Um destes dias um comentador de TV escolheu apelidar de desonestos alguns analistas de arbitragem da nossa praça. A acusação, lançada num programa semanal desportivo, não foi explícita, mas o sentido da opinião estava todo lá, de forma implícita mas muito, muito percetível.
Quando desafiado a dar nomes àqueles que dizia avaliarem lances em função “da cor das camisolas” - acusação que pressupõe favorecimento deliberado de uns em detrimento de outros -, o cavalheiro, curiosamente advogado de profissão, acrescentou:

“Eu digo o nome deles... queres que diga? Eu digo um por um! Olha, o Marco Pina, o Duarte Gomes... queres mais? O Jorge Faustino. Já disse três. É que eu não fujo, eu digo o nome às coisas.”

Ah, valente!
Curiosamente ainda ontem refletia, em artigo de opinião n' A Bola, sobre esta tendência, a de cometermos o erro de banalizar crimes cometidos online e nos media.
Já devem ter reparado: hoje em dia é fácil insultar, ofender e atingir a integridade de terceiros só porque se discorda do seu ponto de vista ou porque a sua opinião não valida a nossa. É como se eles fossem sérios ou desonestos em função de dizerem (ou não) aquilo que queremos ouvir.
Deixem-me que seja sincero: não acho que a culpa seja apenas de quem escolhe mentir para se promover ou fazer mostras de alegada frontalidade e irreverência. A culpa é sobretudo de quem lhes dá palco, permitindo que teçam comentários insultuosos em espaço público e de quem se sente afetado e nada faz. Comem, calam e engolem, cabisbaixos.
Quem se sente lesado está etica e moralmente obrigado a defender-se em local e de modo próprios. Se não o faz, valida todas aquelas mentiras como verdades. Pior: incentiva outros a repetirem a gracinha, escudados numa liberdade de expressão que, na verdade, não têm.
Percebo perfeitamente a ambição de quem quer vir a ser qualquer coisa no futebol ou no clube do coração. Sonhar é permitido e faz bem à saúde. Também percebo que, para isso, se queira dar nas vistas, ainda que se tenha que mentir e ofender outras pessoas em plena televisão.
O que não percebo é que seja a própria comunicação social a legitimar, pela cumplicidade do silêncio, essa forma de ambicionar notoriedade e reconhecimento.
Há limites que não podem ser ultrapassados. Serão sempre esses a definir o quilate moral de pessoas e instituições.
Naturalmente que o referido senhor - perdoem-me se não lhe concedo aqui a devida publicidade - irá 'provar' em tribunal a sua acusação. Mas, em boa verdade, isso será apenas uma consequência formal, uma burocracia que seguramente não terá qualquer efeito didático. Pessoas com este perfil dificilmente se deixam travar pela lei, sensatez ou consciência.
E está tudo bem, porque no final do dia, cada um sabe de si (desde que assuma as consequências das suas opções).
De mim, sei eu. E no que me diz respeito, as análises às arbitragens manterão o rumo de sempre: continuarão a ser o mais construtivas possível e, acima de tudo, pedagógicas e honestas. Tudo dentro de um registo (que exijo a mim próprio que seja) educado, elevado, respeitoso. Sempre!
Tal como comentar desporto, comentar lances de futebol publicamente não pressupõe ofender, ridicularizar ou desvalorizar a honra de quem quer que seja.
Qualquer pessoa tem o direito a discordar ou a criticar a opinião técnica, ninguém tem liberdade para a desrespeitar ou insultar.
Estou perfeitamente ciente que ninguém muda o mundo sozinho, mas continuo a acreditar que se cada um fizer a sua quota-parte, muitos dos wannabes que proliferam por aí desaparecerão.
Chegaremos ao dia em que só terá palco quem souber usá-lo com elegância, verdade e personalidade.
Eu acredito. Acreditem também.