rues], que se manifestaram com tanta veemência em defesa das suas comunidades quando foram visados por Trump, avancem", afirma Kori Schake, e, que, nessa circunstância, "este tipo de valores do republicanismo volte a ser moda".
Por outro lado, a analista republicana considera que, na eventualidade de uma eleição de Donald Trump, seja "muito mais difícil que o sistema norte-americano - Congresso, tribunais e sociedade civil - funcione como contrapeso no sentido de "limitar os piores impulsos" do líder da Casa Branca entre 2016 e 2020.
"No seu primeiro mandato, tentou retirar as tropas americanas da Europa, do Japão e da Coreia do Sul, e, numa base bipartidária, o Congresso impediu-o de ter dinheiro para o fazer", recorda, mas, em caso de um segundo, "será menos provável que os outros eleitos republicanos atuem contra ele", porque entretanto Trump "conseguiu, em grande medida, canibalizar as estruturas e instituições do partido".
Se perder, a perspetiva pode ser igualmente sombria, na medida em que o candidato republicano continua sem reconhecer a derrota na última eleição contra Biden - que resultou no assalto ao Capitólio -, e ameaça voltar a fazer o mesmo se Harris sair vencedora.
"O antigo Presidente Trump e os seus apoiantes estão a tentar normalizar a violência política, e é assim que as democracias falham", avisa Kori Schake, para quem o dia seguinte a 5 de novembro constitui uma fonte de "grande preocupação".