“Os mercados tinham subestimado o empenho político que os líderes europeus tinham no Euro.” O discurso “whatever it takes” fez os mercados acreditarem que o Euro era uma decisão política firme, para lá da decisão económica e monetária. E que os líderes europeus, dos governos ao governador do Banco Central Europeu, estavam de facto decididos a manter a moeda única europeia. Por razões políticas, acima de todas as outras. Essa lição, que Mario Draghi contou ontem, no aniversário da CNN Portugal, tem outra lição, que ainda não sabemos se está aprendida ou não.
“O Banco Central Europeu fará tudo o que for necessário para salvar o Euro.” O famoso discurso “whatever it takes”, de Mario Draghi, em Julho de 2012, é decisivo para o desfecho da crise das dívidas soberanas. Mais de doze anos depois, entrevistado por Richard Quest, o ex-presidente do Banco Central Europeu, e ex-primeiro ministro italiano e recente autor do Relatório de que toda a gente fala em Bruxelas, explicou o facto mais importante sobre aquele discurso. No auge da Crise das Dívidas Soberanas, os mercados estavam a apostar contra o Euro. Havia firmas de advogados a estudar como é que se passariam contratos feitos com garantias em Euro para contratos garantidos por outras moedas. Os governos europeus, reunidos em cimeiras, anunciavam a União Bancária, prometiam reformas, juravam solidariedade, mas nada convencia os mercados. Até que as palavras curtas, claras e firmes de Mario Draghi fizeram os mercados acreditar que os decisores políticos, incluindo o Presidente do Banco Central Europeu, estavam decididos a preservar o Euro. Era, os políticos sabiam, uma questão de vida ou morte. Não para a moeda única, mas para a União Europeia. A guerra da Ucrânia não é diferente. E, no entanto, ninguém diz o mesmo. E os “mercados” notam-no.
Doze anos passados, noutra crise, já ouvimos muitas juras à Ucrânia, já se disse a Khiev que o seu lugar é na Europa e já se prometeu a Zelensky que a Europa estará com a Ucrânia enquanto a Ucrânia quiser. O problema é que os “mercados” não vêem apenas os discursos, olham muito para as acções. E as acções não são vazias, mas ficam aquém do necessário. Desde o primeiro dia, ficam sempre aquém do necessário. E, portanto, os mercados políticos duvidam. Na Europa e no resto do mundo, não existe a convicção de que a Europa fará tudo, mas mesmo tudo, o que seja preciso para que a Rússia não ganhe a guerra (nem falo de perder). E não existe, por três razões: porque a Europa não tem feito tudo o que pode; porque a Europa está dividida em relação ao que está mesmo disposta a fazer; e, acima de tudo, porque ninguém conseguiu ter a clareza, a convicção e – facto nada irrelevante – o poder que Draghi teve e tinha quando disse o que disse.
Passados todos estes anos, o mais importante da história que o ex-presidente do BCE contou ontem é que à época havia clareza quanto à gravidade da situação, havia determinação quanto ao que fazer e faltava convencer os mercados que se faria o que tivesse de ser feito. Quando Draghi o disse, os mercados acreditaram e deixaram de apostar na queda do Euro.
Em relação à guerra da Ucrânia passa-se muito do mesmo. Mas ao contrário. Os políticos garantem que estão com a Ucrânia, que sabem o que está em causa (quem determina as regras da segurança na Europa), que estão ao lado da Ucrânia enquanto a Ucrânia quiser lutar, e que o lugar da Ucrânia é na União Europeia. Os mercados, porém, não acreditam completamente. Os mercados políticos, os mercados onde os outros líderes mundiais regateiam, não acreditam que a Europa faça mesmo tudo o que seja necessário. Na melhor das hipóteses, a Europa fará o que pareça ser tudo o que pode. Mas isso não é a mesma coisa.
Se os europeus, a começar pelos líderes políticos europeus, acham, e deviam achar, que o resultado da guerra é decisivo para a definição das regras de segurança na Europa, para saber se as fronteiras são estáveis, para a segurança europeia, a sua determinação devia ser absoluta. Mas não é.
Desde o primeiro dia da guerra que o Ocidente adia, protela, atrasa o envio de armas, munições, apoio, que desde o primeiro dia os ucranianos dizem ser necessários. E que depois o ocidente envia, mais tarde. Porquê? Porque os europeus, os líderes europeus, sabem que uma vitória russa será trágica para a Europa, mas não sabem o que acontecerá se a Rússia perder, e temem o resultado. Por isso prolongam a guerra. Enquanto há guerra a Rússia não ganhou. Mas também não perdeu. E há sempre a possibilidade da paz negociada imposta pelas circunstâncias.
Não é possível dizer que se quer ser menos dependente da América, de Trump ou de outro qualquer, que se quer ser estrategicamente autónomo para escolher o seu caminho, e depois aceitar ser refém de Putin., como se fosse melhor do que ser súbdito de Trump. Não é. Ser dependente de ambos seria o pior de tudo, mas andamos perigosamente lá perto.