Deve o reitor de uma universidade pública acumular o salário de reitor – e a posição de professor catedrático de carreira que ocupa numa faculdade dessa universidade – com um contrato de professor catedrático convidado nessas mesmas faculdade e universidade? Há um reitor que entende que sim. O primeiro salário, correspondente à posição de reitor, render-lhe-á cerca de 6400€ mensais, valor já de si superior ao de catedrático de carreira; o segundo salário garantir-lhe-á pouco mais de 1000€ e corresponde ao contrato de professor catedrático convidado. Esta situação acontece na Universidade Nova de Lisboa e na sua Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, onde trabalho.
Em abono da minha faculdade, posso dizer que não há memória de que o mesmo tenha ocorrido com qualquer outro dos colegas que ocuparam posições de governo da faculdade ou da universidade. Se a ocupação destas posições os dispensava de serviço docente, vários desses colegas continuaram a lecionar uma cadeira de licenciatura ou uma unidade curricular de mestrado, mantendo uma atividade docente mínima, sem por isso se fazerem objeto de qualquer remuneração que acrescesse ao salário e suplemento que já de si recebiam por se encontrarem a desempenhar cargos de gestão.
Até hoje, frequentei e trabalhei em três universidades públicas diferentes. Conheço diversos problemas que afetam o Ensino Superior e faço uma apreciação crítica da visão de universidade que tem inspirado o núcleo dirigente da minha universidade. Mas, ainda assim, nunca pensei que uma situação deste tipo fosse possível. E julgo que a maioria dos docentes e investigadores da Nova – à exceção dos diretores da FCSH e dos membros da equipa reitoral – também não o pensaram.
É verdade que as universidades reúnem gentes das mais diferentes proveniências científicas, culturais e ideológicas. Mas também existem consensos éticos mínimos que reúnem professores, investigadores, funcionários e estudantes numa universidade pública. Consensos mínimos que são, também, a razão da confiança que o Estado e a sociedade em nós depositam, concedendo-nos autonomia científica e institucional. Não será certamente por acaso que a situação do reitor da Nova não encontra semelhança noutras universidades públicas.
O facto de o reitor em questão vir acumulando dois salários pagos pela sua própria universidade contrasta, ainda, com a circunstância de os investigadores precários que dão aulas na Nova não receberem outra remuneração que não a que resulta do seu contrato precário, contrato este que não estipula qualquer dever de lecionação. Dá-se até a canhestra situação de o ensino de unidades curriculares que levam ao segundo salário do nosso reitor ser por este partilhado com um daqueles investigadores juniores.
Sobre este assunto decorre, é certo, um debate jurídico que visa a clarificação da sua (i)legalidade. É um debate que está longe da sua conclusão. Dos vários pareceres que pude ler, é minha convicção que a situação é ilegal e que os órgãos da faculdade e da universidade têm o dever de procurar recuperar o que tem vindo a ser pago ao reitor ao abrigo do seu contrato de professor catedrático convidado – um valor que excederá a centena de milhares de euros. Em qualquer dos casos, verifique-se a legalidade da situação ou a falta dela, recuperem-se as verbas ou não, julgo que nem o Estado nem a universidade pública podem ser cúmplices de tamanho despudor.