Pensamos que já vimos de tudo, mas o futebol continua a surpreender-nos com momentos inusitados. É certo que o homem já mordeu o cão em vários momentos imprevisíveis do jogo, que o YouTube ou uma série de memes online não nos deixam esquecer. Mas desta vez foi diferente, porque o inesperado não veio de uma qualquer liga amadora, mas da Primeira Liga francesa, a mesma onde desfilam vários craques de nível mundial.

O Lyon-Auxerre do passado domingo entrou para a história devido a uma situação nunca antes vista naquelas bandas. O jogo terminou com um empate a dois, mas o lance que gerou polémica aconteceu ainda na primeira parte, quando o árbitro assinalou um pontapé de penálti para os da casa, por infração de Mensah sobre Mikautadze.

A equipa forasteira discordou veemente, alegando que Jeremy Stinat (curiosamente um ex-jogador de futebol profissional) tinha interrompido o jogo antes do castigo máximo. Depois de dez minutos de interminável discussão, com expulsão do adjunto e intervenção do VAR pelo meio, a decisão manteve-se mesmo e o Lyon inaugurou o marcador, partindo em vantagem para o intervalo.

Mas a parte realmente inédita ali foi o recurso a uma prerrogativa pouco conhecida, prevista no Art. 559° do Regulamento de Competições da Federação Francesa de Futebol, que permite às equipas a possibilidade de solicitarem uma "Reserva Técnica". Trata-se de um expediente que deve ser ativado no momento em que o lance acontece e antes que o jogo reinicie.
Se um dos clubes entender que o árbitro cometeu uma falha relevante (eventualmente um erro de direito), deve submeter-lhe de imediato um documento escrito, dando conta da intenção de protestar o jogo no final. E foi exatamente isso que fez o capitão do Auxerre, o nosso conhecido Jubal Júnior, após a decisão e antes da execução do penálti.

Por acaso o jogo terminou empatado, o que levou o Auxerre a abdicar da intenção, mas caso a equipa gaulesa levasse o processo em frente, caberia às instâncias disciplinares a avaliação da situação, para ver se o jogo seria ou não repetido.

Confesso que já vi muita coisa nos meus anos no ativo, mas um jogador entregar um papelinho ao árbitro a meio do jogo, a dizer "quero protestar o jogo no fim porque acho que você cometeu um erro técnico" é estreia absoluta.

Sem prejuízo da bondade da iniciativa, penso que esse direito poderia e deveria ser exercido no final do tempo regulamentar, de modo e em local apropriado, como acontece na esmagadora maioria das ligas profissionais. Ali, no meio de tanta adrenalina, com cansaço, revolta e falta de lucidez à mistura, o jogo pára demasiado tempo, potenciando enervação generalizada e irritabilidade nas bancadas.

Fará sentido? Eu acho que não.